sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Chatices do Roth

Juremir Machado da Silva*

 Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER
Philip Roth é considerado por muitos como o maior escritor em atividade no mundo. Tentei 23 vezes ler um livro dele. O máximo que consegui foi ir até a página 103. Ele é cotado para o Nobel todos os anos. Não leva. Do jeito que vai, será superado por Paulo Coelho. O Nobel deste ano foi para o sueco Tomas Tranströmer, de quem o Brasil jamais tinha ouvido falar e nunca mais ouvirá falar novamente. Roth deu uma entrevista a uma revista brasileira que não consegue marcar época. Diante da eterna questão patriótica sobre a cultura brasileira, respondeu na bucha: "Infelizmente não conheço nada do país nem de sua cultura. Nunca ouvi falar de um autor brasileiro atual. Não tenho nenhum contato por lá. Nem sei nem o nome de meu editor em São Paulo. Você sabe que li um único autor brasileiro? É a imagem que tenho do Brasil. Não me recordo do nome dele, mas é um romance irônico, de narrativa descontínua, sobre um homem morto que conta suas paixões e confusões em primeira pessoa.

 "Machado de Assis não existe
para a maioria dos grandes
escritores do mundo."
Adorei...".
Estava falando de um tal de Machado de Assis e de "Memórias Póstumas Brás Cubas". Informado pelo entrevistador, Roth acrescentou: "Isso! Alguns amigos meus como John Gledson me recomendaram a leitura, e gostei demais. Outro amigo, o crítico Harold Bloom, colocou o livro entre os maiores exemplos do cânone ocidental e chamou Machado de Assis de gênio. Como não conheço outros livros dele, não sei dizer. Ele me parece bastante influenciado por Tristram Shandy. Mas com uma abordagem menos pilhérica, mais consistente e aforística. Acho que deveria ler mais autores brasileiros". Essa é a cara do Brasil. Mesmo o seu maior gênio literário é um desconhecido dos gênios literários lá de fora. Ninguém diria o mesmo de Flaubert, de Cervantes, de Lezama Lima ou de Borges. A desculpa que resta é a língua. O português seria marginal e de difícil acesso. Como explicar que isso não se aplique a Fernando Pessoa?
Imagem da Internet: Philip Roth
"Esse Roth é um chato como quase
 todos os que vivem com esse papo
de humor judaico."


Como explicar o sucesso dos gênios que escreveram em russo? Pode-se ler a declaração de Roth com ufanismo: ele gostou de Machado (sem o Assis para ficar mais intenso). Ou com falso desdém: esses americanos, mesmo geniais, são uns idiotas incultos. Pode-se também fazer uma leitura autocomplacente como a minha: nós, os geniais Machado, estamos acima desses gostos individuais e circunstanciais. Eu não existo para a mídia do Rio de Janeiro e São Paulo. Machado de Assis não existe para a maioria dos grandes escritores do mundo. Pode-se também dizer uma verdade incômoda: Machado de Assis é supervalorizado, hiperdimensionado por brasileiros desesperados por um clássico, empenhados em dar ao Brasil um gênio literário, pois um país sério e que se respeite precisa de um.
Roth (o Philip, não o Celso) não conhece um só escritor brasileiro atual. Não perde muito. O último escritor brasileiro razoável foi Machado de Assis mesmo. Depois, tivemos Guimarães Rosa, mas era tão genialmente ilegível quanto James Joyce. O melhor romance brasileiro do século XX, "Os Tambores de São Luís", é de um escritor medíocre, Josué Montello. Esse Roth é um chato como quase todos os que vivem com esse papo de humor judaico.
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* Sociólogo. Escritor. Tradutor. Colunista do Correio do Povo.juremir@correiodopovo.com.br
Fonte: Correio do Povo on line, 14/10/2011

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