sábado, 15 de outubro de 2011

Entre a interação e a intenção

Mariana Branco

O que é ser professor? Muitos poderiam dizer “é ensinar, fazer com que todos os alunos aprendam”. Outros diriam “é ter amor pela profissão, em formar as próximas gerações”. Sim, é verdade, mas, antes de tudo, ser professor é ser comunicador. Para muitos especialistas que estudam a relação entre educador e aluno, os docentes saem das universidades brasileiras com conteúdo e boas noções de metodologia, mas apenas isto não é suficiente. Desenvolver o sentimento de competência do estudante, conquistar sua vontade em aprender e interligar o conhecimento com a atualidade são “técnicas” que o docente pode praticar e desenvolver, independentemente de ser ou não um comunicador inato. “Existem várias coisas que o professor pode fazer no seu dia a dia que não pressupõem uma mudança de currículo, nenhuma medida educacional governamental e que estão ao nosso alcance”, comenta a filósofa, consultora e mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Tania Zagury, também pesquisadora em Educação, com 18 livros publicados. É sobre essas “coisas” que trata essa matéria.
Em geral, o professor não aprende a se comunicar durante os anos em que cursou o ensino superior. “A gente não tem aulas de como comunicar o conteúdo na fala”, lembra o professor de Matemática, psicólogo e palestrante Marcos Meier, de Curitiba (PR). Para trabalhar este aspecto, Meier sugere uma técnica que, segundo ele, é uma das mais ricas para conquistar a atenção das crianças e jovens: a contação de histórias – seja parábola, metáfora, lenda ou mito. “O processamento auditivo é diferente do processamento visual. Então, quando eu faço o aluno imaginar, ele cria uma imagem dentro de si e aí o processamento do cérebro vai ser diferente. Ele constrói o conceito de uma forma mais completa, também com outras áreas do cérebro”, explica o psicólogo que é mestre em Educação e autor de diversos livros.
Segundo a consultora em Educação, a monotonia dos estímulos acaba desmotivando. “Se a escola dispõe de vários recursos, então que você utilize o máximo possível, até porque cada aluno tem um modo de aprender diferente do outro. Se você diversifica, você está dando chance a vários alunos”, informa. Mas Tania faz um alerta: o recurso multimídia é apenas auxiliar, não garante a aprendizagem, mas a potencializa. “Porque aí entra também o conteúdo do professor, a capacidade dele explicar adequadamente, de escolher uma metodologia adequada”, completa Tania, que idealizou e desenvolveu a pesquisa "Porque Fracassa o Ensino no Brasil: o Olhar do Docente que Atua nas Salas de Aula Brasileiras". Questionados sobre a técnica mais utilizada em sala de aula, 43% dos professores entrevistados disseram usar exposição oral, 49% trabalho de grupo e 14% trabalho individual.
Mas para que a comunicação tenha sucesso também é preciso haver flexibilidade do educador em mudar o seu comportamento dependendo da turma que venha a ter. “As escolas estão dando a mesma aula para todo tipo de aluno, a mesma avaliação para todo tipo de estudante e estão dizendo que estão fazendo inclusão. Se eu não tiver flexibilidade para perceber que esse aluno tem uma necessidade diferente daquele, eu não vou agir de forma adequada e aí a escola está pecando não só com esse aluno com dificuldade, mas com o estudante de altas habilidades”, ressalta o psicólogo.

Mediação

Marcos Meier é um grande defensor da Teoria da Mediação – nome mais simples para a Teoria da Modificabilidade Estrutural Cognitiva desenvolvida pelo psicólogo judeu-israelense Reuven Feuerstein. Para Meier, esta teoria, que fundamenta a interação entre professor e aluno, poderia ser abordada pela universidade, pois, ao aprender mediação, o educador poderá melhorar a aprendizagem do aluno. “Os professores vão para a sala de aula com uma série de conteúdos na cabeça e uma série de métodos para ensinar esses conteúdos. Eles têm muita aula de didática, mas não sabem que tipo de interação é preciso ter com esse aluno, nesse momento da vida do estudante, com esse conteúdo e da forma como esse aluno aprende”, explica.
Um dos 12 critérios de mediação é desenvolver o sentimento de competência do aluno. Segundo o psicólogo, atento a isto, o professor jamais poderia fazer observações como: “Olha, gente, prestem atenção porque isso aqui é muito difícil!”, o que levaria o aluno a não se sentir competente e nem mesmo a prestar atenção. Mas se o educador souber desenvolver o sentimento de competência, poderia dizer: “Pessoal, o que eu vou mostrar para vocês é muito importante, vai fazer uma diferença muito grande, vocês vão conseguir aprender, vão entender”.
Outro critério se refere à intencionalidade e à reciprocidade. A proposta é não apenas ter o objetivo, mas sim a intenção de ensinar; fazer todo o possível para que esse objetivo seja alcançado. Meier explica: “O professor tem uma postura diferente, ele interage mais, provoca mais, acompanha o aluno e isso faz uma diferença para a aprendizagem.” E a reciprocidade? É o que fazer com o aluno para conquistar sua atenção, sua vontade de aprender.
Mas não basta o estudante querer aprender; ele também precisa acreditar que pode evoluir. “Se eu agir com o aluno como se a modificabilidade não fosse possível, então eu olho para o aluno e digo ‘ah, isso aí não vai dar certo, esse não vai conseguir’, eu o abandono. Se eu acredito que todas as pessoas são modificáveis, eu não abandono, invento tecnologias novas, metodologias diferenciadas, faço a diferença na vida do meu aluno, desde que eu acredite que as pessoas são modificáveis”, explica o psicólogo.

Aprendizagem significativa

“Professor, para que serve isso?”. Hoje, em dia, é cada vez mais comum os docentes ouvirem esta frase em sala de aula. Segundo Meier, um dos principais erros dos docentes é justamente não conseguirem fazer a ligação do conteúdo curricular com o dia a dia, com a sociedade, e muito menos com as outras áreas do conhecimento. Um exemplo é o professor de Matemática do primeiro ano do ensino médio não interligar seu conhecimento com o docente de Física do mesmo ano. “Se o professor de Matemática conversasse com o de Física, ele poderia usar o exemplo do professor de Física na aula de Matemática e já haveria uma pequena interligação, pequena, mas haveria. Agora, imagina a falta de interligação com a História, a Ciência, a tecnologia. Nada interliga e o aluno tem uma percepção frágil e errada dos conhecimentos que ele está aprendendo, acha que não vão servir para nada”, analisa.
A aprendizagem significativa seria o passo inicial para que, no futuro, o estudante tenha prazer em aprender. “Hoje já se sabe que o aluno aprende melhor aquilo que ele vivencia. Então, tudo o que você [professor] puder trazer da vida na sociedade, de casos que acontecem no dia a dia, é um fator potencialmente motivador. O aluno aprende porque ele sente que aquilo vai ter utilidade para ele. Depois, se conseguirmos ir além, chegaremos nesse momento que é o saber não ocupa espaço, que é você não se questionar, não se importar e nem questionar ‘por que eu aprendo isso?’”, explica a consultora Tania,que também é conferencista na área de Educação.

Feedback

Os especialistas ressaltam que outro aspecto para uma boa interação entre professor e aluno é o retorno, de preferência o mais breve possível. Na opinião do professor de Matemática, a avaliação de final de processo, que não permite que o aluno tenha um feedback sobre si mesmo, não ajuda, mas a contínua, em que a cada momento o docente está avaliando, interagindo, mostrando para o aluno onde ele não aprendeu e onde ele precisa aprofundar, é aquela que vale a pena.
Para uma prova objetiva, que tenha um gabarito fácil, podendo ser corrigida rapidamente, o ideal é que o docente apresente o resultado na aula seguinte – ou no máximo duas aulas depois. “Se o educador dá a prova e leva três semanas para trazer a nota, ele perde o que aquela prova poderia trazer em nível de motivação e de estresse. Num nível adequado, o estresse pode ser a mola do desenvolvimento do aluno e do professor”, analisa Tania. “Se o professor der um trabalho de grupo, o aluno se esforçar, mas apresentar uma nota 6 e não tiver nenhum comentário a respeito de qual foi o porquê ou os porquês daquela nota seis, isso é altamente desestimulante para ele”, completa.

Vocabulário

O “vocabulário melhorado” ajuda a incentivar a criança a se desenvolver, a buscar novos conceitos, desde que o professor não use isto de uma forma rebuscada. “Existe o mito de que nós temos que falar na linguagem do aluno. O que temos que fazer é falar num nível que o aluno possa compreender e ficar com vontade de aprofundar aquele conceito que ele não entendeu”, ressalta Meier.
A consultora em Educação sugere que o professor tenha em sala de aula uma linguagem didática, comunicativa, no sentido de que o aluno entenda, mas também evolua. “Você pode ir buscar esse aluno onde ele está, mas fazer crescer.” Em relação ao docente que costuma até ser grosseiro e vulgar, ela alerta: este professor não vai ser uma liderança. “O aluno pode até achar engraçadinho, rir na hora em que o professor falar um monte de gíria, contar piada que transmitem coisas sexistas ou preconceitos, mas ele não vai tornar esse professor seu líder.”

Percepção

A dica final é que o docente perceba, a cada aula, quando está ou não chegando ao seu objetivo. Isto significa olhar no olho de cada aluno, mesmo que não saiba o nome de todos eles, e perceber qual estudante está prestando atenção, qual está dormindo, quem está prestes a adormecer e quem está prestes a se interessar. “Se você percebe que se passaram 15 minutos do início da aula e ninguém está com aquele olhar que você queria que eles estivessem, você tem que ter uma reserva metodológica para dar a volta, imediatamente”, orienta Tania. Segundo a consultora, isto não significa que o educador tenha que preparar três ou quatro aulas para cada aula. “O professor precisa ter a percepção apurada de que aquilo não está funcionando, então em vez de continuar aquela discussão que apenas três alunos vão prestar atenção, ele pode, por exemplo, escolher uma frase do texto que estava dando, colocá-la no quadro e discutir, mudar a estratégia. Isso é o que eu chamo de ter uma postura científica em educação: é uma avaliação contínua, você está falando e está olhando se aquilo está acontecendo em um espaço de 50 minutos”, explica.
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Matéria publicada na edição de outubro de 2010 da revista Profissão Mestre. Imagem meramente ilustrativa. Fonte da imagem: sxc.hu

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