Chegou a hora dos emergentes
Um dos mais respeitados analistas de risco do mundo
diz que países como o Brasil podem até escapar ilesos da crise,
desde que segurem a tentação protecionista e estatizante.
Especialista em países emergentes, o americano Ian Bremmer, de 42 anos, cientista político e presidente da consultoria Eurasia Group, de Nova York, vem apontando com ênfase as contradições crescentes do capitalismo de estado, que, em graus variados, é o sistema dominante na China, Índia e Rússia – e, infelizmente, agora também no Brasil. Bremmer demonstra que regimes nos quais o governo atribuí a si um papel preponderante na economia acabam reféns de interesses políticos menores que, cedo ou tarde, vão se sobrepor aos princípios consagrados que levam prosperidade à maioria. Diz ele: “Se usaram a crise dos ricos como pretexto para aumentar a intervenção estatal na economia, os países emergentes vão perder uma chance de ouro”.
Como a crise nos países mais ricos afeta os emergentes?
Passado o pior período da tormenta, tenho certeza de que o cenário acabará sendo favorável aos países emergentes. Eles ganham com a crise uma excepcional oportunidade para avançar. Enquanto não há nenhuma perspectiva para as nações mais ricas, que estarão por um bom tempo de mãos atadas para injetar dinheiro em suas economias, os emergentes se encontram em situação financeira mais confortável, com seus gigantescos mercados internos ainda por desbravar. Isso não se traduz automaticamente na conclusão de que os emergentes estão imunes à desaceleração das economias do mundo desenvolvido. Mas países como o Brasil, China e Índia têm as condições essenciais e necessárias para tirar proveito das circunstâncias e, como resultado, expandir sua participação relativa na riqueza mundial.
O que justifica tanto otimismo?
Se essa mesma tormenta tivesse ocorrido trinta ou quarenta anos antes, olharia o cenário com muito mais desconfiança. Naquele tempo, o dinheiro poderia até tomar o rumo dos emergentes, como parte de um movimento natural de fuga do marasmo das economias mais ricas em direção às que crescem. Mas seria certamente um fenômeno passageiro. O quadro que enxergo hoje é diverso. O grosso dos investimentos está indo para os países emergentes para ficar. As economias mudaram muito e para melhor. Elas contam com arcabouço institucional mais sólido, proporcionam ambientes de negócios razoavelmente confiáveis e isso se soma às vantagens tradicionais que sempre cintilaram diante dos olhos dos investidores estrangeiros.
"Falta ao Brasil livrar-se de vez de
anacronismos ideológicos que deixam
o estado muito maior do que deveria ser.
Se não mudar, o país poderá
ficar apenas na promessa."
A que vantagem o senhor se refere?
Falo de economia muito diversas, mas assentadas, de modo geral, sobre pilares sadios. São países com marco regulatório mais sólido e transparente – no que o Brasil ainda se destaca. Mas são economias que, em contraste com a dos países ricos, oferecem também ótimos retornos, com seus juros mais altos.
O que pode dar errado?
O grande risco que as economias emergentes correm é cair na tentação estatizante. Existe sempre o perigo de, a pretexto da crise global, os emergentes se deixarem levar pelo ímpeto de intervir mais fortemente na economia. Como se sabe, a qualidade dessas ingerências cedo ou tarde se deteriora e elas passam a ser motivadas por interesses políticos e empresariais localizados ou, pior, por bandeiras ideológicas. É na interferência excessiva do estado que reside o maior de todos os perigos para os países emergentes. Nos momentos de crise, isso pode parecer justificável, pois tem-se a impressão de que há alguém no comando enfrentando a turbulência econômica. Nessas horas, a ideia estatizante fica ainda mais perigosa.
Por que?
Todos os emergentes já seguem, em diferentes graus, um modelo intervencionista. São países que praticam versões próprias do capitalismo de estado. Esse sistema é muito forte na China e na Rússia, onde os setores estratégicos são controlados pelo governo. Ele é mais brando em países como o Brasil, a Índia e o México. Nesses regimes, o livre mercado é aceito e praticado, mas neles o governo age sempre como ator econômico privilegiado e forte. Nesse ambiente, as doses excessivas de intervenção são quase inevitáveis. Elas sempre prejudicam a eficiência da economia. Espero que as autoridades dos países emergentes resistam à tentação de ampliar os tentáculos pretextando a necessidade de ter mais poderes para enfrentar a crise externa. Espero que segurem o ímpeto desastroso de instrumentalizar as estatais, os bancos públicos ou os fundos soberanos – e, o que seria ainda mais ruinoso, bulir com o destino das empresas privadas que recebem alguma forma de ajuda financeira do estado Na crise, sob a justificativa de estimular o crescimento e criar mais emprego, esses movimentos podem parecer naturais e necessários. Mas são fatais. O capitalismo de estado desencoraja a competição e, por isso, é insustentável a longo prazo
(...)
A seu ver, o governo brasileiro intervém demais na economia?
Não tanto quanto a China, evidentemente. Mas é exagerada a entrada em cena com o objetivo de fomentar a política industrial através dos empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Isso vem se acentuando desde 2008, quando os estímulos foram adotados para acelerar a recuperação da economia brasileira, que sofreria um pequeno baque com a crise mundial. A experiência mostra, no entanto, que manter esse modelo indefinidamente é muito arriscado. Os interesses dos governos não podem e não devem ser confundidos com os das empresas. Elas precisam atuar de acordo com as regras da competição global.
(...)
No escopo de seus estudos de países emergentes, como enquadra a fracassada tentativa do governo brasileiro de injetar dinheiro no grupo brasileiro Pão de Açúcar, viabilizando sua fusão com o francês Carrefour?
Esse episódio emitiu um sinal bastante claro de que o governo brasileiro quer mesmo aumentar seu raio de ação na economia – o que, para mim, é um equívoco. Primeiro, porque, nesse caso do Pão de Açúcar, não estamos falando de um setor estratégico, como mineração ou petróleo. Em segundo lugar, porque as operações globais do Carrefour, caso tal fusão fosse adiante, não ficariam nas mãos dos brasileiros. Isso contraria o próprio conceito de “campeão nacional”. Achei muito bom para o Brasil que aquela malfadada operação tenha tido uma quase unânime repercussão negativa. Ficou bem claro que há resistências internas à atual condução da política industrial, que vem se consolidando ao longo dos últimos quatro anos. Falta ao governo brasileiro uma reflexão mais aprofundada e menos ideológica sobre as consequências de optar por esse rumo intervencionista.
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Reportagem por GUILHERME BARRUCHO
Fonte: Reportagem completa na Revista VEJA impressa, Páginas amarelas, Ed.2237, nº 44 – 05 de outubro de 2011.
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