Montserrat Martins*
“Um dia você aprende” é um e-mail que já circula há uma década, “assinado” por Shakespeare, um caso clássico de falsa autoria, quer dizer, de um autor anônimo que para fazer circular seu texto na rede usa o nome de um autor consagrado. Hoje há vários sites e blogs que desmascaram casos assim, cujas vítimas preferenciais incluem Neruda, Mário Quintana, Luís Fernando Veríssimo. Nomes célebres, donos de estilos sutis, de inteligência refinada, em nome dos quais são difundidas “lições de moral” banalizadas ou até mesmo coisas mais grosseiras.
Num país onde se lê muito pouco, não é comum as pessoas distinguirem entre autorias verdadeiras ou falsas. Quem leu toda obra de Jorge Luís Borges para saber se ele escreveu mesmo aquela declaração, que circula como dele, do que ele faria se vivesse mais tempo ? Ninguém leu todas obras de todos grandes escritores, mas isso não quer dizer que não possamos desconfiar que algo está errado. É que cada um deles tem um estilo – e isso nos dá pistas do que combina ou não com o que é atribuído a eles. O estilo literário é o “DNA” dos escritores e identificar isso é um exercício interessante de cultura. Eu, pelo menos, admito que não vou conseguir ler suas obras completas mesmo. A coleção do Machado de Assis me espera pacienciosamente na prateleira, ao lado das Mil e Uma Noites e entre outros clássicos da literatura universal.
"Se for para consumir conteúdos falsos,
prefiro os assumidamente falsos
como “O Bairrista”, onde as “notícias”
sobre os feitos dos gaúchos são uma forma
de auto-ironia, uma saudável brincadeira
com a nossa mania de grandeza."
Outra questão sobre as falsas autorias é: o que as pessoas ganham com isso ? Os e-mails falsos de conteúdos políticos são evidentes, fazem parte da disputa política, num terreno onde ela é muito importante, a cultura popular. Impingir “marcas” em adversários políticos é uma das formas mais primitivas do gênero e a internet se presta bem para isso, mas também não é absoluta: milhares de e-mails satirizando Lula não impediram que ele mantivesse altíssimos índices de popularidade, quer dizer, as pechas não “pegaram” tanto assim. Mas fora da política há outros casos de falsidade com motivação obscura. Um fato irônico desse tipo de falsidade foi cometido contra o cronista Paulo Santana, muitas vezes polêmico, que uma vez escreveu uma crônica inspirada, “Meus secretos amigos”, que no entanto vem circulando como se fosse de Vinícius de Morais. Sim, quem entende de informática sabe que e-mails populares são ótimos para difundir vírus, mas nem isso explica tudo. A questão do “espírito gaiato”, da mera diversão no anonimato, parece fazer parte dessa resposta.
Estou aprendendo a distinguir o que é real, ou não, e as buscas sobre autorias geralmente tem confirmado essas “intuições”. Talvez você não se importe com quem disse ou não certa coisa, eu gosto de me certificar. Se for para consumir conteúdos falsos, prefiro os assumidamente falsos como “O Bairrista”, onde as “notícias” sobre os feitos dos gaúchos são uma forma de auto-ironia, uma saudável brincadeira com a nossa mania de grandeza.
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* Montserrat Martins, colunista do EcoDebate, é Psiquiatra.
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