José Tolentino Mendonça*
Aos que amaram a Helena e o Daniel
A despedida talvez seja a parte mais difícil da esperança. Não se pode dizer muita coisa. Acho que aprendemos devagar, por vezes com muito custo, por vezes mais serenamente, e ambas as coisas estão certas. Aprendi alguma coisa sobre a arte da despedida com o poeta Tonino Guerra e a sua mulher. Parece que é uma tradição russa (ou pelo menos, eles explicavam-na assim). Antes de partir, ficávamos junto uns dos outros, por uns instantes, em puro silêncio. E depois despedíamo-nos de um modo leve, quase alegre, como se não nos fossemos realmente ausentar. Aqueles instantes de silêncio, porém, tinham atado os nossos corações com uma força que raras palavras teriam. Quando nas despedidas da vida nos parece que ficou, inevitavelmente, alguma coisa ou quase tudo por dizer, é bom pensar naquilo que o silêncio disse, ao longo do tempo, de coração a coração. Talvez o que de mais significativo somos capazes de partilhar não encontra no mundo linguagem melhor do que o silêncio.
Mesmo quando achamos que não nos despedimos, a verdade é que no fundo despedimo-nos muitas vezes. E isso é maravilhoso. A vida deu-nos isso. Termo-nos visto uns aos outros partir e regressar, dizer adeus e olá com a certeza de que nada se interrompe, voltar a ouvir mil vezes a voz dos que amamos, prolongando assim o extraordinário, o interminável encontro.
Precisamos também do socorro de outras palavras, e elas chegam se as quisermos ouvir. Vêm em nosso socorro essas palavras maiores, que não são para compreender talvez, mas que nos seguram enquanto certas despedidas (sobretudo as mais dolorosas) desprendem o seu vazio lentíssimo. Há um poema de Li Bai, um poeta chinês do século VIII, sobre dois amigos que se separam, que tenho entre os textos mais consoladores que li.
«A verde montanha estende-se para lá da Muralha do Norte.
Brancas águas cercam a Muralha do Leste.
Quando aqui nos separarmos,
seremos a erva aquática vogando por grandes distâncias.
As nuvens errantes me farão pensar em quem viaja.
O sol poente me recordará o meu amigo.
Já nos afastamos e agora acenamos com a mão.
E os nossos cavalos, um para o outro, relincham».
Há palavras assim (todos temos as nossas) que são o frágil corrimão de corda que nos ampara quando a terra parece que toda se desprende.
Acredito muito naquilo que Raul Brandão deixou escrito:
«Nós não vemos a vida – vemos um instante da vida. Atrás de nós a vida é infinita, adiante de nós a vida é infinita. A primavera está aqui, mas atrás deste ramo em flor houve camadas de primaveras de oiro, imensas primaveras extasiadas, e flores desmedidas por trás desta flor minúscula. O tempo não existe. O que eu chamo a vida é um elo, e o que aí vem um tropel, um sonho desmedido que há de realizar-se. E nenhum grito é inútil, para que o sonho vivo ande pelo seu pé».
Porventura o mais fecundo não está na pergunta: «porque é que eles partiram?», mas nessa outra que levaremos a vida a responder, e sempre em total gratidão: «porque é que eles vieram?».
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* Teólogo e escritor português.
In Diário de Notícias da Madeira 02.10.11
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