segunda-feira, 10 de outubro de 2011

José Sarney - Entrevista

“Lula foi à minha casa pedir apoio”

José Sarney, presidente do Senado (PMDB-AP)

Sua marca é a discrição, identificada na economia dos gestos e na elegância com que trata os interlocutores. Sinais de irritação são escamoteados, sem nem mesmo franzir a face, enquanto a prosa fácil aborda fatos históricos, dos quais ele mesmo participou como coadjuvante ou protagonista. Aos 81 anos, ex-presidente da República e atual presidente do Congresso, José Sarney, atua com astúcia e mão de ferro nos bastidores da política. Passam por ele indicações de primeiro e segundo escalão, e ministros o consultam quase todos os dias.
Imortal da Academia Brasileira de Letras, Sarney confessa que é um usuário de novas tecnologias, como Iphone e Ipad, com os quais costuma se atualizar do noticiário.
Na quinta-feira, Sarney recebeu ZH na sala de reuniões da presidência do Senado. Em uma hora, com a voz serena, respondeu aos questionamentos com as mãos pousadas sobre os braços de uma cadeira de carvalho. Falou sobre a vaia no Rock in Rio, defendeu sua polêmica gestão no Senado e justificou o uso de helicóptero da PM do Maranhão em passeio. Na cabeceira da mesa de 10 lugares, ele conduz boa parte da política nacional.

ZH – Qual é a posição do senhor sobre a divisão dos royalties do petróleo?
Sarney – O subsolo pertence à União. Todos os Estados e toda a população devem participar das riquezas nacionais. No entanto, reconheço que temos um problema para assegurar os direitos adquiridos pelos Estados produtores. Agora, com relação ao que ainda vai ser explorado, não podemos deixar de redistribuir entre todos os Estados.

ZH – Há clima para a reforma política?
Sarney – Até agora, não se conseguiu disposição política firme para fazer as mudanças necessárias. Nem por isso, deixam de ser tão inadiáveis. A maior delas é a nossa convivência com o voto proporcional uninominal, que não existe no mundo inteiro e que ainda adotamos. Considero esse o ponto-chave, na medida em que é o responsável por toda a desorganização política que o Brasil vive até hoje.

ZH – Qual sua avaliação sobre a proposta de reforma do deputado Henrique Fontana (PT-RS)?
Sarney – Qualquer discussão é muito boa, mas tenho um ponto de vista diferente. Apresentei alguns projetos sobre o voto distrital, mas evoluí para uma solução mista. Também sou favorável ao financiamento de campanha público puro, ainda que acredite que esse modelo não irá resolver os problemas de abuso de poder econômico em uma eleição.

ZH – Por que o Congresso não vota a reforma política?
Sarney – O parlamento eleito por determinadas regras cria um conservadorismo. É difícil mudá-las porque cada um considera que sua reeleição depende das regras com que foi eleito. É muito difícil convencê-los a mudá-las.

ZH – Era mais fácil conviver com Lula ou agora, com Dilma?
Sarney – Tive uma relação muito pessoal com Lula. Ainda hoje ele me telefona, e eu ligo para ele. Tenho um grande apreço por Lula, acho que ele fez um grande governo. Dilma está dando continuidade sem continuísmo, marcando seu estilo.

ZH – O senhor também conversa com frequência com Dilma?
Sarney – Raramente falo com ela.
"O mundo midiático em que vivemos
permite que imediatamente se julgue,
condene e estabeleça uma pena
para as pessoas."
ZH – No mês passado, Pedro Novais foi demitido do Turismo por denúncias de mau uso do dinheiro público. As suspeitas desgastaram a imagem do PMDB?
Sarney – Suspeitas de irregularidades sempre desgastam a imagem dos partidos, assim como a do próprio governo. Atualmente, temos uma absoluta facilidade de classificar supostas irregularidades antes mesmo que sejam apuradas. O mundo midiático em que vivemos permite que imediatamente se julgue, condene e estabeleça uma pena para as pessoas.

ZH – O senhor considera que tem tanto poder quanto lhe atribuem?
Sarney – Gostaria de ter 1% do poder que a mídia me atribui. Estão conferindo a mim inclusive os invernos bons e os ruins. Acredito que pelo menos a seca do Rio Grande do Sul ainda não tenha sido atribuída a mim.

ZH – De todos os presidentes da Nova República, o único que não se aliou ao senhor foi Fernando Collor. Curiosamente, foi o único que caiu. Esse seria um dos motivos de lhe atribuírem tanto poder?
Sarney – Tenho sido aliado de alguns governos, mas já fui oposição durante muito tempo. Não fui aderir ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Pelo contrário, ele foi à minha casa pedir o meu apoio. Da mesma forma, não fui aderir ao ex-presidente Lula. Ele foi à minha casa pedir o meu apoio. Portanto, acho injusto quando dizem que estou apoiando todos os governos. Solicitado a colaborar, não tenho me furtado a fazê-lo.

ZH – Dilma também foi a sua casa lhe pedir apoio?
Sarney – Não, mas eu já tinha uma aliança com o PT. Fomos juntos para o governo.

ZH – Durante o Rock in Rio, o músico Dinho Ouro Preto dedicou ao senhor a música Que País é Este?, que critica as oligarquias. Como o senhor encara essas manifestações?
Sarney – O rock é um estilo que tem o DNA da contestação, sempre foi marcado pelo questionamento. É compreensível que em um festival de rock tivesse uma manifestação desse tipo. No entanto, a crítica foi injusta. No meu governo, contribuiu-se para a maior liberdade de expressão que já tivemos no país. A cultura e as artes devem ser livres. Podem ser injustas, mas não podem deixar de ser livres.

ZH – O senhor se intitula defensor da liberdade de expressão, mas seu filho, Fernando Sarney, recorreu à Justiça para proibir que o jornal O Estado de S. Paulo citasse o nome dele em reportagens ligadas à Operação Boi Barrica, da Polícia Federal. Ele teve seu aval?
Sarney – Embora ele tivesse o direito de recorrer à Justiça, no dia que ingressou com a ação lancei uma nota afirmando que se tivesse sido consultado pelo advogado não teria aceito. No governo Emílio Médici (1969-1974), o jornal O Estado de S. Paulo também esteve sob censura. Hoje, é fácil defender a liberdade de imprensa, mas naquele tempo era muito difícil. A minha voz foi solitária dentro do Congresso em um discurso defendendo o Estadão e a liberdade de imprensa, arriscando meu próprio mandato. Nunca processei um jornalista, mesmo tendo sido um dos políticos mais censurados da história da República.

ZH – Após a repercussão do projeto sobre o sigilo eterno de documentos, o senhor ainda se mantém contra a abertura dos papéis?
Sarney – Nunca defendi o sigilo eterno. Essa é uma interpretação equivocada. Defendi o projeto que a presidente enviou ao Congresso. Daqui a 50 anos, já não estarei mais vivo, e todos nós seremos uma manta horizontal de ossos.

ZH – A divulgação desses documentos poderia gerar constrangimentos diplomáticos ou políticos?
Sarney – Não os conheço, mas mundialmente há uma prática de manter certos documentos sob sigilo durante alguns anos. O Brasil não pode fugir a essa posição.

ZH – Na crise dos atos secretos, o senhor prometeu uma reestruturação do Senado. Porém, pouco se fez, e as poucas mudanças foram revertidas. Por que é tão difícil mudar a estrutura da Casa?
Sarney – Discordo desta avaliação. Fizemos uma reestruturação fantástica no Senado. Temos o melhor portal de transparência de todas as repartições públicas do país. Estabelecemos um plano de cargos e carreiras, temos o melhor núcleo de funcionários públicos do Brasil. Quanto ao que você chama de atos secretos, no que se refere a mim, somente 1,68% desses dispositivos foram publicados na minha gestão. Mas, evidentemente, para a imprensa, é a mulher infiel que dá notícia.

ZH – O uso pelo senhor de um helicóptero da PM do Maranhão durante um passeio causou grande repercussão no país. Os privilégios para autoridades deveriam ser eliminados?
Sarney – Quando esses privilégios foram criados, o objetivo era que os deputados fossem livres e seus salários não os fizessem miseráveis, dependentes dos presidentes. Quando a legislação diz que o presidente do Congresso tem direito a transporte de representação, estamos homenageando a democracia, cumprindo a liturgia das instituições. Por conta das prerrogativas do cargo, tenho direito a transporte de representação. Andei em um helicóptero do governo do Estado, não era de particular. Se fosse ao Rio Grande do Sul e dissesse ao governador que precisava ser transportado, acredito que ele faria da mesma maneira.
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Reportagem por  CAROLINA BAHIA E FABIANO COSTA Brasília
carolina.bahia@gruporbs.com.br
Fonte: ZH on line, 10/10/2011

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