sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Amor IV

Rose Ausländer*

Duas nuvens
se abraçam
logo irão
nos abraçar.
Na floresta
um berço cresce
chamariz e resposta.
As duas pombas
no átrio do templo
celebram bodas.
O anel
encontrou um dedo
que não o deixa mais.
Sob o baldaquim
o véu tem a
figura
de um melro
ele canta nos
lábios da noiva.
As rosas colocam
seus punhais para dormir.
*Rose Ausländer nasceu em 1901, em Czernowitz, capital da Bucovina, então integrante do Império Austro-Húngaro, falecendo, aos 88 anos, em Düsseldorf, na Alemanha. Sua história foi marcada pela experiência do gueto e do holocausto, por sucessivos exílios e pela perda definitiva da pátria - Czernowitz e a parte norte da Bucovina foram incorporadas à União Soviética em 1946.
No fim da guerra, retornou à Nova York, onde já vivera na década de 1920. Um ano depois, recebeu a notícia da morte de sua mãe. Ao retornar à poesia, após um longo período de trauma, escreve apenas em inglês. Só volta a escrever em alemão dez anos depois estimulada por Marianne Moore.
Com este retorno ao idioma alemão ocorre uma virada estilística. O modo tradicional de composição - com versos rimados e metrificados até então - dá lugar a poemas nos quais se percebe a influência de poetas como Marianne Moore, E. E. Cummings, William Carlos Williams e Wallace Stevens. Decisivo para a virada foi também o poeta Paul Celan, que ela conhecera em Czernowitz.
É no domínio desse idioma renovado que Rose Ausländer tentará achar o caminho para a pátria e a mãe perdidas (moro em minha mátria / a palavra). Em alguns poemas, ela sempre está, a exemplo de seus antepassados, a caminho, sem qualquer garantia de que não chegará tarde demais, como em "Passado o Carnaval". Em outros, ela se identifica ora com personagens bíblicos alijados da pátria (como em "Réptil"), ora com aqueles que precisam salvar a vida com "palavras argutas" ("Pelos quatro ventos"). Outros poemas sugerem (como "Novo dia nova noite") a evasão para o mundo da infância, um mundo cuja lógica tem, em toda sua obra, uma afinidade essencial com a lógica da própria poesia.
Tradução de Simone Brantes - Revista PIAUÍ, outubro/2009-p.73 -

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