sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Limites reais

Montserrat Martins*


Histórias de superação sempre emocionam, ver alguém superar limites que a vida impõe mexe com a gente. Filmes e programas de TV usam isso pra conquistar audiência, mas nem sempre funciona, quando o público identifica que os limites são falsos, artificiais, quando as pessoas não estão lidando com situações em que corram riscos reais. O caso da professora de Viamão que repercutiu no Brasil inteiro foi classificado por muitos como um exemplo de “limites” num problema que vem se generalizando, as dificuldades de educadores e pais com condutas dos alunos. Mas se essa história chamou a atenção pelo aspecto sensacionalista – com a professora “exibindo” o aluno em várias salas como mau exemplo – também tem de ser dito que não é uma situação que retrate a maioria dos conflitos nessa área, pelo menos não os mais perigosos.
O aluno em questão (pelas informações que vieram a público) não tem as características dos ditos “antissociais”, que são desafiadores, violentos e sem autocrítica. Ao contrário, esse aluno se submeteu às ordens, se sentiu humilhado, envergonhado, deprimido e sem coragem de voltar ao colégio. A professora também não teve uma conduta representativa da grande maioria de suas colegas, que segue priorizando a didática do diálogo, do exemplo, exercitando a paciência e a criatividade diariamente, para educar com sabedoria.
O verdadeiro desafio para milhares de mestres no nosso país não são os alunos que se submetem, como esse de Viamão. Difícil mesmo é lidar com jovens que, além de não acatar a autoridade, desafiam, ameaçam e agridem – dentro e fora da área da escola. Fosse a um desses membros de gangue que se tivesse enfrentado, os problemas seriam bem maiores que explicar os excessos cometidos, que exorbitam das funções do magistério, por mais compreensíveis que sejam reações de indignação com atitudes incivilizadas dos alunos.
O drama maior com o qual a sociedade está às voltas não é o dos limites legais dos nossos atos, mas, sim, o dos locais onde as “leis” e os limites reais são determinados pelo crime organizado, ao invés de pelo Estado. Há muito a ser feito, dentro do previsto na Constituição, como é o caso da função das guardas municipais de zelar pelo patrimônio público. Uma “história de superação” de uma professora, no filme Mentes Perigosas, mostra a protagonista (Michelle Pfeiffer) interagindo com os dramas sociais das famílias dos alunos com problemas. O mais próximo desse engajamento, entre nós, são os “Círculos Restaurativos”, nos quais os conflitos são enfrentados com a participação ativa dos envolvidos, dos seus familiares e da própria comunidade. Esses círculos (promovidos pela Justiça Restaurativa, em implantação no Estado), ao contrário de enfrentamentos físicos ou imposições de força, proporcionam desafios emocionais cuja superação tem elevado a moral dessas comunidades.
*Psiquiatra
ZH, 02/10/2009

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