RIO DE JANEIRO - Todo mundo já se acostumou com a ideia de um DJ se apropriar de uma música e recriá-la misturando-a com outras. Na literatura, contudo, a prática do remix e do mashup ainda é rara. Com o blog Mixlit (http://mixlit.wordpress.com/ ), o tradutor e colaborador editorial carioca Leonardo Villa-Forte aventura-se em um território quase inexplorado. Em cada post, seleciona trechos de diferentes escritores, combinando, sem fazer uso de hierarquia, passagens escritas por cânones e novatos, famosos e desconhecidos.
– Cada texto fica bem diferente do outro – avalia Villa-Forte. – A semelhança entre todos é que são curtos e se concentram em uma situação ou personagem. Alguns ficam mais secos e diretos, focados na ação, outros mais poéticos e evocativos, e outros mais lúdicos e metafóricos. Cada um depende dos autores que uso e do encaixe que faço entre eles.
A ideia veio num dia em que Villa-Forte lia deitado, rodeado por vários outros livros espalhados pela cama. Em algum momento, fechou um romance e abriu outro que estava ao seu lado. O gesto foi se repetindo sucessivamente, fazendo o blogueiro perceber que algumas passagens de um livro poderiam se encaixar com as de outro.
– A continuação desse trabalho ainda é algo bastante recente, mas posso ver seus resultados correndo por algumas vias – sustenta Villa-Forte. –Primeiro, na formação de um espaço em que textos de vários estilos conversam entre si, criando um ambiente de multiplicação de sentidos e interpretações. Segundo, a possibilidade de uma apreciação diferente que se pode fazer de cada autor.
Para o autor, o blog mostra o quanto a literatura é algo em movimento, que não é estática ou intocável.
– Ela produz efeito no mundo, tem desdobramentos para além do ponto final que se coloca num conto, romance ou poesia.
Villa-Forte acredita ainda que a iniciativa também ajuda a ressaltar o lugar do leitor na criação de sentido sobre aquilo que escolhemos ler.
– Acentuo a liberdade que temos na parceria que firmamos com a leitura.
O blogueiro, no entanto, pondera que, ao contrário do que defende David Shields em Reality hunger, existem diferenças claras entre criar e recriar, entre um texto inteiramente novo e uma reprodução literal. Por isso, indica ao fim de cada texto todos as obras que surrupiou.
– Quem escreveu as palavras foram os escritores, e se não houvesse seus romances, contos e poesias, seria impossível a criação de um remix – justifica Villa-Forte.
Para ele, a ideia de se apropriar de passagens de um texto já escrito sem fazer menção ao autor e ao texto original remete, sim, ao que se chama “plágio”.
– Se é para fins de exposição, divulgação ou até consumo, penso não ser honesto reproduzir algo literalmente sem qualquer declaração sobre a fonte de onde foi tirado. Estou falando de reprodução literal – ressalta. – Feita a declaração, dada a nota, a coisa muda de figura e aí se pode perceber a autoria de uma obra que reconhece suas bases em outras, o que não é problema nenhum. A noção de autoria seria a mesma, as diferenças são na autoria de o quê. Ser autor de um romance, de uma música, de um filme, ou ser autor de um remix, de uma colagem. Há uma diferença de procedimento entre os dois processos. E os dois são válidos e legítimos.
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Reportagem: Bolívar Torres, Jornal do Brasil
Fonte: JORNAL DO BRASIL - 29/05/2010
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