domingo, 23 de maio de 2010

O raio cinquentão

MARCELO GLEISER*

A história da invenção do laser é um exemplo
da competição ferrenha que existe na área acadêmica

DUAS SEMANAS atrás, meu filho de 16 anos me pediu um dinheiro emprestado. Queria desenvolver um "projeto": construir um laser portátil capaz de emitir luz azul. "Pai, posso vender muito mais barato do que os preços comerciais. E não tem nada mais lindo que um laser azul!"

Dito e feito. Dez dias depois, lá estava ele com seu laser azul. Fora o orgulho paterno (eu, com 16 anos, jamais saberia construir um laser), pensei na longa trajetória do laser, que neste ano faz 50 anos de vida. Uma estrada tortuosa liga a ideia original de Einstein, de 1916, à invenção do meu filho.

Em 1916, Einstein escreveu ao seu amigo, Michele Besso: "Uma luz esplêndida iluminou minha mente com respeito à emissão e absorção de radiação". Tudo começa com o modelo do átomo, onde elétrons giram em torno do núcleo em órbitas distintas. Eles podem pular para uma órbita mais externa ou para uma mais próxima do núcleo. Cada órbita tem uma energia fixa. Se luz externa, com energia correta, se chocar com os elétrons em uma dada órbita, pode induzi-los a pular para uma órbita mais elevada.

Imagine que a luz seja feita de pequenas partículas, os fótons. Os elétrons "comem" os fótons e sobem de órbita: este é o processo de "absorção espontânea". Ou eles podem descer de órbita, emitindo fótons.

Einstein entendeu que isto pode ocorrer de duas formas: espontaneamente, ou provocado por luz externa -emissão estimulada. É este o processo chave no laser, sigla em inglês para "amplificação de luz pela emissão estimulada de radiação".

A história da invenção do laser é um exemplo da competição ferrenha que existe na área acadêmica, especialmente quando laboratórios privados, com fins lucrativos, participam da corrida.

Mesmo que a ideia de como construir o primeiro laser tivesse ocorrido a Charles Townes quando trabalhava na Universidade Columbia, a competição veio de físicos trabalhando nos laboratórios da Hughes e da Bell, a companhia de telecomunicações. Em 1954, Townes (e, independentemente, Nikolai Basov e Aleksandr Prokhorov) havia inventado o maser, um laser no qual a radiação é de micro-ondas. Para transformar o maser num laser, era preciso estimular átomos capazes de emitir na luz visível, o que alguns físicos achavam ser impossível.

O truque era usar um sistema de espelhos que fizessem a luz passar várias vezes através de um gás, mantendo elevada a população de átomos em estados excitados. Estes átomos poderiam, então decair, emitindo dois fótons: um que o elétron havia "comido" ao subir de órbita e outro que veio da luz que estimula seu decaimento. Esses fótons, por sua vez, causariam a queda de outros elétrons e, com isso, uma enxurrada de fótons seria emitida, todos com a mesma energia (e cor).

Em 1960, Theodore Maiman, do laboratório Hughes, usou um cristal de rubi para construir o primeiro laser. No mesmo ano, Ali Javan e colaboradores, do Bell, construíram outro, usando uma mistura dos gases hélio e neônio. Na alta Guerra Fria, o laser foi inicialmente visto como uma arma. Hoje, é usado para gravar CDs e DVDs, em fibras ópticas, em leitoras de supermercados e, claro, nas minhas aulas, na espetacular cor azul, graças ao meu filho.
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*MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"
Fonte: Folha online, 23;05/2010

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