sábado, 22 de maio de 2010

Contos de Isaac Singer tratam de amor, sexo, traição e religião

Paulo Pires*


A morte de Matusalém e outros Contos, de Isaac Bashevis Singer (1902–1991), trata de amor, sexo, religião, traição e homossexualismo. Não necessariamente nesta ordem. Singer aborda temas que fazem o leitor indagar sobre a possibilidade de que as histórias poderiam acontecer com ele próprio. É um fio tênue de ficção. Singer escrevia primeiro em iídiche, e só depois em inglês. Em seu discurso de agradecimento ao Prêmio Nobel, em 1978, deu algumas razões que o levaram a trabalhar dessa maneira: “Gosto de escrever histórias de fantasmas, e nada se encaixa melhor em um fantasma do que uma língua morta”. A escrita de Singer lembra os palimpsestos. Ao reescrever o texto original para outra língua e ao trazer referências da própria história da religião, o autor busca na literatura sentidos plurais.

No limite, cria metaficções, como no conto-título “A morte de Matusalém”. No caso, indo além da ficção para fazer circular a história do homem que, segundo o Antigo Testamento, chegou aos 969 anos. Mas o escritor não trata do tema da longevidade. Ele vai explorar outras questões do comportamento humano, pondo em xeque as vãs tentações a que todos estamos sujeitos. Matusalém, entre o sono e a vigília, aguarda a morte. E pensa. São visões da mulher que ele mais amou, Naamá, a qual o provoca com sua beleza e o instiga a visitar a cidade dos assassinos, a cidade de Caim. Nessa cidade a luxúria não é um vício; “pelo contrario: é a mais elevada virtude”. Lá, os julgamentos são feitos em uma assembleia de sábios, em que cada um fala de seu povo.

Qualquer semelhança com a nossa realidade não é mera coincidência: “Prêmios eram concedidos aos melhores ladrões, assaltantes e falsários, mentirosos, prostitutas, torturadores, assim como a filhos e filhas que desonravam seus pais e a viúvas que se notabilizavam por envenenar seus maridos. Tinham sido criados cursos especiais de blasfêmia, sacrilégio e perjúrio”. Em outro relato, o escritor expõe um tema delicado e proibido para a religião judaica: o homossexualismo.

Em “Disfarçado”, a voz do narrador é comedida. Dois jovens judeus se casam. Ela, linda, de pele macia e filha de um homem rico. Até aí, tudo muito bem. O casamento parece que vai dar certo. Porém, ocorre o inverso, e o marido a abandona, fugindo de casa. O autor busca apreender a dor, o sofrimento de uma mulher. Como se não bastasse ser abandonada, não existe um motivo satisfatório para tal fato. A fim de descobrir a verdade, ela visita inúmeros povoados. Só consegue a luz quando chega à longínqua Kalisz: “Seu olhar foi atraído para uma mulher que lhe pareceu extremamente familiar... A mulher comprava ovos numa banca e tinha uma cesta nas mãos, na qual guardava a mercadoria.

Nada havia de extraordinário nisso, porém Temerl permanecia ali, boquiaberta, sem conseguir sair do lugar. De repente lhe veio à cabeça quem era a pessoa com que a mulher se assemelhava: ninguém menos que Pinchosl”. Quer dizer, seu marido. Vilém Flusser já dizia ser a ficção a única possibilidade tangível.
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*Paulo Pires é jornalista
Fonte: Jornal do Brasil - Cad. Ideias & Livros - 21/05/2010

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