quinta-feira, 20 de maio de 2010

Matar a mãe, matar o pai

Glaucio Ary Dillon Soares*



Em Brasília, um estudante de administração matou a mãe a marteladas. As tentativas de ocultar o crime, enterrando o corpo e dando parte do desaparecimento da mãe, sugere que ele é doli capax, capaz de dolo. O homicídio chocou Brasília e o Brasil, e os analistas descobriram que não sabiam muito a respeito deste tipo de crime, o matricídio.

O matricídio e o patricídio, matar a mãe ou matar o pai, são tipos incomuns de homicídios. Sabemos pouco a respeito deles. Wick, Gilbert e Byard inspecionaram detalhadamente os arquivos forenses de Adelaide, na Austrália, cobrindo duas décadas. Encontraram apenas 11 casos, sendo 10 por filhos e um por filha. Pouco, por padrões de países violentos (nos Estados Unidos como um todo, esse é o número aproximado de ocorrências cada duas semanas).

O que aprendemos com esse estudo? Em primeiro lugar, que a diferença de idade é grande, maior do que na população como um todo. A diferença média entre as médias das idades de autores e vítimas era de mais de 32 anos. Foram empregadas armas de diversos tipos, sendo que as facas e outros objetos pontiagudos foram usados em 10 das 11 mortes. Em cinco casos foram usados métodos diferentes, o que usualmente revela alta dose de hostilidade. Como a Austrália não cultua as armas de fogo e sua legislação é restritiva, não surpreende que o número seja tão pequeno (como é a taxa de homicídios), nem que a participação das armas de fogo seja tão baixa.

Quem mataria a própria mãe? De acordo com a justiça australiana, seis dos 11 casos foram cometidos por pessoas incapazes de dolo porque eram doentes mentais. Judicialmente, cada um era doli incapax. Em quatro casos, houve mais de 10 ferimentos na vítima! A despeito de ser um crime incomum, as pesquisas realizadas até agora (em vários países) revelam condições comuns: doenças mentais sérias em conjugação com graves problemas dentro da família e a disponibilidade de armas letais.

Heide e Petee, da University of South Florida se concentraram nas armas usadas nesses crimes. Cobriram 24 anos. Separaram os cometidos por crianças e adolescentes dos cometidos por filhos adultos. Os resultados foram consistentes com a hipótese proposta por Heide em 1993, no sentido de que a escolha da arma era influenciada pela diferença entre a força física do assassino e a da vítima: quanto maior a diferença, maior o uso de armas de fogo.

Pesquisa feita no Canadá por Bourget, Gagné e Labelle comparou matricídios e patricídios. Na província de Quebec, 64 pais ou mães foram assassinados por filhos ou filhas ao longo de 16 anos, quatro por ano. Como em outros países, os patricídios eram mais frequentes: 37 contra 27 matricídios e, também, mais filhos do que filhas eram os assassinos (52 a 4). Essa pesquisa, como outras, revelou alta percentagem de doentes mentais entre os homicidas: 2/3 sofriam de depressão séria ou eram psicóticos. A relativamente alta prevalência de doentes mentais vale tanto para os que mataram pais quanto para os que mataram mães.

Nos homicídios intrafamiliares, muitos homicídios são seguidos de suicídios, e o risco de suicídio aumenta quanto mais próximos forem a vítima e o homicida. Nesse tipo particular de homicídio intrafamiliar, 15% tentaram o suicídio, uma percentagem muito maior do que nos homicídios como um todo. A tendência não é nova: Shon e Roberts pesquisaram os homicídios/suicídios nos Estados Unidos no século 19. Analisaram dois jornais, o New York Times e o Chicago Tribune, de 1851 a 1859. Concluíram que o suicídio não era mais frequente depois de um matricídio do que depois de um patricídio.

As estatísticas americanas mostram dados condizentes com os de outros países, mas os patricídios e matricídios são mais comuns: na média, cinco são mortos por semana, 250 por ano. Desses, perto de 100 são mães. Os filhos matam mais do que as filhas, na razão de seis filhos para uma filha, de acordo com os dados de 1976 a 1999. A maioria dos assassinos é adulta. Esses dados também revelam que o fenômeno (felizmente) é raro: 2% do total de homicídios.

Embora saibamos pouco, sabemos que há condições que aumentam o risco desse tipo de crime: famílias onde há dependentes químicos (inclusive alcoólatras) aumentam o risco; raramente o homicídio é o primeiro ato violento dentro da casa — assim como nos homicídios de cônjuges, matricídios e patricídios usualmente são precedidos por outros atos violentos. Há aumento de estressores dentro da casa no período anterior, tais como fracasso escolar, prisões de membros, desemprego, divórcio, gravidez precoce, infidelidade. O aumento no estressor de um pode contribuir para a violência entre os demais. Além disso, o adolescente pode entrar numa fase em que é progressivamente mais afetado pelo estresse dentro da cada. O estresse que não era percebido se transforma em problema sério.

Entretanto, nos Estados Unidos, como em outros países, o fator que mais aumenta o risco é a presença de armas de fogo na casa. E no Brasil? Tanto dados quanto pesquisadores qualificados são escassos. Por isso, sabemos pouco, quase nada.
_____________________________________
*Sociólogo, é pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj)
Fonte: Correio Braziliense online, 20/05/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário