ENTREVISTA: DANNY ORBACH, HISTORIADOR ISRAELENSE
Autor de obra lançada em Israel sustenta que, se oficiais rebeldes tivessem assassinado ditador, não seriam “nota de rodapé”Poucos países tiveram sua existência tão condicionada pela II Guerra Mundial e pelo nazismo quanto Israel, fundado por europeus expatriados e, em grande parte, sobreviventes do Holocausto. Para os historiadores israelenses, o foco de interesse nesse período sempre foi a memória das vítimas e o funcionamento da máquina da morte nazista. No início deste ano, Danny Orbach, 28 anos, nascido em Kfar Saba e formado em história na Universidade de Tel Aviv, destoou dessa tendência ao publicar Valquíria – A Resistência Alemã a Hitler (Yedioth Ahronoth Books, inédito no Brasil).
O livro se detém nos complôs de oficiais alemães contra o ditador, especialmente sobre Claus von Stauffenberg (1907 – 1944), líder da conspiração que dá título ao livro e que inspirou em 2008 um filme estrelado por Tom Cruise. Para o eminente historiador Tom Segev, que resenhou Valquíria para o jornal israelense Haaretz em fevereiro, Orbach “acredita no mito da resistência alemã a Hitler”.
Aluno de doutorado em história em Harvard, nos Estados Unidos, Orbach não foge da polêmica. Ele chegou a peticionar o Yad Vashem, museu israelense do Holocausto, para que o almirante Wilhelm Canaris (1887 – 1945), chefe da Abwehr, agência de espionagem do Reich, fosse reconhecido como Justo entre as Nações, título honorífico concedido por Israel aos que ajudaram a salvar vidas de judeus sob o nazismo. Executado em 1945 pelos nazistas por conexões com a resistência, Canaris colaborou comprovadamente com os Aliados, especialmente a Grã-Bretanha, durante a guerra.
– Canaris não ajudou a salvar apenas um judeu, mas centenas – afirma Orbach, cujos avós maternos, de origem romena, sobreviveram ao Holocausto.
A abordagem controversa de Operação Valquíria sobre a oposição a Hitler na Alemanha se soma a outras obras recentes, como O Göring Esquecido, do australiano William Hastings Burke, sobre as atividades antinazistas de Albert Göring, irmão do marechal Hermann Göring. De Boston, Orbach falou por telefone a Zero Hora:
Zero Hora – Por que a resistência a Hitler no interior da Alemanha lhe atraiu como objeto de estudo?
Danny Orbach – Sempre fui interessado pela II Guerra Mundial. De fato, eu era fascinado pelo tema, não só porque meus avós eram sobreviventes do Holocausto, mas porque o assunto dizia respeito a Israel. Na escola secundária, encontrei livros de história geral da II Guerra e tomei contato com a história dos oficiais alemães que tentaram assassinar Hitler. Na universidade, descobri que havia diferentes complôs políticos com o mesmo objetivo.
ZH – Muitos historiadores se detiveram no fato de que a maioria dos alemães colaborou ativa ou passivamente com Hitler. Esse é o foco, por exemplo, do livro Os Carrascos Voluntários de Hitler, de Daniel Jonah Goldhagen. O que o senhor pensa dessa abordagem?
Orbach – Os envolvidos na resistência a Hitler na Alemanha eram uma pequena minoria. A maioria colaborou com o regime. Mas os historiadores em Israel analisam especialmente a colaboração, e praticamente ninguém ou muito poucos falam na resistência a Hitler. A pesquisa histórica deve analisar tudo, de muitos ângulos. É muito ruim levar adiante uma abordagem de um ponto de vista e negligenciar outro. Muitos historiadores fizeram estudos melhores do que o mencionado (Os Carrascos Voluntários de Hitler). Nele há muitos problemas, que outros pesquisadores apontaram. É muito mais um best-seller do que um estudo histórico.
ZH – O historiador Tom Segev escreveu que a resistência alemã a Hitler não merece mais do que “uma nota de rodapé na história”.
Orbach – Bem, depende do que seja o seu texto principal. (Risos.) Gosto muito de Tom Segev. Entretanto, a fim de entender a complexidade do regime nazista, deveríamos ver também a resistência e não somente a colaboração. Algumas tentativas de assassinato de Hitler falharam por falta de sorte, porque um explosivo não foi detonado ou porque alguém removeu a bomba de Stauffenberg. Se tivessem sido bem sucedidas, a resistência não seria uma nota de rodapé. O sucesso não pode ser o único critério ao se julgar fenômenos históricos. Em muitos países, no passado, no presente e talvez no futuro, seremos confrontados por ditaduras totalitárias como o regime nazista. Não é importante estudar como as resistências agem a fim de entender esse fenômeno no futuro? Segev se detém apenas na Alemanha nazista. Vejo a resistência de forma comparativa.
ZH – Stauffenberg pode ser visto como um opositor de boa-fé?
Orbach – É sabido que havia muitas pessoas sob o regime nazista que discrepavam em questões particulares, mas colaboravam em outras. Um bom exemplo é o do bispo Galen (Clemens von Galen, bispo católico de Münster), que se opunha fortemente à eutanásia, o assassinato de portadores de deficiência, mas não resistia em outros terrenos. Mas, quando se decide assassinar o líder no mais alto escalão de poder, essa é a suprema forma de resistência. É claro que nenhum oposicionista discorda do governo em todos os aspectos. Mas as discordâncias de Stauffenberg foram suficientemente importantes para levá-lo a uma vida perigosa, de autossacrifício, a fim de remover esse regime. É ilusório dizer que ele discrepava em algumas coisas. Stauffenberg – aliás, um líder muito complexo – adotou a suprema forma de resistência, e isso deve ser levado em conta.
ZH – O senhor propôs que Wilhelm Canaris seja considerado um Justo entre as Nações. Por quê?
Orbach – Sim, fiz um requerimento sobre Canaris. O Yad Vashem (Museu do Holocausto, em Israel) tem critérios legais pelos quais define um Justo entre as Nações. O primeiro é que tenha salvo pessoalmente judeus, mesmo um único. Canaris salvou centenas. O segundo é que tenha feito isso por, digamos, razões humanitárias – por exemplo, quem foi pago para isso não é um Justo entre as Nações. Pelo menos alguns dos salvos por Canaris o foram por motivos puramente humanitários, e isso significa, no caso dele, contratá-los como espiões ou como funcionários da agência de inteligência, e há mesmo provas de que muitos dos que foram salvos receberam ordens de não espionar e não se engajar em atividades de inteligência. O terceiro critério é ter arriscado a vida. Há evidências de que ele arriscou consideravelmente a vida. Adolf Eichmann (responsável pelos campos de extermínio) enviou uma carta no final de 1942, e tenho essa carta comigo, acusando a Abwehr de salvar judeus e dizendo que, toda vez que a agência empregara judeus como espiões, a ordem partira de Canaris. A carta foi enviada em 1942, e ele continuou salvando judeus. Foi executado em 1945, não apenas por salvar judeus, mas por estar ligado à resistência. O último critério é não reconhecer como Justo entre as Nações alguém engajado no Holocausto, especificamente no Holocausto contra judeus. Não há nem sombra de evidência de que Canaris tenha se envolvido pessoalmente com o Holocausto. Todas essas evidências o qualificam para ser reconhecido como Justo entre as Nações.
ZH – Como o senhor reage às críticas a sua obra dentro e fora de Israel?
Orbach – Para que o debate sobre o Holocausto seja feito, as diferentes opiniões devem ser consideradas legítimas se estiverem baseadas em fatos. Não podemos fazer um verdadeiro debate histórico sobre fatos que não compreendemos. Coloquemos primeiro os fatos sobre a mesa.
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luiz.araujo@zerohora.com.br
POR LUIZ ANTÔNIO ARAUJO
Fonte: ZH online, 29/05/2010
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