Publicamos aqui um trecho do livro recém publicado na Itália de Theodor Adorno, "La crisi dell'individuo" [A crise do indivíduo], editado por Italo Testa (Ed. Diabasis, 159 páginas).
O artigo foi publicado no jornal Il Manifesto, 06-05-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A transformação do ambiente, do qual extrapolamos alguns exemplos que já levavam em conta as respectivas implicações psicológicas, remete a um novo tipo humano em formação. Ele foi denominado com a feliz expressão "radio-generation", geração radiofônica. É o tipo de homem cuja essência é definida pela incapacidade de realizar experiências pessoais, um homem que deixa que as experiências sejam preparadas pelo aparato social, que se tornou extrapoderoso e impenetrável, e que justamente por isso não consegue chegar até o estágio da formação do eu, até a "persona".
Segundo as teorias da psicanálise ortodoxa, um tipo humano que fracassa a tal ponto na formação do eu deveria ser classificado como neurótico. O conceito de neurose, porém, implica determinados conflitos com a realidade. Mas a partir do momento em que a geração radiofônica se priva da possibilidade de formar um eu próprio, adequando-se passivamente à realidade, e a partir do momento em que justamente em virtude da falta de um eu ela parece se integrar sem nenhum conflito à realidade, o conceito de neurose não pode ser aplicado sem algumas reservas. Se todos aqueles são doentes – e há ótimos motivos para acreditar nisso –, eles não são, em todo caso, mais doentes do que a sociedade em que vivem.
Ao mesmo tempo, é da sua conformação que devemos partir para tentar mudar as coisas. Temos razão de crer que a atrofização é acompanhada pela libertação de algumas faculdades que fazem com que essas pessoas sejam capazes de realizar transformações que os velhos "indivíduos" nunca saberiam realizar. A abertura de uma brecha na parede monadológica que, na era liberal, aprisionava todo indivíduo em si mesmo é motivo de grandes esperanças.
A geração radiofônica foi definida como "bidimensional". A falta de continuidade na experiência faz com que lhes seja quase impossível experimentar felicidade e dor. Nenhuma felicidade, porque ela se dá apenas onde há sonho, e eles não sabem mais sonhar. São quase incapazes de conceber objetivos que vão além do seu âmbito de ação habitual e que transcendam a adaptação às suas condições. Felicidade significa, para eles, adequar-se, poder fazer o que todos fazem, fazer mais uma vez o que todos fazem. São privados de ilusões. Veem o mundo assim como ele é, mas ao custo de não poder vê-lo como poderia ser.
Por isso, são carentes também do ponto de vista da dor. São "endurecidos" no sentido físico e psicológico. A frieza é um dos seus traços mais acentuados: são frios com relação a dor alheia, mas também com relação a si mesmos. A dor tem, assim, pouco poder sobre eles, porque quase não se lembram dela: são como o paciente que se desperta da anestesia sem saber mais nada dos sofrimentos provados ao longo da operação (o momento da frieza foi destacado particularmente por Ödön von Horvath).
O emprego da tortura nos regimes fascistas poderia ter relações muito estreitas com esses aspectos. Se isso inicia com indivíduos acostumados à dor, dirige-se, por outro lado, a indivíduos que ainda podem ser atingidos apenas por meio de um excesso de dor. A essa frieza, responde uma cumplicidade secreta com as coisas, às quais se busca assimilar. Na medida em que ainda existe uma libido individual, isto é, na medida em que nem toda a libido ainda é canalizada no coletivo, ela se dirige a instrumentos (o fenômeno da "toolmindedness").
O mundo das coisas se torna o substituto das imagens. Professam a religião do automóvel. A relação com os produtos da tecnologia leva a uma mistura mais do que nunca curiosa entre capacidade de improvisação e obediência, entre "iniciativa" autônoma (mentalidade de tropas de assalto) e renúncia a um pensamento autônomo, uma miscelânea que encerra em si a possibilidade de ambos os extremos.
O problema principal é, aos nossos olhos, o interdito psicológico hoje em vigor. Pensar demais, isto é, chegar por meio do pensamento além das exigências imediatadas postas pelo ambiente ao nosso redor, equivale hoje, para a maior parte dos indivíduos, perturbar aquele processo de adaptação que requer a totalidade das suas energias psíquicas. Pensar demais significa quase por si mesmo colocar em risco as próprias chances de carreira, senão até a própria segurança imediata. Ao mesmo tempo, porém, a perda de toda ilusão em torno à realidade, a quantificação dos processos de trabalho que, em teoria, pode permitir que qualquer um desenvolva qualquer tarefa, e a relativa imediaticidade com a qual as forças da sociedade se afirmam fazem com que justamente o mundo objetivo das coisas vá de encontro àquele conhecimento que isso contemporaneamente reprime. Esses mesmos homens que se proíbem o pensamento (e comportamentos afins como ler livros, discutir problemas teóricos etc.) se tornaram "astutos" e não se deixam mais enganar por ninguém.
Essa contradição nos parece delimitar o problema verdadeiramente central de uma educação reflexiva na atual fase histórica. Trata-se de impelir esse "ser astuto" até o ponto em que isso destrói a fixação no âmbito de ação imediato e se transforma em um autêntico pensamento. Se uma operação similar tivesse efeito, seriam justamente os homens "mutilados" que se encontrariam na condição ideal para pôr fim à mutilação. A sua frieza pode se tornar espírito de abnegação para o verdadeiro, a improvisação pode se tornar astúcia na luta contra a organização colossal, a sua afasia pode se tornar prontidão em realizar atos decisivos, sem falar ou discutir. Nesse ponto, é evidente que a operação requerida, nesse sentido, à pedagogia não coincide com aquela que cabia a uma educação para a "cultura" tradicional.
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Fonte: IHU online, 22/05/2010
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