segunda-feira, 24 de maio de 2010

A vida tem preço... e é cara

Carlos Alberto Sardenberg*
 Funciona assim: você tem uma ideia sensacional, como produzir em laboratório um organismo vivo, criar a vida artificial. Para realizá-la, você precisa de um dinheiro que não tem; logo, precisa convencer pessoas a colocar capital nesse projeto.

Por que fariam isso? Por espírito público e por caridade, por exemplo, como fazem os grandes bilionários americanos que financiam pesquisas de vacinas e medicamentos.

Ou por dinheiro. Concretizado o projeto, os resultados serão vendidos no mercado livre e o investidor receberá de volta seu capital mais os rendimentos.

Assim, a empresa privada Synthetic Genomics é um ótimo investimento. Trata-se da companhia que financiou o trabalho de Craig Venter, o biólogo americano que acaba de anunciar a realização prática de sua ideia: replicou um ser vivo (uma bactéria) em laboratório.

Isso ainda não dá dinheiro. Mas a empresa agora é dona de uma tecnologia que, está provado, permitirá a criação de seres vivos adaptados para cumprir funções determinadas. Por exemplo: um organismo que absorva a energia solar e a distribua; outro que absorva gás carbônico, reduzindo a poluição; ou ainda outro que "coma" petróleo e possa ser utilizado em desastres como o vazamento no Golfo do México; ou ainda bactérias que matem células cancerosas. Isso, sim, vai dar muito dinheiro.

Uma outra empresa de Venter tem um contrato de US$ 600 milhões com a Exxon para desenvolver algas que produzam etanol, energia renovável e limpa. A empresa não recebe o dinheiro de uma vez, mas à medida que a pesquisa avança e mostra resultados. Um contrato de risco.

Alguns dirão: "Mas que coisa! Estamos diante de uma revolução na história da humanidade ? o momento de passagem em que o homem criou a vida ? e vem essa conversa de dinheiro?! Isso, os novos horizontes para o gênero humano, isso não tem preço."

Tem, sim. E ? quer saber? ? nem foi tão caro até aqui. Calcula-se que Craig Venter e sua equipe gastaram cerca de US$ 40 bilhões, no curso de 15 anos, para obter a tal bactéria viva.

Mas esse é só o começo da história. A equipe copiou uma bactéria existente. O grande passo agora é programar (desenhar) em computador os novos organismos, com finalidades determinadas, e então montá-los em laboratórios com os elementos químicos disponíveis.

Quanto custará cada novo organismo? Impossível saber, claro. Mas sabe-se que, ao menos no início, será muito dinheiro. Por exemplo, a produção de um novo medicamento não fica por menos de US$ 1 bilhão, a partir de uma pesquisa básica já desenvolvida.

O futuro, portanto, chegará tanto mais rápido quanto mais investimento estiver disponível para as pesquisas e testes. Há duas fontes de recursos tão elevados: os governos e os mercados internacionais de capitais.

Mas, nesse departamento da biogenética e dos medicamentos, as empresas privadas estão ganhando fácil. Tome-se o próprio Craig Venter. Sua outra empresa, a Celera Genomics, começou depois e chegou ao mapa do genoma humano bem antes do Projeto Genoma, um consórcio internacional público, financiado por diversos governos.

Não havia diferenças sensíveis no que se refere à qualidade dos cientistas e seus laboratórios, mas a Celera revelou-se muito mais eficiente e produtiva, com menos gente. E de novo, agora, a Synthetic saiu na frente.

Ou seja, se queremos avanços rápidos nessas áreas, é preciso criar condições para que capitais privados sejam colocados nessas pesquisas. E isso só acontecerá se houver garantia de retorno. Em outras palavras, é preciso garantir o direito de propriedade intelectual e as patentes.

Está claro, porém, que não será simples fixar a legislação pertinente. Pode-se patentear um ser vivo? Por outro lado, parece mais fácil aceitar que se possa patentear não o organismo, mas a tecnologia que o produz.

Enfim, há novas questões para novos passos da ciência. Entre essas, encontra-se também a possibilidade de uso criminoso, a distribuição de um vírus letal, o bioterrorismo. Mas tudo entre nós pode ser usado para o bem ou para o mal. E a humanidade tem sabido lidar com essas situações, apesar dos percalços. Começou, por exemplo, usando a tecnologia nuclear para matar. Hoje, não se faz medicina sem ela.

O importante é entender que, para investir, é preciso ter a garantia de que se poderá ganhar. E não é só dinheiro, gente. O Viagra custou uma fortuna, fez a fortuna da Pfizer e, convenhamos, espalha felicidade global entre homens e mulheres.

Europa. A coisa acalmou no final da semana passada, mas o problema de fundo da crise europeia não está resolvido. A zona do euro inclui 16 países, com enormes diferenças de renda, competitividade e na situação das contas públicas. Há gastadores e poupadores, exportadores e importadores, mas todos com o mesmo Banco Central, a mesma moeda, a mesma política de juros.

Nos atuais pacotes de ajuda aos elos mais fracos, países poupadores e prudentes estão pagando a conta dos gastadores. Mas até quando pode ir esse arranjo, pelo qual os gastadores acabam tendo um perdão?

O Produto Interno Bruto (PIB) da União Europeia, incluindo os países que não usam o euro, passa dos US$ 16 trilhões, maior do que o americano. A corrente de comércio, exportações mais importações, chega aos US$ 4 trilhões/ano. O que acontece lá afeta o mudo todo, pela via financeira e da economia real.

Eis o ponto em que estamos: mal saídos de uma crise, topamos com uma outra.
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*É JORNALISTA. E-MAIL:
SARDENBERG@CBN.COM.BR / CARLOS.SARDENBERG@TVGLOBO.COM.BR

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