Marcos Coimbra*
Não parece haver qualquer razão para sustentar que as vitórias no futebol são boas para quem está no governo e más para a oposição. Dilma e Serra estão livres para torcer sem preocupações. Ganhando ou perdendo nossa Seleção, suas chances não mudam. Nenhum dos dois teria mais vantagens com a derrota. Podem vestir a camisa verde-amarela e soltar a voz
Conta-se que o ex-presidente Gerald Ford tropeçou um dia ao descer do Air Force One, o avião que transporta os presidentes americanos. Para explicar o vexame, se justificou: “Também, estava mascando chicletes e descendo a escada. Nada mais natural que caísse”.
É fato que muitas pessoas não conseguem fazer duas coisas complicadas ao mesmo tempo e que podem se esborrachar tentando. Mas a maioria consegue.
Como os eleitores brasileiros e a Copa do Mundo. Por obra do acaso, que veio quando o mandato presidencial foi abreviado para quatro anos, quando da aprovação da emenda da reeleição (que reduziu os cinco que a Constituição de 1988 estabelecia), temos eleições presidenciais exatamente nos anos de Copa do Mundo. Em 1994 foi coincidência, pois Collor havia sido eleito para cinco anos e seu mandato terminava em um ano de Copa. No novo figurino, começamos em 1998 e, desde então, toda vez é igual. Já fizemos três e vamos fazer a quarta eleição presidencial com ela no meio. Tomara que tenhamos muitas pela frente.
Deve ser um acaso construído pelos deuses, sabe-se lá se da bola ou da nacionalidade. Se formos mesmo o país do futebol, onde as pessoas mais o amam e mais se envolvem com ele, é uma coincidência feliz que as duas coisas aconteçam tão perto uma da outra. São meses de paixão para quem gosta de ambas, começando agora, passando por jogos cada vez mais emocionantes, atravessando a decisão e prosseguindo, pois a eleição emenda com a Copa e só termina com a apuração no início de outubro (ao que parece) ou no fim do mês.
Em 1994, a Copa, como este ano, foi de meados de junho a meados de julho. Houve quem se perguntasse se o sucesso ou o fracasso da Seleção Brasileira redundaria em vantagens para Fernando Henrique, àquela altura já candidato, ou Lula. O raciocínio banal era que o ex-ministro da Fazenda lucraria se vencêssemos e que Lula seria beneficiado se todos ficassem tristes com a derrota, se enfurecessem com o status quo e resolvessem votar nele só de birra.
Não houve como testar o aforismo “povo que ganha Copa vota no governo, povo que perde Copa vota na oposição”. Veio o Plano Real e aniquilou a candidatura Lula. No fim do mês de julho, FHC ultrapassou os 40 pontos nas pesquisas e foi (quase) tranquilo para uma vitória no primeiro turno. Em outubro, ninguém nem se lembrava mais das especulações sobre a Copa e as eleições. O fato de o Brasil ter vencido não entrou nas explicações do que havia acontecido.
Em 1998, o Brasil perdeu a Copa e o governo venceu a eleição. Em 2002, venceram o Brasil e a oposição. Em 2006, perdemos e ganhou o governo. Ou seja, não parece haver qualquer razão para sustentar que as vitórias no futebol são boas para quem está no governo e más para a oposição. A rigor, a tomar pela nossa experiência, Dilma e Serra estão livres para torcer sem preocupações. Ganhando ou perdendo nossa Seleção, suas chances não mudam. Nenhum dos dois teria mais vantagens com a derrota. Podem vestir a camisa verde-amarela e soltar a voz.
Este ano, a discussão sobre as relações entre Copa do Mundo e futebol tem um ingrediente diferente. Continua-se a especular sobre quem ganha ou perde em função de seus resultados, mas a ênfase da conversa está sendo, especialmente nos últimos dias, outra.
É a ideia de que “tudo começa depois da Copa”. Ela tem tanta sustentação quanto outras mitologias sobre o processo de decisão do eleitorado. “Tudo começa depois da parada (de 7 de setembro)”, “tudo começa depois do andor” e outras parecidas. Em todas, a suposição sem sentido de que os eleitores só vão pensar na eleição depois que alguma coisa importante (ou não) tiver acontecido.
Existem centenas de estudos internacionais que mostram que não é assim que as coisas acontecem. A tomada de contato do eleitorado com a eleição é um processo contínuo, ainda que comece cedo para alguns e mais tarde para outros. Mas acontece diariamente, sem intervalos ou interrupções. Os eleitores conseguem prestar atenção na eleição e na Copa, sem cair da escada.
Quem defende o argumento do “só depois da Copa” são as mesmas pessoas que achavam que tudo começaria depois da desincompatibilização ou depois de quando Serra assumisse sua candidatura. Estavam enganadas. Na verdade, tudo começou há muito tempo.
________________________________*sociólogo e presidente do instituto vox populi
marcoscoimbra.df@dabr.com.br
Fonte: Correio Braziliense online, 26/05/2010
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