Segundo pesquisa realizada por universidade norueguesa, com o tempo,
as crianças mudam sua percepção sobre a desigualdade,
que passa gradualmente a ser encarada como
algo aceitável
• Humberto Rezende
Fotos: NHH/Divulgação
Quase 500 estudantes de 10 a 19 anos participaram do experimento:
preocupação em tomar uma decisão justa foi identificada em todas as idades
Erik e Ingvild:
estudo pode ajudar professores
a lidar melhor com alunos
O que um estudante de 5ª série considera justo quando é necessário distribuir entre as pessoas de um grupo o que elas conseguiram juntar com seu trabalho? Ele estaria disposto a doar mais do que outros para que todos recebessem a mesma quantia? E o que esse aluno acha correto tende a mudar à medida que ele envelhece? São perguntas como essas que um estudo da Escola Norueguesa de Economia e Administração (NHH) publicado na edição de hoje da revista Science busca responder.
Coordenado pela professora Ingvild Almas, o estudo conclui que o conceito que as crianças têm de justiça e desigualdade muda com o tempo. Quando mais novas, elas se mostram dispostas a repartir igualmente os ganhos entre os membros de um grupo. Ao chegarem à adolescência, porém, sua noção sobre o que é justo passa a ser gradualmente influenciada por questões de mérito pessoal.
Para chegar a esse resultado, os cientistas contaram com a participação voluntária de 486 estudantes da 5ª série ao último ano do ensino médio, com idades entre 10 e 19 anos. Todos da cidade de Bergen. Durante o experimento, os alunos participavam de uma versão modificada do Jogo do ditador, muito usado em estudos do tipo. Em uma primeira etapa, usando computadores individuais, eles participavam de uma brincadeira que consistia em escolher números dispostos na tela. Depois de 45 minutos, cada aluno tinha “produzido” diferentes quantias, que recebiam valores determinados pelos pesquisadores. Assim, depois de “trabalharem” por quase uma hora, cada voluntário descobria que possuía um resultado mais ou menos valioso que o dos colegas.
Passada a fase do trabalho, chegava o momento da distribuição. Os alunos eram, então, organizados em duplas. A somente um estudante de cada par era feita a pergunta: “Baseado no total de ganhos que vocês dois conseguiram, quanto você acha que cada um deve receber?”. O voluntário podia determinar qual era a divisão mais justa por conta própria, sem que ninguém soubesse o que havia decidido. A equipe da NHH analisou as diversas decisões levando em consideração a produção e o ganho dos alunos.
O curioso é que grande parte dos estudantes de todas as faixas etárias mostraram-se preocupados em abrir mão de parte de seus ganhos. “Fica evidente na pesquisa que tanto as crianças quanto os adolescentes dão um peso muito grande ao que consideram certo. Eles estão dispostos a sacrificar seus ganhos pessoais, em uma quantidade considerável, para acompanharem seu conceito de justiça”, diz Ingvild, em entrevista por e-mail ao Correio.
O que diferencia as posturas dos estudantes de acordo com a idade é que, quanto mais velhos, mais importância eles dão às conquistas pessoais na hora de tomar a decisão sobre uma divisão justa dos ganhos. Critérios como a sorte, por exemplo, passão menos valorizados. Passa a ser mais aceitável, portanto, que alguns tenham mais que outros, já que produziram mais. No entanto, ressaltam os pesquisadores, o fato de os mais velhos aceitarem melhor que haja desigualdade não significa que eles se importam menos com a justiça. Eles apenas acrescentam novos aspectos na análise, levando em conta o quanto cada um produziu de fato. “À medida que envelhecem, as crianças parecem encarar mais a desigualdade como algo aceitável, mas elas continuam dando muito valor ao que consideram ser justo”, explica Erik Sorensen, coautor do estudo e também professor da NHH.
Escola e esporte
Apesar de não ter sido o foco principal do experimento, os cientistas arriscam algumas explicações para o fato de o senso de justiça das crianças mudar dessa maneira. “Eu diria que o amadurecimento do cérebro e a maior exposição a instituições como a escola e o esporte, que dão muita importância às conquistas individuais, desempenham papéis importantes (nesse processo)”, analisa Ingvild, que é doutora em economia pela NHH.
A pesquisadora acredita que resultado semelhantes seriam encontrados em países diferentes, mesmo no Brasil, onde grande parte da população é católica, diferentemente da Noruega, onde a maioria é protestante. “Em outro estudo semelhante, realizado na Noruega, na Alemanha, na Tanzânia e em Uganda, encontramos diferenças que são pequenas comparadas às mudanças de conceito de justiça observadas nas crianças de diferentes idades. Portanto, eu suspeito que, mesmo os noruegueses sendo maioritariamente protestantes, nós encontraríamos resultados semelhantes em um país com a maioria católica”, afirma.
Para o grupo de cientistas, o maior valor do estudo é demonstrar que as crianças podem ter diferentes visões sobre justiça. “Eu acho que os professores e as escolas deveriam ser mais sensíveis ao fato de que os estudantes discordam sobre o que é justo. Eles discordam entre si e devem discordar também de seus professores”, avalia Sorensen.
"À medida que envelhecem, as crianças parecem encarar mais a desigualdade como algo aceitável, mas elas continuam dando muito valor ao que consideram ser justo”
Erik Sorensen, economista e coautor da pesquisa
___________________________
Fonte: http://www.correiobraziliense.com.br/impresso/ 28/05/2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário