sexta-feira, 21 de maio de 2010

Um passo além de 'Jurassic Park'

Fernando Reinach*


No filme Jurassic Park, cientistas purificam o DNA de dinossauros extintos, preservado no intestino de pernilongos fósseis, e injetam esse DNA em um óvulo de jacaré. Instruído pelo conjunto de genes presentes no genoma do dinossauro, o ovo se desenvolve e o que eclode é dinossauro.

Como toda obra-prima de ficção científica, Jurassic Park leva ao extremo uma ideia que, apesar de teoricamente possível, é de difícil execução. Júlio Verne usou essa fórmula ao descrever uma viagem à Lua e as aventuras em um submarino quase cem anos antes de esses feitos se tornarem realidade. No caso de Jurassic Park, escrito por Michael Crichton em 1990, a ficção se tornou realidade em menos de 20 anos.

Usando como única fonte de informação um arquivo de computador contendo a sequência do DNA de uma bactéria, um grupo de cientistas sintetizou, utilizando métodos químicos, o genoma dessa bactéria e colocou esse enorme pedaço de DNA no interior de uma célula de outra espécie de bactéria, da qual havia retirado todo o DNA. Instruída pelo conjunto de genes desse genoma sintético, surgiu uma nova bactéria, capaz de viver e se reproduzir.

Fica mais fácil de entender o experimento, feito com duas espécies de bactérias, usando como exemplo duas espécies de mamíferos. Na primeira etapa, partindo da sequência do genoma de um cavalo, contida num arquivo de computador, sintetizamos uma molécula de DNA com essa mesma sequência.

Num segundo passo, o DNA presente no interior de uma célula de baleia é retirado. No terceiro passo, colocamos o DNA sintético de cavalo na célula da baleia. No quarto passo, cuidamos dessa célula híbrida e observamos o aparecimento de um cavalo. Se você ainda não percebeu as implicações éticas e morais do experimento, troque, na sentença acima, a palavra "cavalo" por "ser humano" ou "Getúlio Vargas".

Para muitos, esse feito tecnológico significa que a vida foi finalmente criada no laboratório. Craig Venter, o líder do projeto, não hesitou em usar a palavra "creation" (criação) no título do artigo que descreve o experimento e sugere, no texto, que esse feito abre a possibilidade de que, para preservar um ser vivo, basta guardar a sequência do seu genoma em um arquivo de computador, pois ele poderá ser recriado quando desejarmos. E mais: que, com essa tecnologia, o homem poderá criar novos seres vivos, algo semelhante ao descrito no Gênesis.

Nas próximas semanas, as implicações éticas e teológicas desse feito tecnológico serão debatidas exaustivamente. Minha impressão inicial é que esse experimento demonstra definitivamente que toda a informação necessária para criar um ser vivo pode ser guardada em um arquivo de computador. Por outro lado, demonstra que ainda não somos capazes de transformar essa informação em um ser vivo, pois foi necessário utilizar uma célula desprovida de DNA, derivada de um outro ser vivo, nas etapas finais do experimento.

Não há dúvida de que, nos próximos anos, seres vivos criados para cumprir tarefas específicas estarão entre nós. Eles serão criados por empresas como a Synthetic Genomics, que financiou grande parte desse experimento e detém as patentes desta nova tecnologia.
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*É BIÓLOGO E ARTICULISTA DE O ESTADO DE S. PAULO
Fonte: Estadão online, 21/05/2010

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