sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O Nobel ficou em casa

Academia Sueca premia seu conterrâneo
Tomas Tranströmer,
poeta pouco conhecido no Brasil

Tomas Tranströmer atualiza temas da
 tradição nórdica em versos de
imagens surreais 
Primeiro um aviso aos engraçadinhos: não, o nome do homem não é “Transformer”. Psicólogo de formação e nome cotado há anos para o Nobel, o sueco Tomas Tranströmer foi anunciado ontem como o novo agraciado com o prêmio literário, recebendo uma bolada equivalente a R$ 2,7 milhões.
Poeta de reputação consolidada em seu país, Tranströmer, 80 anos, é desconhecido no Brasil, mas não chega a ser uma surpresa – nas últimas edições, sempre foi cogitado com grandes chances. É o poeta sueco em atividade mais traduzido no mundo – têm versões em 50 idiomas. No Brasil, contudo – o que não deixa de dizer muito sobre o nosso mercado editorial –, é inédito em livro, e tem apenas um poema traduzido, no número 25 da revista literária Poesia Sempre, organizada pela Fundação Biblioteca Nacional. Poemas Haikai, uma composição de 13 estrofes de Tranströmer, foi traduzida por Marta Manhães de Andrade.
Tranströmer nasceu em Estocolmo em 1931. Sua poesia mistura alusões constantes à natureza (ao mar, em especial) com uma atmosfera de imagens inusitadas que às vezes lhe valem por parte da crítica a categorização de “pós-surrealista”. A própria Academia Sueca, responsável por outorgar o Nobel anualmente, assim justificou a escolha: “Por meio de imagens densas, límpidas, nos dá um novo acesso à realidade”.
Marco Lucchesi, integrante da Academia Brasileira de Letras e organizador da antologia de poetas suecos publicados na Poesia Sempre, avalia:
– Ele é um poeta muito importante. Produz uma poesia muito forte, baseada na alta tradição nórdica, uma antiga arcádia boreal, digamos assim, mas ligada a questões contemporâneas, seja pelo arrojo das imagens seja pela temática atual mas sem excessos retóricos.
Os critérios do Nobel nem sempre são literários, isso é sabido. Ao longo da última década, a Academia Sueca aproveitou as premiações do dissidente chinês exilado na França Gao Xinjian e do turco Orhan Pamuk para emitir declarações políticas a respeito do regime chinês e da crescimento do radicalismo islâmico. Também aproveitou para fazer justiça enquanto era tempo a escritores já fora de seu auge criativo – como Mario Vargas Llosa e Doris Lessing. E também premiou um gigante no auge: J.M. Coetzee.
No caso de Tranströmer, a premiação vai para um autor de ampla aceitação crítica na Europa, ainda que não tão conhecido no resto do mundo – principalmente se comparado a nomes aventados nas delirantes casas de apostas, como Philip Roth e até Bob Dylan. A própria organização do Nobel declarou que Tranströmer era cogitado a cada nova escolha desde os anos 1970. E, após anos premiando prosadores, a Academia voltou outra vez os olhos para um poeta. Ah, sim, e nenhum sueco ganhava o Nobel desde 1974, quando Eyvind Johnson e Harry Martinson dividiram a láurea. A Academia Sueca considerou, assim, que Tranströmer era o nome certo para trazer o Nobel de volta para casa.

Esboço em outubro*

O rebocador, sardento de fuligem. O que faz terra adentro?
É uma pesada lâmpada, apagada no frio
Mas as árvores têm cores selvagens. Sinais para a outra costa
Como pedidos de resgate

A caminho de casa vejo os cogumelos surgirem na grama
São dedos que pedem ajuda, dedos de alguém
que chorou sozinho por um longo tempo, no escuro subterrâneo.
Nós pertencemos à Terra.

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Para amigos além de uma fronteira*

I
Fui tão econômico em minha carta.
Mas o que não pude escrever
Inflou e inflou como um antigo zepelim
E se perdeu, por fim, no céu noturno

II

Agora o censor está com a carta. Acende a lâmpada
Na luminosidade voam minhas palavras, como macacos na jaula
se sacodem, se aquietam, mostram os dentes!

III

Leiam nas entrelinhas. Nos encontraremos em 200 anos
quando caírem no esquecimento os microfones de hotel
e poderemos dormir, feitos moluscos

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Últimos vencedores

> 2010: Mario Vargas Llosa (Peru)
> 2009: Herta Müller (Alemanha)
> 2008: Jean-Marie Gustave Le Clézio (França)
> 2007: Doris Lessing (Grã-Bretanha)
> 2006: Orhan Pamuk (Turquia)
> 2005: Harold Pinter (Grã-Bretanha)
> 2004: Elfriede Jelinek (Áustria)
> 2003: J.M. Coetzee (África do Sul)
> 2002: Imre Kertész (Hungria)
> 2001: V.S. Naipaul (Britânico nascido em Trinidad e Tobago)
> 2000: Gao Xingjian (francês nascido na China)

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Reportagem por: Carlos André Moreira
Fonte:ZH on line, 07/11/2011carlos.moreira@zerohora.com.br
*Traduzidos da versão castelhana de Roberto Mascaró

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