Joaquim Zailton B. Motta*
O relacionamento amoroso implica uma dinâmica complexa que vai muito além do afeto e do erotismo, mobilizada por emoções e comportamentos tantas vezes estranhos e contraditórios. Em princípio, imagina-se que os pares se interessam por ampla convivência - estar juntos é perspectiva natural e até idealizada por eles.
Alguns pensam em compartilhar todos os momentos da vida, até os viscerais - já circulou pela internet um curioso modelo de banheiro para casal com dois vasos sanitários acoplados. Os exageros, no entanto, podem levar um casal às fronteiras das obsessões mais tresloucadas, transformando os pares em verdadeiras “ostras”, de modo que a sobrecarga de companhia pode promover tanto ou mais mal do que a indiferença e o distanciamento.
À primeira impressão, podemos pensar que uma relação grudenta é efeito do controle rigoroso de um ciumento. Ocorre que o ciúme tende a formar o grude de modo unilateral, é causa de um sistema um pouco diferente. O exercício dessa unilateralidade é geralmente ligado a uma história de traição ocorrida com a companhia atual ou uma anterior, ativando o medo do traído ser mais uma vez vitimado pela infidelidade. A insegurança vinda do ciúme implica uma supervisão contínua e ininterrupta, criando um clima paranóico e pesado. Um relacionamento que se acomoda em uma interligação extrema pode produzir casais mutuamente dependentes em grau tão elevado que pode anular um dos pares. E, de certo modo, quando um deixa de existir, individualmente ambos não existem.
Casais mais velhos que conviveram por muitas décadas em grande interdependência podem chegar a essa anulação individual. A afinidade intensa deste vigoroso companheirismo que pode contemplar um projeto romântico de ligação profunda e inabalável pode cair no radicalismo, prejudicando um deles ou ambos. Há os que conseguem se manter bem unidos e individualizados, o que leva um a confiar, a ter certeza, no que o outro fará em todos os momentos que envolvem o casal, preservado o respeito ás demandas pessoais e exclusivas. Mas há os que desistem da vida individual, como ocorre com os viúvos que se deixam morrer logo depois da morte de sua companhia habitual.
O psicoterapeuta sexual Oswaldo Martins Rodrigues Jr., expoente da Sexualidade Humana no Brasil e América Latina, diretor do Instituto Paulista de Sexualidade, observa que essas características grudentas costumam aparecer mesmo antes do casamento. Depois, uma vez instituídas e repetidas, elas estendem-se e cristalizam-se, exigindo um árduo trabalho para excluí-las e refazer a relação.
Um estudo realizado pela Universidade de Iowa (EUA), uma das mais conceituadas universidades americanas, com mais de 160 anos de tradição e destaque em pesquisas, constatou que o companheirismo excessivo - como dar conselhos que o outro não solicitou - pode ser mais nocivo para o casamento do que um parceiro indiferente.
Cuidar demais da companhia determina o desaparecimento do senso individual. Há alguns mitos da idealização romântica em que se cultua a ideia da “alma gêmea” com exacerbação fanática. A pessoa acha que deve ter a capacidade de ler a mente do seu par e saber exatamente como oferecer ajuda, aprovação ou crítica, como se estivesse lá dentro do outro.
Se existir essa espécie de adivinhação entre os pares, a comunicação sofrerá demais, o que costuma enfraquecer o casal. Para reformar a relação, os exercícios psicológicos principais são exatamente permitir a referência individualizada, o reconhecimento das diferenças e semelhanças interpessoais e o aprimoramento da comunicação. Cada um vivendo a sua vida, e convidando o outro a participar dela quando assim o desejar, sem deixar de interagir e cuidar dos aspectos comuns.
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* Médico psiquiatra, psicoterapeuta e sexólogo. Escritor, já publicou 07 livros, o mais recente em maio de 2007. Participou também de coletâneas e outras publicações. Palestrante e congressista de vários eventos nacionais e internacionais. Articulista, mantém há 07 anos a coluna Sexualidade do jornal Correio Popular. Professor – convidado do curso de especialização em Sexualidade Humana da Unicamp e da UniAraras. Coordenador do GEACamp (Grupo de Estudos sobre o Amor de Campinas)
Ex-professor do Departamento de Neuro-Psiquiatria da PUCCAMP
Ex-delegado regional (região de Campinas) da SBRASH
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