Livro derivado de tese desenvolvida na FE analisa obras sobre casamento, namoro e relações amorosas
Siga
os três mandamentos listados a seguir para se casar com o homem ou a
mulher dos seus sonhos: 1º) transforme-se no melhor que puder!;
2º)
deixe-o assumir o comando, se for mulher; se for homem, assuma o comando
você!; e
3º) siga as regras e, casando com seu amor, viverá feliz para
sempre!
Estes três exemplos fictícios, embora verossímeis,
perpassam os livros de autoajuda sobre casamento, namoro e relações
amorosas: a individualidade enquanto estratégia de conquista, a
conjugalidade como norma, e as distinções de gênero. Algumas dessas
obras constituíram o objeto de estudo da psicoterapeuta e pesquisadora
da Unicamp Vera Lucia Pereira Alves, que acaba de lançar o livro Receitas para a conjugalidade: uma análise da literatura de autoajuda (Editora Anna blume, 270 páginas).
O
livro de Vera Alves é resultado de sua pesquisa de doutorado defendida
em 2005 junto à Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. A pesquisa foi
orientada pela professora Isaura Rocha Figueiredo Guimaraes, da FE, e
coorientada pela docente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
(IFCH) Adriana Gracia Piscitelli, que atua como pesquisadora do Núcleo
de Estudos do Gênero Pagu. O estudo foi financiado pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e a edição da
obra, custeada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(Fapesp).
Conforme Vera Alves, o leitor que busca neste tipo de
literatura receitas para encontrar um parceiro, depara-se, antes de mais
nada, com a orientação para que realmente se case, pois o casamento é
prescrito como benéfico e salutar ao desenvolvimento emocional. Estar
solteiro, ao contrário, não apresenta, de acordo com os livros de
autoajuda analisados, os mesmos benefícios da conjugalidade.
“Os
autores que estudei estabelecem a conjugalidade como norma de ordem do
emocional. É como se a pessoa que ainda não encontrou um parceiro
errasse em algum momento, portanto, ‘vamos apagar tudo que sabe e vamos
aprender algo novo para você ser feliz’. O casamento não é a única forma
de se manter ativo e viver em uma sociedade sendo feliz. Esta
preconização fica aquém daquilo que temos vivido atualmente. Muitas
pessoas na nossa sociedade que não estão casadas por opção e, nem por
isso, vivem infelizes”, observa a autora.
Ela explica que, embora a
conjugalidade seja a meta, a individualização é o caminho. De acordo
com ela, as prescrições para o leitor são no sentido de que conquistar
um parceiro não depende daquele que se quer conquistar ou do que se faz
para isso, mas somente da capacidade daquele que tem essa intenção.
“No
geral, em nenhum momento os autores destes livros apontam para que o
leitor esteja em relação. É sempre no sentido de que a pessoa precisa se
aprimorar individualmente. Por exemplo: uma frase muito comum na nossa
cultura é a de que se você não se ama, você não será capaz de amar o
outro. É um pouco em cima deste clichê”, compara.
“Observa-se
nesta literatura uma primazia do individual. E isso corrobora toda a
sociedade mais individualista e impede ou dificulta uma vida em relação.
Eles falam muito que a pessoa só pode se relacionar quando estiver bem,
feliz. Mas nos tornamos seres melhores em relação. Não se pode ter este
ponto de vista linear porque estas coisas são interligadas. E o que
eles fazem é uma prescrição muito linear”, critica Vera Alves.
Sobre
as marcas de gênero a autora afirma que a literatura de autoajuda não
apenas reifica distinções, como prescreve sobre aquelas mais marcadas e
operantes. Em sua opinião, as obras analisadas representam e estimulam
as desigualdades entre homens e mulheres.
“São livros muito
focados no comportamento da mulher. Em muitos, há orientação para que a
mulher tenha um determinado comportamento sexual, por exemplo. Ela não
pode ser inexperiente sexualmente, mas, ao mesmo tempo, é ‘desejável’
que não tenha transado com muitos homens. Os autores pregam, por
exemplo, que o marido deve ser o provedor da casa, quando hoje existe
uma igualdade de condições.”
LIVROS ANALISADOS
A
estudiosa da Unicamp analisou 12 livros escritos por autores
brasileiros e estrangeiros, empregando a Análise de Conteúdo (AC) como
principal recurso metodológico. Ela dividiu a bibliografia estudada em
obras, direcionadas às mulheres, que ensinam a conquistar um parceiro;
livros com a mesma temática, direcionados a homens; obras que não fazem
distinção entre sexo, e autores que não diferenciam as fases da relação.
Entre as obras dirigidas às mulheres estão: Como conquistar um marido negro (Monique Jellerette de Jongh e Cassandra Marshall, Editora Summus); Como fisgar um solteiro (Ana Luisa Carvalho, Editora Gente); Como casar com o homem dos seus sonhos (Margaret Kent, Editora Rocco); Os
homens são de morte e as mulheres não ficam por menos: Tudo que nós
homens achamos que uma mulher deveria discutir com seu homem (Eduardo Nunes, Editora Novo Século).
Por ser um segmento pouco explorado por este tipo de literatura, Vera Alves analisou apenas um livro direcionado aos homens: Como conseguir uma namorada e envolver pessoas (Luiz Moreira e Marcelo Queiroz, Editora Madras). Entre os que não diferenciam sexo, estão: Guia prático da conquista (Sérgio Savian, Editora Gente); Amar é preciso: os caminhos para uma vida a dois (Maria Helena Matarazzo, Editora Gente); O novo casal: as dez novas leis do amor (Maurice Taylor, Seana McGee, Editora Campus); Por que os homens fazem sexo e as mulheres fazem amor? Uma visão científica (e bem humorada) de nossas diferenças (Allan e Barbara Pease, Editora Sextante).
Já aqueles que não diferem as fases da relação são: Mistérios do Coração (Roberto Shinyashiki, Gente) e Tudo o que você sabe sobre amor e sexo está errado. Um guia descomplicado para você alcançar a felicidade e realização na sua vida íntima (Pepper Schwartz, Editora Ediouro).
OBRIGAÇÃO
Sobre
a escolha deste tema para a pesquisa e, consequentemente, das obras
analisadas, Vera Alves lembrou que muitos pacientes atendidos por ela
questionavam sobre o sentimento de amor em relação ao parceiro.
Confrontavam, por exemplo, essa dúvida sobre o amor ao parceiro com as
novelas, filmes e romances de literatura.
“Perguntavam-me:
‘você acha que isso é amor?’ A partir dessa vivência profissional houve
o interesse em fazer um estudo sobre essa cultura amorosa. E na minha
análise, resgatando um pouco isso, eu identifico que, para a literatura
de autoajuda, as relações conjugais são quase sinônimos de amor. E, ao
colocar esta perspectiva, estes livros deixam o amor na condição do
obrigatório”, aponta.
A obra é prefaciada pela professora Mariza
Correa, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). A docente, também pesquisadora do
PAGU, escreve que, ao contrastar, por exemplo, a pedagogia explicitada
nos livros de autoajuda com a prática psicoterapeuta, Vera Alves “mostra
como uma conduz os indivíduos a encontrarem por si mesmo seus caminhos,
ao passo que na literatura aqui analisada, a ênfase é num procedimento
prescritivo, isto é, sobre o que deve ou não fazer para se atingir a
meta analisada.”
No capítulo final do livro, a autora de Receitas para a conjugalidade
pondera que o objetivo do estudo não foi apontar uma resposta sobre a
suposta eficácia de tal literatura. “Como uma pessoa pode aprender a
conquistar um parceiro, a tornar-se ela própria um bom cônjuge e assim
fazer de sua conjugalidade uma relação duradoura? As respostas que a
literatura de autoajuda oferece podem ser encontradas, esmiuçadas nas
obras analisadas neste estudo. Se serão eficazes, se funcionarão, isto
já é outra questão. Mas, se a pergunta final é qual o significado dos
conselhos oferecidos, considero que este estudo pode iluminar algumas
respostas (...)”, antecipa.
Vera Alves desenvolve, atualmente,
pós-doutorado junto ao Laboratório de Pesquisa Clínico-Qualitativa do
Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências
Médicas (FCM) da Unicamp. Em seu estudo ela está analisando como
pacientes portadoras de câncer de mama vivenciam a reconstrução mamária
imediata.
Publicações
D ALVES, V. L. P. . Configurações de Gênero e Sexualidade na Literatura de Auto-ajuda. Omertaa (Kessel-Lo), v. 2007/2, p. 01-15, 2007.
Tese: “Receitas para a conjugalidade: uma análise da literatura de autoajuda”
Autora: Vera Lucia Pereira Alves
Orientadora: Isaura Rocha Figueiredo Guimarães
Coorientadora: Adriana Gracia Piscitelli
Unidade: Faculdade de Educação (FE)
Financiamento: Capes e Fapesp
Serviço
Título: Receitas para a conjugalidade: uma análise da literatura de autoajuda
Editora: Annablume
Páginas: 270
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