Roberto Malvezzi (Gogó)*
Alguém consegue imaginar Jesus como Papa? É possível visualizar aquele
nazareno de regiões quentes, semiáridas, desérticas, curtido pelo sol,
que fazia longos caminhos à pé, confinado nos muros do Vaticano,
recebendo chefes de Estados, participando de longas liturgias, com um
mitra na cabeça, vestes do império romano e um báculo na mão?
Provavelmente nem o mais ferrenho católico tradicionalista consegue formatar essas imagens em sua cabeça.
Mas, uma pessoa pode mudar, por um conjunto de circunstâncias, essa
imagem. O Papa Francisco, por suas atitudes, conseguiu levar um pouco
das periferias latino-americanas, africanas, asiáticas para dentro
daqueles muros. Transportou para ali um pouco de semiaridez do mundo,
sua pobreza, injustiças, mesmo estando ele dentro do território europeu e
dos muros do Vaticano. Incrível, com ele mudou a imagem que temos de
todos aqueles formalismos e pesadas estruturas. Com ele parece que essas
estruturas nem existem.
Talvez porque Francisco seja simples, porque detesta pompas, porque
recebeu representantes de Israel e da Palestina, Raul Castro, a viúva de
Paulo Freire – ele leu Pedagogia do Oprimido -, Gustavo Gutierrez, os
movimentos sociais do mundo, foi à Lampedusa, critica a indiferença
globalizada e vai lançar um aguardado documento sobre a questão
ambiental planetária.
Nós que estamos nessa luta há décadas, praticamente nossas vidas,
aguardávamos também há décadas uma manifestação oficial da Igreja sobre
essa questão fundamental para toda a humanidade e todas as formas de
vida. Finalmente a Igreja entrará oficialmente nas problemáticas do
século XXI, já que nas bases está há muito tempo.
Esses dias tivemos um encontro das CEBs de Bahia e Sergipe em
Caetité. Éramos umas 300 pessoas, de 15 dioceses. Quem sabe uns dez
padres, umas dez religiosas e dois bispos, D. Ricardo (Caetité) e D.
Luis Cappio (Barra). Mas, parece que ninguém nem notou a diminuta
presença de bispos e padres.
Por outro lado, parecia que Francisco estava presente todo o tempo.
Há muitos anos eu não via tanta tranquilidade, tanta alegria verdadeira
no rosto de nossas comunidades. “Aquelas que não mais existem” – ou
talvez não devessem existir – estavam felizes, cantando, celebrando e
refazendo suas energias para continuar na caminhada do Reino. Claramente
sabem: “Francisco é dos nossos”. Bem naquele dia houve a beatificação
de D. Romero em El Salvador.
Aliás, porque será que um Cardeal emérito espanhol convenceu todo episcopado de seu país a não ir a essa beatificação?
Bom, se não é possível imaginar Jesus como Papa, ao menos dá para ver em Francisco o rosto do nazareno.
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Roberto Malvezzi (Gogó),
Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia
e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.
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