É um dos mais geniais e controversos escritores franceses. “Submissão”, o seu último romance, lançado no dia do atentado ao “Charlie Hebdo”, colocou-o na mira dos extremistas. Desde então vive acossado porque sabe que tem a cabeça a prémio
Na
vida de Michel Houellebecq, que pode ter 56 ou 58 anos, há coisas que
acabaram. A rotina de uma casa modesta num bairro de Paris dos que nunca
estiveram na moda. Os jantares pré-cozinhados comprados no
supermercado. As saídas e entradas na cidade sem que ninguém note. Uma
ida a um restaurante, a uma exposição, a um café, a uma livraria. A
liberdade, enfim. Michel Houellebecq é célebre como uma estrela rock,
mais célebre ainda que o rocker Iggy Pop, que é um admirador e que fez
um álbum baseado nas escritas de Houellebecq depois de lhe dizer que não
conseguia ler outra coisa. A admiração é mútua e Michel Houellebecq
raramente admira alguém ou alguma coisa. Antes da polémica de
“Submissão” era famoso, muito, e perseguido, bastante, mas não viajava
com proteção policial constante. Depois do atentado do “Charlie Hebdo”,
cometido no mesmo dia em que o romance era lançado (para os que vivem no
planeta Marte, aqui se esclarece que o romance trata de uma França onde
um candidato muçulmano moderado ganha as eleições e trata de impor uma
sharia suave à República, com a colaboração dos socialistas e dos
vira-casacas), a proteção tornou-se obrigatória.
Embora a
conversa seja em Saint-Germain-des-Prés, na sede da Flammarion no
Odéon, ele nunca foi um intelectual de Saint-Germain, como o seu
“inimigo público” Bernard Henry-Lévy, ou um prosador de café. Não
frequentou o Café de Flore nem foi visto a vaguear nos corredores da La
Hune dedilhando livros. Michel Houellebecq é um solitário que gosta de
observar os outros sem ser reconhecido. E é uma criatura que se
reconhece pela extrema fealdade, que os anos acentuaram por gosto
próprio, visto que concede à aparência e aos cuidados com a roupa ou a
beleza o mesmo desprezo que concede à comida. Quer isto dizer que come
para se alimentar, pouco, com preferência pela charcutaria, e que não
compra roupa. Beber é outra coisa. Nos anos verdes aparecia embriagado,
mas agora parece ter reduzido os vícios ao tabaco. Fuma cigarros
eletrónicos, uma novidade. Dantes fumava quatro maços por dia. Michel
Houellebecq foi um mal-amado, rejeitado pelos pais, rejeitado pelos
escritores. Não será para ele a solidariedade que rodeou Salman Rushdie
depois da fatwa ou a reunião internacional do Pen Club com cartas dos
confrades a defender a liberdade e a elogiar-lhe a prosa, a inteligência
e sensibilidade. Houellebecq é definido como um anti-humanista, o que
quer que isto signifique. Depois de “Submissão” e do “Charlie Hebdo”, só
os amigos de Houellebecq apareceram a defendê-lo, e são poucos. Um
deles é François Nourrissier, da Academia, que se bateu pelo Goncourt do
autor. O outro é Frédéric Beigbeder, um típico parisiense elegante,
definido como um dos que só usam caxemiras de triplo fio, e um dos raros
que penetram no círculo restrito do escritor ameaçado e retirado de
circulação. De resto, choveram as críticas e os ajustes de contas com um
homem dotado de um talento raro e que sabe que o tem, o de escrever sem
mácula. E pensar ainda melhor. É natural que ele tenha uma corte
seleta, como todos os grandes escritores, mas ninguém dirá muitas
palavras porque o medo impera. E nunca Houellebecq foi tão manso para
com o Islão como neste livro, o que demonstra que ou não o leram ou não o
souberam ler, ou aproveitaram o pretexto para lançar o homem às feras.
Gostar
de pessoas parece não ser a sua especialidade mas nesta conversa o
moralista é equivalente ao humanista. A ideia da Europa unida repele-o e
acha que a França se dissolve molemente.
Há uma distância dos
primeiros romances, “Extensão do domínio da luta” (95), “As Partículas
elementares” (98), “Plataforma” (2001) e “A Possibilidade de uma ilha”
(2005) em relação a “O Mapa e o Território” (2010) e “Submissão” (2015).
Este Houellebecq, nascido na Ilha da Reunião de um casal de
aventureiros que “rapidamente se desinteressou do filho” e o abandonou,
viveu a infância na Argélia colonial com a avó materna e na França
profunda com a avó paterna, comunista, que o criou. A mãe escreveu um
livro aos 80 anos a atacar o filho, acusando-o de tudo e demonstrando um
narcisismo e um sentimento antimaternal que valeram simpatias ao
“órfão”. Foi a mãe que falsificou a data na certidão de nascimento,
pondo dois anos a mais para o filho poder entrar na escola mais cedo e
ultrapassar os colegas. Beidbeger diz do amigo: Michel vem de um lugar
de extremo sofrimento, ninguém imagina o que ele sofreu. Tornou-se
escritor, destino saudável dos infantes infelizes.
Amou a avó
paterna, a mãe que nunca teve, e pouco mais. Quando Clément, o cão
dele, morreu, Michel Houellebecq chorou. Tem um filho adulto, Étienne,
de que nunca fala, e duas ex-mulheres. Território proibido a jornalistas
e críticos. O encontro não foi, ao contrário do que era costume, na
casa ou numa brasserie de Paris. Vigiado, o homem está sentado numa sala
cheia de livros e papéis, embora não se veja um único guarda. Fui
avisada, ele é tímido e não gosta de falar. Um sol enevoado entra pela
janela e ilumina metade da cara de Michel Houellebecq. É a cara de um
pássaro assustado, que se levanta para apertar a mão, um aperto sem
firmeza e distraído. A única coisa que parece interessá-lo é o cigarro
eletrónico que parece um adereço despropositado num homem que se está
nas tintas para a saúde.
Tenho à minha frente aquele que
considero, sem esforço, o maior escritor europeu vivo, e bem vivo, e
isto tem o seu efeito. Houellebecq é gentil, fala baixo e fala pouco, e
por vezes fala como se falasse para si, para dentro. Como se pensasse
alto. O doido que uma vez disse à jornalista do “New York Times”, há
muitos anos, que pusesse uma minissaia transparente e fosse com ele para
a cama porque a única coisa que lhe interessava era o sexo,
desapareceu. Houellebecq mudou porque a sua idade mudou e a sua vida
mudou. Sempre quis ser célebre, porque isso lhe conferia imunidade a
tudo. A tudo menos a ser morto por um terrorista.
Já
googlou o seu nome? Sobre si escrevem-se milhares de coisas, muitas
delas disparatadas, mas muito apaixonadas. Chama-se a isto uma
reputação. Dá-se conta desta quase mitologia em torno da sua personagem?
Agora dou. Sim.
Agora dou. Sim.
Há quem o acuse de ter construído, de ter querido esta mitologia. Mostrou-se no cinema, na música. Faz o seu teatro.
Seria difícil fazer isso, construir. Seria preciso escolher fazer isso. Seria muito difícil para mim fazê-lo, ou conseguir fazer isso. Compreendo a ideia mas não seria capaz. Não seria capaz.
Seria difícil fazer isso, construir. Seria preciso escolher fazer isso. Seria muito difícil para mim fazê-lo, ou conseguir fazer isso. Compreendo a ideia mas não seria capaz. Não seria capaz.
Já googlou o seu nome? Foi ler o que dizem de si?
Neste momento, sim. Quero saber o que se faz quando se quer desaparecer da atualidade. Há coisas completamente nulas. É preciso que isto se reduza um pouco.
Neste momento, sim. Quero saber o que se faz quando se quer desaparecer da atualidade. Há coisas completamente nulas. É preciso que isto se reduza um pouco.
É demasiado célebre. Isso perturba a escrita?
Perturba a vida. A vida.
Perturba a vida. A vida.
E
os guarda-costas e polícias? Num certo ponto Salman Rushdie tinha uns
quinze ou vinte a guardá-lo quando se deslocava a um país.
Não estou nesse ponto mas sim, perturba muito a vida.
Não estou nesse ponto mas sim, perturba muito a vida.
Se
quiser ir ver a cabeça do cão de Velázquez ao Grand Palais, digo isto
porque quando o seu cão morreu teve um grande desgosto, ou beber um copo
num bar, pode?
Sim, se for com pessoas, se tiver pessoas à minha volta.
Sim, se for com pessoas, se tiver pessoas à minha volta.
Anda sempre com entourage? Pode caminhar na rua sem ser reconhecido?
Não, não posso. E tenho sempre pessoas comigo, sim, o que não é bom. Não é uma coisa que me agrade. Sou demasiado conhecido.
Não, não posso. E tenho sempre pessoas comigo, sim, o que não é bom. Não é uma coisa que me agrade. Sou demasiado conhecido.
A celebridade pesa? Começou há muito, essa celebridade?
A partir de um certo ponto, pesa. Muito. Sempre houve a celebridade, há muito tempo que vivo com isso, mas só se tornou incómodo depois de “Submissão”.
A partir de um certo ponto, pesa. Muito. Sempre houve a celebridade, há muito tempo que vivo com isso, mas só se tornou incómodo depois de “Submissão”.
Leio-o há muito tempo, e li a sua poesia. Acho que sacrificou o poeta ao escritor de romances...
É verdade.
É verdade.
Leio-o
há muito tempo e quando publicou “Plataforma” disse coisas
verdadeiramente violentas sobre a religião muçulmana. Disse-as em
entrevistas e disse-as no livro. Escreveu que o Islão é “uma religião
que só podia nascer num deserto estúpido no meio de beduínos sujos que
não tinham mais nada do que fazer, perdoai, senão sodomizar camelos”. E
isto em 2001, ano do 11 de Setembro. Foi perseguido nos tribunais e
acusado de racismo, absolvido. Nunca sentiu perigo físico?
Não.
Não.
E agora, com um livro que é tudo menos islamofóbico, porquê a polémica?
Porque penso que este livro é pior do que isso. Huuuuummmmmm... É difícil explicar mas o livro põe o dedo num medo europeu. O medo de que a Europa se torne um continente muçulmano.
Porque penso que este livro é pior do que isso. Huuuuummmmmm... É difícil explicar mas o livro põe o dedo num medo europeu. O medo de que a Europa se torne um continente muçulmano.
Isso é um medo real ou é um medo real em França?
Não somente em França. É real em países onde há presença muçulmana, real na Alemanha, real na Itália, na Espanha... e é real mesmo em países onde não leem o meu livro.
Não somente em França. É real em países onde há presença muçulmana, real na Alemanha, real na Itália, na Espanha... e é real mesmo em países onde não leem o meu livro.
Isso estava na sua cabeça quando o começou a escrever?
Não, veio depois.
Não, veio depois.
Mete-se
com a religião, e não apenas o Islão. O catolicismo, o judaísmo. Este
Islão parece por vezes simpático, se assim se pode dizer. Suave. Exceto
na demografia.
Creio que fiz com que aparecesse como plausível que a sociedade francesa, europeia, se adapte a um chefe muçulmano que aparece como simpático. Fiz medo a muita gente.
Creio que fiz com que aparecesse como plausível que a sociedade francesa, europeia, se adapte a um chefe muçulmano que aparece como simpático. Fiz medo a muita gente.
E
aconteceu “Charlie Hebdo”. Uma violência que não esperava. Perdeu um
amigo, Bernard Maris, assassinado. O que é que isto lhe fez?
Foi uma coincidência impiedosa. E fez-me pensar que desta vez as coisas não iam compor-se.
Foi uma coincidência impiedosa. E fez-me pensar que desta vez as coisas não iam compor-se.
Tem medo? Mesmo com guardas é fácil matar alguém.
Huuuummm... Não, não tenho medo. Não tenho medo porque a minha natureza é assim, despreocupada.
Huuuummm... Não, não tenho medo. Não tenho medo porque a minha natureza é assim, despreocupada.
Uma vez disse que queria ser sempre um irresponsável. É assim?
Um pouco, sim.
Um pouco, sim.
Tornou-se
um dos pilares da cultura francesa, um intelectual comparado a Gide,
Camus, Sartre, uma linhagem de ilustres responsáveis. Como é que pode
ser irresponsável? Pode continuar a ser uma criança enraivecida? Há quem
diga que está demasiado velho para isso, uma coisa que normalmente se
diz das mulheres.
Não é verdade. Pode sim, pode ser-se um intelectual agressivo e irritante até à náusea.
Não é verdade. Pode sim, pode ser-se um intelectual agressivo e irritante até à náusea.
Pensa na morte? Nos livros, onde trata sempre dos grandes temas, o sexo, o amor, a morte não aparece tanto.
Não penso muito nisso, na minha morte. E ainda menos na dos outros. Mas a doença é pior do que a morte.
Não penso muito nisso, na minha morte. E ainda menos na dos outros. Mas a doença é pior do que a morte.
Muitos grandes escritores temem a perda de faculdades, o momento em que comecem a escrever mal. E não saibam que escrevem mal.
Não penso nisso e não posso dizer que isso me pese na consciência. Não penso nisso.
Não penso nisso e não posso dizer que isso me pese na consciência. Não penso nisso.
Teve uma infância difícil. O que é que lhe faz mal, na vida?
Muita coisa me fez mal. O sofrimento físico, sim.
Muita coisa me fez mal. O sofrimento físico, sim.
E a estupidez humana, a parvoíce?
Não, já estou habituado.
Não, já estou habituado.
Esse medo do sofrimento físico não é compatível com tantos cigarros. Ou a charcutaria.
Cigarros eletrónicos. Não fazem mal. Não tenho medo das grandes coisas. Não poder escrever não me parece muito grave.
Cigarros eletrónicos. Não fazem mal. Não tenho medo das grandes coisas. Não poder escrever não me parece muito grave.
Escrever todos os dias, com disciplina? Quando começa um livro interrompe?
Todos os dias, sim. Ou não. Não interrompo. Interromper é a catástrofe.
Todos os dias, sim. Ou não. Não interrompo. Interromper é a catástrofe.
Começa com quê? Uma ideia?
Normalmente, é com frases. Não uma mas várias frases, uma série curta.
Normalmente, é com frases. Não uma mas várias frases, uma série curta.
Um parágrafo? Um verso, como na poesia?
Sim. Um bom parágrafo seria bem bom.
Sim. Um bom parágrafo seria bem bom.
Revê muito? É minucioso?
Muito minucioso. Revejo muito. Corrijo.
Muito minucioso. Revejo muito. Corrijo.
E o momento de entregar o livro, declará-lo terminado?
Passo mal. Mal quando entrego o manuscrito e mal quando corrijo as provas. É a última hipótese.
Passo mal. Mal quando entrego o manuscrito e mal quando corrijo as provas. É a última hipótese.
Bonnard ia corrigir o amarelo nos quadros que já estavam expostos. É um perfeccionista?
Isso pode ser feito com os quadros mas não com os exemplares. Sei ser razoável e ter um tempo de correção das provas igual ao de toda a gente. Mas é penoso, penoso.
Isso pode ser feito com os quadros mas não com os exemplares. Sei ser razoável e ter um tempo de correção das provas igual ao de toda a gente. Mas é penoso, penoso.
E depois de publicado?
Sou bastante fatalista. Está feito. Nada a fazer. Não penso muito no que ficou escrito, no que ficou para trás. Raramente tenho ocasião de pensar nisso. Penso nisso quando a ocasião se oferece, quando me pedem para ler uma passagem dos meus livros.
Sou bastante fatalista. Está feito. Nada a fazer. Não penso muito no que ficou escrito, no que ficou para trás. Raramente tenho ocasião de pensar nisso. Penso nisso quando a ocasião se oferece, quando me pedem para ler uma passagem dos meus livros.
Muitos escritores
quando se leem ou ouvem ler em público surpreendem-se com o que
escreveram anos atrás, olha isto não é nada mau, não está nada mal
escrito.
Sim, sim, pode acontecer aquando se está contente consigo mesmo. Quando se começou a esquecer o que se escreveu e se redescobre, pode ser uma boa surpresa. É-se muito crítico quando se está na fase penosa do acabamento do livro, quando há que terminá-lo. Mas ao fim de alguns anos, habituamo-nos. Ça va.
Sim, sim, pode acontecer aquando se está contente consigo mesmo. Quando se começou a esquecer o que se escreveu e se redescobre, pode ser uma boa surpresa. É-se muito crítico quando se está na fase penosa do acabamento do livro, quando há que terminá-lo. Mas ao fim de alguns anos, habituamo-nos. Ça va.
Responde a
gente que lhe escreva, leitores? Tem interação com os seus leitores,
atendendo a que é um autor de culto, com clube de fãs?
Sim, fico contente que as pessoas fiquem contentes.
Sim, fico contente que as pessoas fiquem contentes.
Raramente.
Mistura
na ficção os pensamentos de Pascal com pratos pré-cozinhados em
microondas. Raro. Os leitores identificam-se com qual destes elementos?
As ideias? Ou o quotidiano? A monotonia do quotidiano? O microondas?
Não sei. Penso que as pessoas se identificam com um cenário que reconhecem, elas identificam o seu próprio mundo. Claro que se identificam com uma personagem mas o mundo em que ela se move e que as pessoas reconhecem como seu é importante.
Não sei. Penso que as pessoas se identificam com um cenário que reconhecem, elas identificam o seu próprio mundo. Claro que se identificam com uma personagem mas o mundo em que ela se move e que as pessoas reconhecem como seu é importante.
A vida dita normal é irrelevante. É
preciso ser dono de um grande estilo para a tornar interessante em
ficção. A vida é deprimente. E já agora, esse cigarro que está a acender
não é nada eletrónico.
Não é não. Vou fumá-lo. Não sei se é preciso um grande estilo. Uma grande catarse.
Não é não. Vou fumá-lo. Não sei se é preciso um grande estilo. Uma grande catarse.
Mas você trabalha a prosa como um estilista. Nada é deixado à solta ou está lá por acaso. E existe o trabalho da inteligência.
O estilo é demasiado confuso como tema. O que é necessário é uma grande atenção, a capacidade de atenção. O que falta a muitos autores é essa capacidade de atenção. Não veem nada à frente. Não veem nada do que se passa à volta deles.
O estilo é demasiado confuso como tema. O que é necessário é uma grande atenção, a capacidade de atenção. O que falta a muitos autores é essa capacidade de atenção. Não veem nada à frente. Não veem nada do que se passa à volta deles.
Pode ser-se um autor sem nada ver?
Ah, sim, basta ver a quantidade de autores que há por aí. Autores que em vez de escreverem sobre coisas que existem encenam lugares-comuns. Pensam o mundo como um lugar-comum. Atapetar o mundo de atenção é importante.
Ah, sim, basta ver a quantidade de autores que há por aí. Autores que em vez de escreverem sobre coisas que existem encenam lugares-comuns. Pensam o mundo como um lugar-comum. Atapetar o mundo de atenção é importante.
A atenção extrema é uma qualidade dos infelizes e dos solitários. Quando se está muito entretido não se vê nada em volta.
Isso é muito certo. Quando se observa a vida das pessoas é preciso não estar a pensar na nossa. Não estou certo de que seja uma questão de solidão ou infelicidade. O essencial é não estar demasiado preocupado com as coisas pessoais. E não ter muitas preocupações. Coisas práticas para resolver. Chatices. Para se ser uma espécie de observador neutro não se pode estar enfiado em si mesmo. Não é muito bom ser-se infeliz. Quanto à solidão, há muita gente que me fala dos problemas deles, que me fala da sua vida para se fazerem viver como sujeitos de um romance. Como sujeitos de um autor.
Isso é muito certo. Quando se observa a vida das pessoas é preciso não estar a pensar na nossa. Não estou certo de que seja uma questão de solidão ou infelicidade. O essencial é não estar demasiado preocupado com as coisas pessoais. E não ter muitas preocupações. Coisas práticas para resolver. Chatices. Para se ser uma espécie de observador neutro não se pode estar enfiado em si mesmo. Não é muito bom ser-se infeliz. Quanto à solidão, há muita gente que me fala dos problemas deles, que me fala da sua vida para se fazerem viver como sujeitos de um romance. Como sujeitos de um autor.
E não é preciso saber pensar? Além da atenção? Você escreve romances de ideias.
Não. Muita gente consegue fazer isso, pensar. Não é o mais difícil. Muita gente desenvolve pensamentos a partir de ideias que foram buscar a outros. Ideias feitas. É fácil, há muitos livros escritos assim. Observar o mundo real é o que mete medo a toda a gente.
Não. Muita gente consegue fazer isso, pensar. Não é o mais difícil. Muita gente desenvolve pensamentos a partir de ideias que foram buscar a outros. Ideias feitas. É fácil, há muitos livros escritos assim. Observar o mundo real é o que mete medo a toda a gente.
Vivemos num mundo mediático, mediatizado, que é um jogo de espelhos de ideias feitas.
Mas além disso fica a vida real das pessoas. E vê-la não é fácil.
Mas além disso fica a vida real das pessoas. E vê-la não é fácil.
Escrever a vida real no mesmo sentido em que Balzac escrevia sobre a vida real das pessoas?
Sim, Balzac fazia isso. Pode-se sempre teorizar, teorizar não é um problema, mas há que ter uma base real.
Sim, Balzac fazia isso. Pode-se sempre teorizar, teorizar não é um problema, mas há que ter uma base real.
É um autodidata. Quando é que descobriu que era um escritor? Era adulto? Tinha já um emprego?
Não sei, escrevendo livros, acho. Era adulto, era ainda estudante, antes do emprego. É tudo um pouco vago.
Não sei, escrevendo livros, acho. Era adulto, era ainda estudante, antes do emprego. É tudo um pouco vago.
Nos
seus livros, vê-se que quando quer tratar um tema, a física de
partículas, o turismo sexual, o mercado da arte, a vida académica, etc.,
que o estuda e investiga metodicamente. Até à exaustão.
Sim, faço-o de propósito. Investigo as coisas, os meios a que não tenho acesso direto. A polícia (em “O Mapa e o Território”) a universidade (em “Submissão”)...
Sim, faço-o de propósito. Investigo as coisas, os meios a que não tenho acesso direto. A polícia (em “O Mapa e o Território”) a universidade (em “Submissão”)...
Isso não o maça? Ou fá-lo com prazer?
É problemático. Porque estou a suportar ideias feitas. São zonas de ideias feitas que nada têm a ver com a realidade.
É problemático. Porque estou a suportar ideias feitas. São zonas de ideias feitas que nada têm a ver com a realidade.
Os
autores são atraídos por grandes ideias, não pela construção de
sistemas burocráticos, saber como funciona a educação ou a polícia...
Há autores que se documentam muito, eu sou um deles.
Há autores que se documentam muito, eu sou um deles.
Estudou
Biologia. A sua inteligência é científica, se posso dizê-lo.
Experimenta, usa o método científico para testar e negar a hipótese. E
tem uma mente matemática, lógica. Tal como Coetzee, que é um matemático,
e que é um escritor que admira.
Isso não sei. Não estou consciente disso.
Isso não sei. Não estou consciente disso.
É
um escritor perigoso, que escreve no fio da navalha. O que podia
tornar-se insuportável ou asqueroso é redimido pela forma. A forma
exalta o conteúdo execrável. “Lolita”, de Nabokov, é um livro escrito
assim. Perigoso. À beira do abismo. Disto tem consciência? Deste risco?
Sim, estou consciente do risco, quero o risco. É uma questão de disciplina que consiste em evitar a autocensura.
Sim, estou consciente do risco, quero o risco. É uma questão de disciplina que consiste em evitar a autocensura.
Lê enquanto escreve? Outros autores?
Sim, não me perturba nada. Ficção, o que quer que seja. Não me incomoda. O meu cérebro não se deixa perturbar. É outra zona. E mesmo que interfira, não me importa. O que é difícil é evitar autocensurar-me. Não se colocar em perigo, evitar recusar a zona de perigo. Este é o esforço.
Sim, não me perturba nada. Ficção, o que quer que seja. Não me incomoda. O meu cérebro não se deixa perturbar. É outra zona. E mesmo que interfira, não me importa. O que é difícil é evitar autocensurar-me. Não se colocar em perigo, evitar recusar a zona de perigo. Este é o esforço.
Como
leitora, há momentos em que penso que o livro vai descambar, perder-se.
E depois você recupera, e recompõe, e é literatura pura. Podia ser a
definição do génio, este efeito literário conseguido contra todas as
convenções do género.
Sim, mas não é um esforço positivo. O esforço negativo consiste em não dar importância a tudo o que possa impedir-me.
Sim, mas não é um esforço positivo. O esforço negativo consiste em não dar importância a tudo o que possa impedir-me.
Em
“O Mapa e o Território”, um romance mais literário do que “Submissão”,
encena a sua morte de uma forma brutal. Mata-se mas é um assassínio
ritualístico. Violentíssimo. Gráfico. Quando li aquilo pensei que jamais
conseguiria escrever aquilo sobre mim mesma. Foi difícil? E donde vem a
ideia a Michel Houellebecq de matar Michel Houellebecq?
Não, não foi muito difícil. Huuummmm... Posso dizer que não sei de onde vem a ideia. A ideia seduzia-me mas não sei porquê. Não posso gabar-me de sonhar assim tantas vezes com isso, não é um pesadelo familiar. Posso dizer que gosto da ideia de me cortar em bocados. Diz-me qualquer coisa.
Não, não foi muito difícil. Huuummmm... Posso dizer que não sei de onde vem a ideia. A ideia seduzia-me mas não sei porquê. Não posso gabar-me de sonhar assim tantas vezes com isso, não é um pesadelo familiar. Posso dizer que gosto da ideia de me cortar em bocados. Diz-me qualquer coisa.
Eis uma novidade na história da literatura, um autor que se corta a si mesmo em bocados. Graficamente. Clinicamente.
Talvez. Efetivamente.
Talvez. Efetivamente.
Se fosse pintor seria fácil. Um bocado Bacon. Você é um Bacon da literatura.
Talvez. Huuuuummmmm... Bacon...talvez. O ritual obrigava a que as cabeças ficassem intactas. As cabeças do homem e do cão.
Talvez. Huuuuummmmm... Bacon...talvez. O ritual obrigava a que as cabeças ficassem intactas. As cabeças do homem e do cão.
Isso era importante?
Acrescenta o horror, deixar as cabeças intactas.
Acrescenta o horror, deixar as cabeças intactas.
É
o que faz o Estado Islâmico, deixa as cabeças das vítimas decapitadas
sobre os corpos, graficamente, como prova. A cabeça dos reféns torna-se
simbólica. Exceto quando estão em mau estado.
É horrível mas não sei porquê.
É horrível mas não sei porquê.
O
Islão de “Submissão” é diferente. É apaziguador. E diferente do tal
Islão dos beduínos no deserto estúpido. Penso que quando se escreveu
sobre “Submissão” muitos críticos não reproduziram esta frase antiga, e
outras, de propósito, para o protegerem depois de “Charlie Hebdo”. Mesmo
os que o detestam.
É verdade, já não ousam. Não penso que seja para me proteger. Muita gente por aí ficaria muito feliz se eu fosse morto.
É verdade, já não ousam. Não penso que seja para me proteger. Muita gente por aí ficaria muito feliz se eu fosse morto.
Tem
a certeza? Você tem muita gente que gosta dos seus livros. No caso de
Salman Rushdie tive a certeza de que havia muita gente que o queria
morto. Assassinado.
Também tive. E no meu caso também querem ver-me morto.
Também tive. E no meu caso também querem ver-me morto.
Donde vem esse ódio? Você é apenas um escritor. Inventa palavras, mundos.
É o que eu digo. Mas esse ódio acho que sei donde vem. Sou perigoso. Perigoso para uma visão da sociedade que é defendida todos os quartos de hora por gente dessa sociedade em França.
É o que eu digo. Mas esse ódio acho que sei donde vem. Sou perigoso. Perigoso para uma visão da sociedade que é defendida todos os quartos de hora por gente dessa sociedade em França.
Quando
“Submissão” saiu já havia gente enraivecida com o livro, um tipo do “Le
Monde” desfê-lo, acusou-o de tudo. Percebo, você mete-se com os bonzos,
os do “Le Monde”, os jornalistas e comentadores de televisão, os
políticos... a fauna. É natural que contra-ataquem. Isso é suficiente
para odiar alguém?
Sim, sim, claro. Veem-me como um tipo perigoso.
Sim, sim, claro. Veem-me como um tipo perigoso.
Mas não para o Islão. Perigoso para os franceses.
Sim. A minha morte pode ser uma boa novidade para muita gente.
Sim. A minha morte pode ser uma boa novidade para muita gente.
Estúpido, odiar alguém pelas ideias. Ou livros.
Talvez, mas é assim.
Talvez, mas é assim.
Mas também há muita admiração pelo escritor. Pela prosa.
As duas coisas. Mas há os que também nesse plano me denigrem.
As duas coisas. Mas há os que também nesse plano me denigrem.
Não será o velho pecado da inveja literária? A mesquinhez da falta de talento?
Pode ser simplesmente isso mas são verdadeiros inimigos. E há os que pensam que não existo e que não escrevo. Ou que seria preferível não existir e não escrever.
Pode ser simplesmente isso mas são verdadeiros inimigos. E há os que pensam que não existo e que não escrevo. Ou que seria preferível não existir e não escrever.
Disse numa entrevista que queria ser amado, como toda a gente. É verdade ou é uma daquelas boutades das entrevistas?
É verdade, não obteremos uma coisa se dissermos que não acontecerá.
É verdade, não obteremos uma coisa se dissermos que não acontecerá.
Os
escritores, os grandes escritores, são muito amados. E por isso tudo
lhes é perdoado. Têm um ego brutal, idolatria, groupies como as estrelas
rock. Não se podem queixar.
Não acho que me perdoem assim tanto. Em França, pelo menos. Não duvide de que sou detestado.
Não acho que me perdoem assim tanto. Em França, pelo menos. Não duvide de que sou detestado.
Não
será uma consequência do elitismo do meio intelectual parisiense? Das
regras desse meio que você infringiu? No resto do mundo não creio que o
detestem.
Sim, é no nosso país que somos verdadeiramente detestados.
Sim, é no nosso país que somos verdadeiramente detestados.
É
uma tradição, quase. Os grandes escritores são detestados no seu país.
Os Nobel, sobretudo. Saramago era detestado em Portugal. Coetzee saiu da
África do Sul. Martin Amis saiu da Inglaterra. Ser detestado é melhor
do que ser unanimemente celebrado. Só os medíocres amáveis são amados
por todos.
Concordo. O que quer que seja não há nada que eu possa fazer.
Concordo. O que quer que seja não há nada que eu possa fazer.
Diz-se que é um anti-humanista. O que quer dizer que o Nobel nunca virá?
É uma consequência. O humanismo é um bocado curto como filosofia.
É uma consequência. O humanismo é um bocado curto como filosofia.
Neste momento egocêntrico da história do mundo, o que é o humanismo?
Uma lengalenga oca.
Uma lengalenga oca.
É fácil ser-se humanista mas não é fácil amar as pessoas.
É bem visto ser-se humanista.
É bem visto ser-se humanista.
As
suas personagens são sempre homens sós, quase sem família, sem mulher
nem filhos. Sente-se confortável com estes atores das suas ficções? São
todos um pouco Houellebecq?
Sim, sinto. Mas não sei se é por isso. Creio que são mais personagens metafísicas. Mais dotados para a abstração.
Sim, sinto. Mas não sei se é por isso. Creio que são mais personagens metafísicas. Mais dotados para a abstração.
Acha que as mulheres não são capazes disso? Da capacidade metafísica?
Não sei. Sei que lhes é dada uma ausência de história pessoal que os torna mais genéricos.
Não sei. Sei que lhes é dada uma ausência de história pessoal que os torna mais genéricos.
Mas eles têm uma história pessoal, é por isso que os seguimos.
Queria dizer que eles se envolvem pouco. Servem de modelo geral.
Queria dizer que eles se envolvem pouco. Servem de modelo geral.
Nenhuma intensidade, é isso? Sobretudo nos sentimentos?
Não muita.
Não muita.
Você é assim? A falta de intensidade é uma arte. É mais fácil ser-se mobilizado, atraído pela intensidade.
Não sei. Eu gosto o suficiente para os imaginar assim, em todo o caso. Sem querer parecer-me muito com essas personagens, revejo-me um pouco nelas.
Não sei. Eu gosto o suficiente para os imaginar assim, em todo o caso. Sem querer parecer-me muito com essas personagens, revejo-me um pouco nelas.
A
personagem de “Submissão”, François, não é simpático. É lúcido, quase
detestável. Mas tem qualquer coisa que faz com que nos identifiquemos
com o que diz e faz. E pensa. Eu não gosto dele mas ele mobiliza-me, não
o largo. Você consegue fazer isto naturalmente ou é trabalhado? Pensa
no leitor?
Não penso no leitor.
Não penso no leitor.
Que relação tem com as suas personagens, incluindo o Michel Houellebecq de “O Mapa e o Território”?
Elas fazem-me companhia.
Elas fazem-me companhia.
Vê-as fisicamente? São como você? François é mais novo.
Sim. Não são necessariamente como eu. Mais jovem. Mais belo do que eu. Não as vejo com precisão mas tenho uma visão.
Sim. Não são necessariamente como eu. Mais jovem. Mais belo do que eu. Não as vejo com precisão mas tenho uma visão.
Falou
na beleza. A beleza é um tema literário, como a fealdade. Cyrano,
Quasimodo... Quando os realizadores de “Experiência de Quase-Morte”
disseram a Catherine Deneuve que iam fazer um filme consigo ela disse
que era muito feio. Eles contaram isto à imprensa. E responderam a
Deneuve, uma bela mulher, que para eles você não era feio. A fealdade
deixou de ser um tema seu? Já foi. Defendeu que havia uma vida sexual
para os feios e outra para os bonitos, o que é verdade.
Sim, em mim o tema desapareceu um bocado. Não sei porquê. Cyrano, Quasimodo, vêm de livros não muito conseguidos.
Sim, em mim o tema desapareceu um bocado. Não sei porquê. Cyrano, Quasimodo, vêm de livros não muito conseguidos.
A beleza é um dom raro. A maioria das pessoas não é bela.
Não concordo.
Não concordo.
Em Paris, as pessoas arranjam-se muito, cuidam-se, embelezam-se. O que você não faz. Mas a fealdade é a condição humana.
Não acho.
Não acho.
Por se achar feio? Por as outras pessoas dizerem, como Deneuve, que é feio? Os belos veem mais o feio do que os outros.
Quanto mais velho se fica mais feio se fica. Vi isso no meu pai. É por isso que com a idade o tema deixou de me parecer importante. Avancei na idade. A velhice é igual para todos.
Quanto mais velho se fica mais feio se fica. Vi isso no meu pai. É por isso que com a idade o tema deixou de me parecer importante. Avancei na idade. A velhice é igual para todos.
E a pornografia também desapareceu? Pela mesma razão?
Sim. E porque há uma ausência de progresso nesse domínio.
Sim. E porque há uma ausência de progresso nesse domínio.
Porque
é que o sexo continua, apesar da sua condição vulgar e natural em
qualquer animal, a ser o grande tabu? Porque é que as pessoas ficam tão
chocadas com livros que descrevem sexo?
Huuuuummmm. Não sei, verdadeiramente não sei. Penso porque é que as pessoas pensam aquilo que pensam mas no fundo não sei nada. Absolutamente nada. Ou pior, não se trata de compreender, quando se tenta compreender para descrever acaba-se por não descrever nada. Não se descreve o que se compreende. Deve escrever-se sem compreender porque se tentarmos compreender não se pode escrever. E isto é importante, quando se começa a compreender o mundo para o descrever acaba-se por não escrever coisa nenhuma. É preciso descontar a missão da incompreensão.
Huuuuummmm. Não sei, verdadeiramente não sei. Penso porque é que as pessoas pensam aquilo que pensam mas no fundo não sei nada. Absolutamente nada. Ou pior, não se trata de compreender, quando se tenta compreender para descrever acaba-se por não descrever nada. Não se descreve o que se compreende. Deve escrever-se sem compreender porque se tentarmos compreender não se pode escrever. E isto é importante, quando se começa a compreender o mundo para o descrever acaba-se por não escrever coisa nenhuma. É preciso descontar a missão da incompreensão.
Neste momento, a
sua preocupação maior, o seu tema, acaba por ser a política, e a Europa,
ou a política da Europa. Não era um tema seu e começa com “O Mapa e o
Território”. Uma Europa na idade pós-industrial.
É verdade, começa. Neste momento, é o que me interessa. Mais do que uma Europa, uma França pós-industrial. É mais a França do que os outros países que não têm os mesmos recursos.
É verdade, começa. Neste momento, é o que me interessa. Mais do que uma Europa, uma França pós-industrial. É mais a França do que os outros países que não têm os mesmos recursos.
A França não tem problemas de ricos?
Quando se olha para outros países, e basta olhar para o meu, Portugal,
vemos problemas bem maiores do que os estados de alma franceses.
Não é verdade, não é nada verdade. Não, não!
Não é verdade, não é nada verdade. Não, não!
Em França vive-se bem. Talvez não sejam felizes, os franceses, mas não vivem mal.
Não vivem nada bem. Pode viver em Paris, mas em França as pessoas empobreceram muito. Significativamente.
Não vivem nada bem. Pode viver em Paris, mas em França as pessoas empobreceram muito. Significativamente.
Velhos, novos, imigrantes... ou toda a gente?
Sobretudo os velhos. Dizer que a França tem problemas de ricos não é verdade, sobretudo se considerarmos a experiência vivida das pessoas. O que as pessoas vivem não é a quantidade de dinheiro que têm mas a evolução da situação. Estão à beira de serem engolidos, eliminados. Há muita gente no limite da pobreza. De ano para ano. Não é a mesma coisa ter a mesma quantidade de dinheiro quando se sobe ou quando se desce. E os velhos estão na linha descendente, e muita gente com eles.
Sobretudo os velhos. Dizer que a França tem problemas de ricos não é verdade, sobretudo se considerarmos a experiência vivida das pessoas. O que as pessoas vivem não é a quantidade de dinheiro que têm mas a evolução da situação. Estão à beira de serem engolidos, eliminados. Há muita gente no limite da pobreza. De ano para ano. Não é a mesma coisa ter a mesma quantidade de dinheiro quando se sobe ou quando se desce. E os velhos estão na linha descendente, e muita gente com eles.
E atribui isso a quê? À inépcia dos políticos?
Não sei bem, há imposições económicas que levariam muito tempo a explicar.
Não sei bem, há imposições económicas que levariam muito tempo a explicar.
Não
corremos o risco de tratar a política com cinismo? Porque, como dizem
os americanos, “it’s a dirty job but somebody’s gotta do it”. Precisamos
de políticos e de governantes.
Precisamos.
Precisamos.
Acha que a União Europeia, com tudo o que se passa agora com a Grécia ou os países do sul, vai acabar mal?
Vai acabar, isso é certo. Espero bem que este pesadelo acabe.
Vai acabar, isso é certo. Espero bem que este pesadelo acabe.
Porquê pesadelo?
Porque é um pesadelo, uma ideia muito má.
Porque é um pesadelo, uma ideia muito má.
Durante
anos, décadas, as pessoas acreditaram que a Europa em União ia dar-lhes
uma boa vida. E agora têm medo. O que é que se pode opor à hipótese
europeia no futuro?
A França. Este país.
A França. Este país.
Isso pode confundir-se com nacionalismo.
Sim, eu sou nacionalista.
Sim, eu sou nacionalista.
Como o nacionalismo de Marine Le Pen?
Sim, pode ser igual. Estou-me nas tintas.
Sim, pode ser igual. Estou-me nas tintas.
O que é a França? Com tantos árabes, africanos, imigrantes, etc. O que é hoje a França?
Esse é o nosso problema mas muito menos importante do que o outro.
Esse é o nosso problema mas muito menos importante do que o outro.
Talvez o referendo britânico dê cabo da Europa. Ou alguém alguma vez vai dizer basta?
Talvez acabe aí. Alguém vai dizer basta.
Talvez acabe aí. Alguém vai dizer basta.
Os gregos estão numa situação horrível.
Francamente, estou-me nas tintas para os gregos. Preocupo-me com a França.
Francamente, estou-me nas tintas para os gregos. Preocupo-me com a França.
E como é que a Europa pode acabar? Com violência ou democraticamente, com eleições e referendos?
Vai fazer-se molemente, pela dissolução progressiva.
Vai fazer-se molemente, pela dissolução progressiva.
Sempre pensou assim, foi contra a União Europeia? Bruxelas vai fazer os possíveis por manter-se, sobreviver.
Sempre fui contra, uma péssima ideia. Sim, Bruxelas... vai ser duro escavacar o sistema.
Sempre fui contra, uma péssima ideia. Sim, Bruxelas... vai ser duro escavacar o sistema.
Pode
dar-se cabo do sistema, nos dias que correm? Veja-se a crise da banca, a
crise financeira, o sistema mantém-se inalterado. Não aprendeu, não
corrigiu.
Não é impossível dar cabo do sistema.
Não é impossível dar cabo do sistema.
É
estranho ouvir um escritor dizer estas coisas. Pode dizer o que quer.
Pode dizer a verdade. Um político não pode nunca dizer o que pensa.
Penso que os políticos pensam muito pouco.
Penso que os políticos pensam muito pouco.
Não há ninguém que admire em política? Nem Mitterrand?
Não, nada. Ninguém. Não me parece que algum deles tenha refletido sobre a História do seu país. Ou lhe tenha dado importância.
Não, nada. Ninguém. Não me parece que algum deles tenha refletido sobre a História do seu país. Ou lhe tenha dado importância.
A religião. A sua atitude mudou. Acha possível ter uma sociedade coesa e coerente sem religião?
Dificilmente.
Dificilmente.
Resta o problema da fé, que é uma busca pessoal e não coletiva.
Mas aí precisamos de uma fé ligeira, uma fé que abarque muita gente. É preciso procurar.
Mas aí precisamos de uma fé ligeira, uma fé que abarque muita gente. É preciso procurar.
Uma fé ritualística, litúrgica?
Sim.
Sim.
Isso já existe, as pessoas casam-se pela igreja sem fé, pelo ritual. Podemos algum dia ver um Michel Houellebecq convertido?
Vamos ver.
------------Vamos ver.
REPORTAGEM POR Clara Ferreira Alves
Fonte: Expresso - Jornal online de Portugal - texto publicado na edição de 23 maio de 2015
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