José Eustáquio Diniz Alves*
Foto: Diocese de São José dos Campos
A encíclica ecológica do papa Francisco – cujo título “Laudato Si’”
(“Louvado sejas”) faz referência ao Cântico das Criaturas, poema em que
São Francisco de Assis chama o Sol, a Lua, a Água e a Terra de irmãos e
irmãs – diz que o combate ao aquecimento global e à degradação do meio
ambiente é um imperativo moral para todos os católicos. Em vez de
dominar e explorar de forma predatória a natureza o ser humano deveria
superar a “cultura do consumo e do descarte” e cuidar do meio ambiente
A encíclica é um chamado à ação e
veio em boa hora, podendo contribuir com toda a luta ambientalista, com o
engajamento dos cristãos na defesa dos ecossistemas, da biodiversidade e
para que a Conferência das Partes (COP21) que vai reunir cerca de 200
países, em Paris, em dezembro de 2015, possa deliberar sobre um novo
tratado do clima que substitua o limitado Protocolo de Kyoto, de 1997.
Os católicos somam cerca de 1,25
bilhão de pessoas e junto com 1,05 bilhão de evangélicos formam um
contingente de 2,3 bilhões de cristãos, representando 31,5% da população
mundial de 7,3 bilhões de habitantes em 2015. O Papa não tem divisões
de guerra, mas tem força moral para influenciar a opinião pública
católica, cristã e até mesmo de outras religiões e das pessoas sem
filiação religiosa. Mas, independentemente do tamanho do seu rebanho, a
mensagem do papa Francisco tem um apelo global sobre “o cuidado da casa
comum” e no reconhecimento de que a intervenção humana está por detrás
das alterações climáticas e da destruição sem precedentes dos
ecossistemas da Terra.
O mais importante a destacar é que a
Santa Sé reconheceu “Inúmeros estudos científicos que demonstram que nas
últimas décadas o aquecimento global foi principalmente resultado de
uma grande concentração de gases com efeito de estufa em função da
atividade humana”. O Papa censurou as pessoas e as atitudes que
continuam travando uma solução para a elaboração de um acordo
internacional para reduzir as emissões de gases de efeito estufa,
criticou os céticos do clima que negam os fatores antropogênicos das
mudanças climáticas e ironizou a crença ilimitada nas capacidades
técnicas, como se o poder da tecnologia fosse uma força do mundo
superior.
Na página 5 da encíclica o Papa clama por uma ação solidária universal: “Lanço
um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a
construir o futuro do planeta. Precisamos de um debate que nos una a
todos, porque o desafio ambiental, que vivemos, e as suas raízes humanas
dizem respeito e têm impacto sobre todos nós. O movimento ecológico
mundial já percorreu um longo e rico caminho, tendo gerado numerosas
agregações de cidadãos que ajudaram na consciencialização. Infelizmente,
muitos esforços na busca de soluções concretas para a crise ambiental
acabam, com frequência, frustrados não só pela recusa dos poderosos, mas
também pelo desinteresse dos outros. As atitudes que dificultam os
caminhos de solução, mesmo entre os crentes, vão da negação do problema à
indiferença, à resignação acomodada ou à confiança cega nas soluções
técnicas. Precisamos de nova solidariedade universal”.
O Papa Francisco reconhece que o
ambiente natural está cheio de feridas produzidas pelo comportamento
irresponsável do ser humano e, entre as ações e medidas urgentes
apontadas para atacar o problema e mitigar a crise ambiental, ele propõe
a substituição dos combustíveis fósseis e o investimento em energias
renováveis. Também preconiza uma mudança do paradigma do “consumismo
desenfreado” das sociedades ocidentais, que “crescentemente está a
transformar o nosso planeta numa imensa lixeira”. O trecho abaixo é
bastante elucidativo:
“O clima é um bem comum, um bem de
todos e para todos. A nível global, é um sistema complexo, que tem a
ver com muitas condições essenciais para a vida humana. Há um consenso
científico muito consistente, indicando que estamos perante um
preocupante aquecimento do sistema climático. Nas últimas décadas, este
aquecimento foi acompanhado por uma elevação constante do nível do mar,
sendo difícil não o relacionar ainda com o aumento de acontecimentos
meteorológicos extremos, embora não se possa atribuir uma causa
cientificamente determinada a cada fenômeno particular. A humanidade é
chamada a tomar consciência da necessidade de mudanças de estilos de
vida, de produção e de consumo, para combater este aquecimento ou, pelo
menos, as causas humanas que o produzem ou acentuam. É verdade que há
outros factores (tais como o vulcanismo, as variações da órbita e do
eixo terrestre, o ciclo solar), mas numerosos estudos científicos
indicam que a maior parte do aquecimento global das últimas décadas é
devida à alta concentração de gases com efeito de estufa (anidrido
carbônico, metano, óxido de azoto, e outros) emitidos sobretudo por
causa da atividade humana. A sua concentração na atmosfera impede que o
calor dos raios solares reflectidos pela terra se dilua no espaço. Isto é
particularmente agravado pelo modelo de desenvolvimento baseado no uso
intensivo de combustíveis fósseis, que está no centro do sistema
energético mundial. E incidiu também a prática crescente de mudar a
utilização do solo, principalmente o desflorestamento para finalidade
agrícola” (p. 8).
Além da questão climática, a encíclica mostra o efeito da “carbonização” sobre os ecossistemas e sobre a cadeia alimentar: “Por
sua vez, o aquecimento influi sobre o ciclo do carbono. Cria um ciclo
vicioso que agrava ainda mais a situação e que incidirá sobre a
disponibilidade de recursos essenciais como a água potável, a energia e a
produção agrícola das áreas mais quentes e provocará a extinção de
parte da biodiversidade do planeta. O derretimento das calotas polares e
dos glaciares a grande altitude ameaça com uma libertação, de alto
risco, de gás metano, e a decomposição da matéria orgânica congelada
poderia acentuar ainda mais a emissão de anidrido carbônico. Entretanto a
perda das florestas tropicais piora a situação, pois estas ajudam a
mitigar a mudança climática. A poluição produzida pelo anidrido
carbônico aumenta a acidez dos oceanos e compromete a cadeia alimentar
marinha. Se a tendência atual se mantiver, este século poderá ser
testemunha de mudanças climáticas inauditas e duma destruição sem
precedentes dos ecossistemas, com graves consequências para todos nós.
Por exemplo, a subida do nível do mar pode criar situações de extrema
gravidade, se se considera que um quarto da população mundial vive à
beira-mar ou muito perto dele, e a maior parte das megacidades estão
situadas em áreas costeiras” (p. 9).
A encíclica considera que a
propriedade privada em geral (e os recursos naturais em particular) é
eticamente justificável apenas se servir ao bem comum. Apoia as
negociações internacionais para redução das emissões nacionais de gases
de efeito estufa e critica os mecanismos de mercado para reduzir a
dependência dos combustíveis fósseis: “A estratégia de compra-venda
de ‘créditos de emissão’ pode levar a uma nova forma de especulação, que
não ajudaria a reduzir a emissão global de gases poluentes. Este
sistema parece ser uma solução rápida e fácil, com a aparência dum certo
compromisso com o meio ambiente, mas que não implica de forma alguma
uma mudança radical à altura das circunstâncias. Pelo contrário, pode
tornar-se um diversivo que permite sustentar o consumo excessivo de
alguns países e sectores” (p. 53). Depois deste claro
posicionamento, espera-se agora que o Vaticano se posicione sobre a
campanha do “desinvestimento” e a saída do banco do Vaticano dos
investimentos em combustíveis fósseis.
A encíclica mostra que o efeito do
aquecimento global e da degradação ambiental deve recair sobre os
pobres, especialmente dos país mais pobres, e vai afetar muitos
refugiados do clima. O Papa critica “os modelos atuais de produção e
consumo” e denuncia as tentativas de “mascarar os problemas ou ocultar
os seus sintomas”. Ele defende a difusão da energia limpa e renovável, a
eficiência energética, e o menor uso de matérias-primas
(desmaterialização). A encíclica considera a água um bem essencial para a
vida humana e não humana: “A água potável e limpa constitui uma questão
de primordial importância, porque é indispensável para a vida humana e
para sustentar os ecossistemas terrestres e aquáticos” (p. 10). Uma
crise hídrica provoca uma crise alimentar e pode ser motivo de guerras. O
Papa defende a biodiversidade: “A perda de florestas e bosques implica
simultaneamente a perda de espécies” (p. 11). “Os danos provocados pela
negligência egoísta” provoca “os altíssimos custos da degradação
ambiental”.
Na página 12, o Papa menciona “os
pulmões do planeta repletos de biodiversidade que são a Amazônia e a
bacia fluvial do Congo” e em seguida, influenciado pelo pensamento
patriótico, critica “os enormes interesses econômicos internacionais
que, a pretexto de cuidar deles (plumões do planeta), podem atentar
contra as soberanias nacionais”. Mesmo sendo verdade, o Papa deixou de
falar da destruição da Amazônia que é provocada por forças econômicas
“tupiniquins”, com a destruição provocada pelos garimpeiros,
madeireiros, pela Usina de Belo Monte, pelo agronegócio, pela Zona
Franca de Manaus, pelas rodovias e ferrovias projetadas, etc. Ainda no
item “3. Perda de biodiversidade”, a encíclica critica o
“desaparecimento dos manguezais”, a sobrepesca, a destruição dos recifes
de corais, a poluição dos oceanos e defende todas as “espécies em vias
de extinção”.
Na seção “Deterioração da qualidade
de vida humana e degradação social” (p. 14), o Papa critica a
insustentabilidade das grandes cidades, a imobilidade urbana a
gentrificação, a violência, o narcotráfico, etc. Na seção seguinte
critica as desigualdades e diz: “A desigualdade não afeta apenas os
indivíduos mas países inteiros, e obriga a pensar numa ética das
relações internacionais. Com efeito, há uma verdadeira ‘dívida
ecológica’, particularmente entre o Norte e o Sul”. E completa: “A
dívida externa dos países pobres transformou-se num instrumento de
controle, mas não se dá o mesmo com a dívida ecológica” (p. 17).
Criticando a exploração dos países ricos sobre os pobres, o Papa ataca a
“globalização da indiferença” (p. 17). Evidentemente, reforçar a ideia
das “responsabilidades comuns mas diferenciadas” é super correto, porém,
parece que a encíclica não foi critica o suficiente com as “elites
nacionais” que degradam o ambiente e concentram a renda e a riqueza nos
diversos países pobres ou de renda média.
Como escrevi no artigo “Pegada
Ecológica: e se eliminarmos os países ricos?” (Alves, 19/07/2013): “Os
5,6 bilhões de habitantes dos países de renda baixa e de renda média
(países em desenvolvimento), em 2008, tinham uma pegada ecológica total
de 12,2 bilhões de hectares globais (gha), superior à capacidade de
carga (biocapacidade) do Planeta. Desta forma, mesmo em uma situação
hipotética em que os países ricos chegassem a zero em sua pegada
ecológica, ainda assim o mundo estaria com problema ambiental e com uma
Pegada Ecológica acima da Biocapacidade. E o pior é que os países do
chamado “sul global” continuam com população em crescimento e com um
modelo econômico que mimetiza o que tem de pior nos países
desenvolvidos”. Ou seja, os países ricos tem uma dívida com os países
pobres, mas ambos tem uma dívida com o meio ambiente. Os países pobres
são vítimas, mas não deixam de ser também ecologicamente agressores da
natureza. Assim, um dos grandes desafios globais é erradicar a pobreza
no Terceiro Mundo sem destruir ainda mais os ecossistemas.
Neste sentido, o Papa fortalece de
forma explícita a ideia do decrescimento das economias que vivem na
superabundância. Ele diz: “Assim, se nalguns casos o desenvolvimento
sustentável implicará novas modalidades para crescer, noutros casos –
face ao crescimento ganancioso e irresponsável, que se verificou ao
longo de muitas décadas – devemos pensar também em abrandar um pouco a
marcha, pôr alguns limites razoáveis e até mesmo retroceder antes que
seja tarde. Sabemos que é insustentável o comportamento daqueles que
consomem e destroem cada vez mais, enquanto outros ainda não podem viver
de acordo com a sua dignidade humana. Por isso, chegou a hora de
aceitar um certo decréscimo do consumo nalgumas partes do mundo,
fornecendo recursos para que se possa crescer de forma saudável noutras
partes” (p. 60). Ou seja, numa situação de crescimento vegetativo
negativo da população dos países ricos, o decrescimento da economia e do
consumo vai possibilitar a redução das emissões de gases de efeito
estufa e a redução da degradação ambiental.
O Capítulo II, “O Evangelho da
Criação” (p. 20) faz uma abordagem teológica das questões ambientais. O
Capítulo III, “A Raiz Humana da Crise Ecológica” (p. 32) o Papa fala do
poder da tecnologia e dos avanços do progresso humano, mas acrescenta:
“cresce continuamente a possibilidade de o homem fazer mau uso do seu
poder” (p. 33). Na página 37 a encíclica aparentemente critica o
antropocentrismo moderno e suas consequências: “O antropocentrismo
moderno acabou, paradoxalmente, por colocar a razão técnica acima da
realidade, porque este ser humano já não sente a natureza como norma
válida nem como um refúgio vivente”. A critica do Papa ao
antropocentrismo ocorre em função da prevalência de “a razão técnica
acima da realidade” (p. 37). Ou seja, o Papa está criticando mais o
processo que Max Weber chamava de racionalização e desencantamento do
mundo. O Papa contorna o princípio colocado no livro do Gênesis,
do Velho Testamento, que diz: “Frutificai, multiplicai-vos, enchei a
terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu
e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra”. Parece que,
neste ponto, o Papa ficou aquém de São Francisco de Assis, embora busque
substituir a ideia de “enchei a terra e sujeitai-a” por outra concepção
mais amena: “Mas a interpretação correta do conceito de ser humano como
senhor do universo é entendê-lo no sentido de administrador
responsável” (p. 37). Ou seja, muda a ideia de ser humano dominador,
para administrador.
A encíclica diz que a falta de
preocupação por medir os danos à natureza e o impacto ambiental é apenas
o reflexo do desinteresse em reconhecer a mensagem que a natureza traz
inscrita nas suas próprias estruturas e faz uma defesa do pobre, da
pessoa com deficiência e critica o aborto: “reconhece a importância dum
pobre, dum embrião humano, duma pessoa com deficiência”. Assim, embora a
encíclica lembre São Francisco ao defender os espaços anecúmenos do
Planeta: “São Francisco pedia que, no convento, se deixasse sempre uma
parte do horto por cultivar para aí crescerem as ervas silvestres” (p.
5), o Papa volta a defender o antropocentrismo característico da cultura
judaico-cristã, inclusive critica o biocentrismo: “Quando a pessoa
humana é considerada apenas mais um ser entre outros, que provém de
jogos do acaso ou dum determinismo físico, ‘corre o risco de atenuar-se,
nas consciências, a noção da responsabilidade’. Um antropocentrismo
desordenado não deve necessariamente ser substituído por um
biocentrismo”. Neste ponto a encíclica se afasta de São Francisco de
Assis e não fala nada sobre os crimes de especismo e ecocídio. A
encíclica condena “experimentações sobre os animais”, mas não combate a
alimentação cárnea e nem defende a dieta vegetariana, que estaria mais
coerente com o espírito de São Francisco de Assis e a defesa de todos os
seres vivos sencientes.
O Capítulo IV fala de “Uma Ecologia Integral” (p. 43) abarcando as dimensões econômica, social e ambiental: “A
ecologia estuda as relações entre os organismos vivos e o meio ambiente
onde se desenvolvem. E isto exige se sentar a pensar e discutir acerca
das condições de vida e de sobrevivência duma sociedade, com a
honestidade de pôr em questão modelos de desenvolvimento, produção e
consumo. Nunca é demais insistir que tudo está interligado”.
Reforçando as metodologias da Pegada Ecológica e das Fronteiras
Planetárias o Papa chama a atenção para a possibilidade de um colapso
ambiental: “As previsões catastróficas já não se podem olhar com
desprezo e ironia. Às próximas gerações, poderíamos deixar demasiadas
ruínas, desertos e lixo. O ritmo de consumo, desperdício e alteração do
meio ambiente superou de tal maneira as possibilidades do planeta, que o
estilo de vida atual – por ser insustentável – só pode desembocar em
catástrofes, como aliás já está a acontecer periodicamente em várias
regiões” (p. 50). Ele propõe um outro estilo de vida, criticando “o
mercado tende a criar um mecanismo consumista compulsivo para vender os
seus produtos” que gera um “consumismo obsessivo” (p. 63).
Não pretendo discutir todos os pontos
da encíclica. Para não prolongar demais, comento um ponto que mostra a
dubiedade da Igreja Católica em relação à dinâmica demográfica e aos
direitos sexuais e reprodutivos. Na seção “5. Desigualdade planetária” a
encíclica diz: “Em vez de resolver os problemas dos pobres e pensar
num mundo diferente, alguns limitam-se a propor uma redução da
natalidade. Não faltam pressões internacionais sobre os países em vias
de desenvolvimento, que condicionam as ajudas econômicas a determinadas
políticas de «saúde reprodutiva». Mas, ‘se é verdade que a desigual
distribuição da população e dos recursos disponíveis cria obstáculos ao
desenvolvimento e ao uso sustentável do ambiente, deve-se reconhecer que
o crescimento demográfico é plenamente compatível com um
desenvolvimento integral e solidário’. Culpar o incremento demográfico
em vez do consumismo exacerbado e seletivo de alguns é uma forma de não
enfrentar os problemas” (p. 16).
Realmente o padrão de consumo
conspícuo e o “consumismo obsessivo” causam um dano enorme ao meio
ambiente. Mas não dá para ignorar a questão do crescimento populacional
ilimitado. Não existe consumo sem população e nem população sem consumo.
É verdadeiro que não devemos colocar a culpa de todos os problemas
ambientais no crescimento demográfico. Mas isto não justifica a posição
da Igreja de ser contra os métodos contraceptivos e até contra os
preservativos e o sexo seguro.
Ou seja, a Santa Sé precisa repensar a encíclica Humanae Vitae,
lançada pelo papa Paulo VI, em 1968. Até setores da igreja são a favor
de rever as posições contra os direitos sexuais e reprodutivos. Em
editorial de 23 de janeiro de 2015, a revista National Catholic Reporter
afirma que a encíclica Humanae Vitae tem sido um sério impedimento à
autoridade católica e que o seu texto criou um abismo entre os prelados e
os padres, entre a hierarquia e os fiéis”. Ou seja, segundo setores da
própria igreja Católica, há um clamor para rever a doutrina e as
práticas e dogmas do Vaticano sobre a reprodução humana.
Enfim, já são esperadas criticas por
parte dos setores conservadores, dos “céticos do clima” e dos
neoliberais que acusam o Papa de ser populista, terceiromundista, contra
o “livre mercado”, contra o crescimento econômico, anti-modernidade,
catastrofista, a favor da teoria da dependência e de uma “ecologia da
libertação”. Mas a encíclica “Laudato Si’” também deve ser criticada por
setores de esquerda que apontam imprecisões, contradições e vários
elementos populacionistas, anti-gênero e contra os direitos sexuais e
reprodutivos. Todavia, será difícil não reconhecer o grande valor da
encíclica no sentido de se posicionar em consonância ao conhecimento
científico sobre o aquecimento global e de fazer uma defesa clara do
meio ambiente, da biodiversidade e do duplo problema global a ser
enfrentado no século XXI: “Já se ultrapassaram certos limites máximos de
exploração do planeta, sem termos resolvido o problema da pobreza” (p.
10).
Como disse o jornalista George
Monbiot a encíclica do Papa Francisco é um “ponto de inflexão”, pois
reafirma num momento crucial, antes da COP21, que a sobrevivência da
humanidade depende da “proteção do mundo natural”, da superação da
dependência aos combustíveis fósseis e da mudança do modelo de
acumulação que leva ao “consumismo obsessivo” e à “cultura do descarte”,
ou seja, à cultura do luxo e do lixo. A encíclica papal é antes de tudo
uma mensagem de compaixão, amor e defesa dos pobres e do meio ambiente.
Referência:
Carta Encíclica Laudato Si’ do Santo Padre Francisco sobre o Cuidado da Casa Comum, Vaticano, 18/06/2015 http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.pdf
NATIONAL CATHOLIC REPORTER. Devemos ir além do impasse da “Humanae Vitae”, 26/01/2015
Planetary Boundaries 2.0 – new and improved, Stockholm Resilience Centre, Stockholm. Janeiro 2015
R. R. Reno, The Return of Catholic Anti-Modernism, First Things, 18/06/2015
ALVES, JED. Pegada Ecológica: e se eliminarmos os países ricos?, Ecodebate, RJ, 19/07/2013
Johan Rockström. The Climate Pope, Project Syndicate, 19/06/2015 http://www.project-syndicate.org/commentary/pope-francis-global-warming-by-johan-rockstrom-2015-06
------------------------------------------
José Eustáquio Diniz Alves,
Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor
titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas
Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE;
Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail:
jed_alves@yahoo.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário