Matéi
Visniec: o grande “partido” das sociedades capitalistas são os
mercados.
Foto: Matei Visniec – wikipediaCitiți în Ziarul Metropolis
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É um homem apaixonado pelas
palavras e pela relevância que estas podem assumir no processo de
transformação das sociedades. Por isso não hesita em afirmar que
escrever é um “ato político” capaz de influenciar a relação entre o
poder e os cidadãos. Em entrevista ao esquerda.net, o dramaturgo e
jornalista romeno Matéi Visniec considera ainda que é necessário
reconfigurar a União Europeia para que esta retome o ciclo de
prosperidade e do respeito pelos direitos das pessoas. Entrevista de
Pedro Ferreira.
Em
1987 deixou o seu país e foi para França para poder dar continuidade ao
seu trabalho como dramaturgo e escapar à perseguição do regime
totalitário de Nicolae Ceausescu. Mas em Paris deparou com outras formas
de limitação à liberdade individual das pessoas o que lhe causou alguma
perplexidade. Podemos concluir que de uma forma mais ou menos explícita
existem sempre barreiras à plena afirmação do indivíduo?
Quando cheguei a França, mais concretamente a Paris, encontrei um
país livre, culturalmente evoluído onde tinha a possibilidade de
desenvolver o meu trabalho sem receios de ser preso. Constatei, no
entanto, que o capitalismo usa mecanismos de controlo sobre as pessoas
que passam pela imposição de uma lógica subliminar de submissão a outros
poderes como o consumismo que estriba a sua força através da
mediatização de determinados valores orientados para o sucesso
individual e para o supérfluo.
Passou então de um totalitarismo sem freio
para uma espécie de obediência canalizada pela dormência do consumo e
que é a linha da fronteira que separa os vencedores dos vencidos?
Se quiser ser irónico posso afirmar que o grande “partido” das
sociedades capitalistas são os mercados, como se vê agora de uma forma
mais evidente, e o contínuo desenvolvimento de mecanismos de competição
excessiva. Temos assim uma meta entre aqueles que ganham e os que chegam
depois.
Ou seja, os ricos e os pobres.
Mais do que isso porque nesta engrenagem o que conta é “capacidade”
de servir o sistema de forma intensiva. Podes ser bem remunerado, até
rico mas nunca deixarás de ser um explorado. E o problema é que muitos
não se apercebem disso porque que vivem na vertigem da acumulação de
bens materiais.
Neste quadro que acaba de traçar onde é que fica a cultura?
A cultura é um “oxigénio social”, um escape que nos permite respirar e
consequentemente agir quando nos sentimos asfixiados. Os intelectuais
reagem através da escrita, do cinema, do teatro. São bolsas de
resistência a todas as formas de imposição que visam limitar o nosso
pensamento.
Como homem da cultura, direcionei a minha oposição ao regime totalitário de Ceausescu através da escrita e do teatro apostando na sátira, na ironia e no absurdo
Como homem da cultura, direcionei a minha oposição ao regime
totalitário de Ceausescu através da escrita e do teatro apostando na
sátira, na ironia e no absurdo como forma de criticar a ausência de
liberdade e da repressão. Quando cheguei a Paris não tinha limitações
dessa natureza e por isso o meu trabalho bem como o de outros criadores
visou essencialmente chamar a atenção para a natureza de sistemas cuja
perversidade passa pela imposição de mecanismos de manipulação, de
autocensura que é muito perigosa porque inibe a nossa capacidade de
reação. Não se vê e por isso é mais difícil combatê-la.
Que diferenças é que há entre um regime
dito socialista mas que não passa de uma caricatura e um país livre de
matriz capitalista mas onde a opacidade do poder leva à criação de uma
cadeia de interesses que normalmente se sobrepõem às necessidade e
aspirações da generalidade das pessoas?
Costumo dizer que o poder é tóxico porque é tentador e, desta forma,
escurece a razão. As elites políticas e económicas vivem em mundos
fechados e por isso longe dos problemas das sociedades. No limite, diria
que os homens não sabem exercer o poder e assim acabam por cair com
muita facilidade nessa cadeia que lhes permite continuar a prosperar em
círculos fechados. Enfim, servem-se ao invés de servir.
E qual é então a solução?
Não há respostas fáceis para a questão que me coloca. No entanto,
penso que é necessário proceder à regeneração da democracia. E aí ganha
particular relevância termos um sistema de Justiça que atue de forma
independente além de recuperar a ética como regra fundamental na relação
entre eleitos eleitores.
Não sendo pouco, parece-me um truísmo porque é algo que se tornou banal nos discursos dos detentores do poder.
Admito que assim seja mas não podemos esquecer que perante um
problema acaba sempre por surgir uma ou mais soluções. Após a crise de
2008, surgiram imensos grupos de cidadãos a contestar a corrupção e os
desmandos do sistema financeiro. Estas reações abriram o caminho a novas
realidades que começam a mudar a paisagem política sobretudo na Europa.
Importa assim olhar com atenção para a vitória do Syriza na Grécia e
para a emergência do Podemos em Espanha que nasceu a partir de
movimentos sociais e já alterou o espectro partidário que imperou
naquele país depois da queda do franquismo. A mudança acabará por ser
imposta de baixo para cima.
As sociedades de consumo
não têm no seu código genético a aposta na dinamização da cultura.
Optam
antes pelo entretenimento
fazendo com que este seja dominante.
Mas é
preciso ter a noção que são realidades
completamente distintas
Como é a Roménia nos dias de hoje?
A democracia e a liberdade não trouxeram a prosperidade económica que
todos estavam à espera. Ainda assim, o país abriu-se ao mundo, perdeu
os complexos resultantes da ditadura e está a fazer um esforço de
modernização. Acredito no futuro do meu país apesar da corrupção, da
pobreza e das desigualdades existentes. Estou convicto que as novas
gerações darão o impulso necessário às mudanças rejeitando
definitivamente o conservadorismo que ainda se sente sobretudo ao nível
das mentalidades. Há ainda muitos obstáculos que importa ultrapassar mas
estou otimista.
O dramaturgo libertou-se da censura, pelo
menos da institucional, e bate-se agora pela demarcação entre a cultura e
a indústria do entretenimento?
As sociedades de consumo não têm no seu código genético a aposta na
dinamização da cultura. Optam antes pelo entretenimento fazendo com que
este seja dominante. Mas é preciso ter a noção que são realidades
completamente distintas porque se a cultura tem como finalidade a
critica e a reflexão, a indústria do entretenimento que é muito poderosa
existe para anestesiar as pessoas inibindo-as de pensar e perceber qual
o é seu papel na sociedade. Por isso a função dos agentes culturais
passa por contrariar esta realidade.
E enquanto jornalista quais são as suas batalhas?
Tenho o compromisso com a verdade e consequentemente com a rejeição
de todos os tipos de condicionamento que visem a sua distorção. O que
acabo de dizer pode parecer simplista mas o papel do jornalista é
noticiar e comentar a realidade. Independentemente das suas opções de
carácter ideológico não se pode, em nome da liberdade, mistificar a
realidade.
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Por Pedro Ferreira
Fonte: http://www.esquerda.net/08/06/2015
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