Menalton Braff
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Em um mundo mais simples, o ouro não poderia ser entendido como riqueza
Os adolescentes querem mais simplicidade para entender a vida, mas qual seria o resultado disso para nós?
Um amigo veio me contar que está ficando aborrecido de ouvir
tanta queixa de adolescentes. Não é caso de estranheza, meu caro, alunos
queixarem-se. Isso é inerência (eu ia dizendo inércia, não sei por quê)
do ser humano pelo menos desde Adão e Eva, que foram condenados ao
esforço até verter suor. Pois alguns de meus alunos, naqueles velhos
tempos em que a sala de aula era meu espaço diário, resolveram denunciar
a literatura por complicada, obscura, cheia de ciladas. Uma palavra,
dizia-me um deles, pode ser uma coisa, mas também pode não ser. Fica
difícil entender este emaranhado de significações possíveis.
O que meus pupilos estavam na realidade propondo era um mundo mais
simples, cada coisa tendo um e apenas um significado. Entendi logo que a
luta deles era para eliminar-se da língua toda figura de linguagem e
principalmente a metáfora, a mais enxerida de todas. Simplificar tudo
era a palavra de ordem. Física quântica pra quê? Só pra complicar a vida
da gente. Prótons, elétrons e nêutrons, coisa absurda, se a gente nem
os vê! E eu me lembrei, então, da trigonometria, que em criança cheguei a
pensar que fosse medida de trigo. Um mundo coreografado: dia de chuva,
dia de sol, doenças curáveis, doenças incuráveis, as casas pintadas
todas da mesma cor (tremenda economia), e as flores todas iguais, e as
folhas, e os rostos, cabelos, tudo igual. Para que tanta variedade?
Meus caros e diletos pupilos, pensei, eis uma proposta sensata: um
mundo mais simples. Um mundo em que ouro não pudesse ser entendido como
riqueza, mas como “Elemento de número atômico 79, metálico, amarelo,
dúctil, maleável, denso, pouco reativo, utilizado em ligas preciosas
[símb.: Au ]”, como nos ensina o Aurélio. Estaríamos livres de quanto
engano, de quanto engodo, não é mesmo?!
Depois de ouvir seus argumentos, fui pra casa pensando: Mas não é que
eles têm razão? Em lugar de dizer “Marcela morria de amores pelo
Xavier. Não morria, vivia.” Machado de Assis deveria dizer: “Marcela
amava muito o Xavier, isto é, ele a sustentava”. Viram como ficou mais
claro? E aquela estrofe final da Ismália, do Alphonsus de Guimaraens:
“As asas que Deus lhe deu/ ruflaram de par em par./ Sua alma subiu ao
céu,/ seu corpo desceu ao mar”. Não ficaria mais claro dizer: “A Ismália
jogou-se no mar e morreu”?
Talvez morrêssemos todos de tédio, mas que ficaria mais fácil de entender, ah, disso não tenham dúvida.
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* Ex-professor e escritor, venceu em 2000 o Prêmio Jabuti com o livro "À Sombra do Cipreste"
Fonte: Carta Capital online, 04/06/2015
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