Entrevista ao reitor do Pontifício Instituto Oriental sobre o Islã, Ramadã, religião, paz e violência
Estamos no mês do Ramadã para os muçulmanos. Para
entender melhor o que significa esta festa no contexto muçulmano e dos
cristãos orientais, entrevistamos o Pe. Samir Khalil Samir, SJ,
pró-reitor e interim do Pontifício Instituto Oriental, que explicou aos
leitores de ZENIT
o que publicamos abaixo.
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ZENIT: O que é o Ramadã?
- Padre Samir: o Ramadã é um mês de jejum e oração que os muçulmanos
fazem todos os anos, durante um mês lunar como nos antigos calendários.
Jejua-se desde o amanhecer, pelas 5hs da manhã, até o anoitecer.
ZENIT: É como o jejum quaresmal?
- Padre Samir: Exatamente como os cristãos orientais fazem o jejum
hoje, não só os monges, mas também as famílias. No Egito, na Igreja
Copta, os cristãos não colocam nada na boca, nem de comer nem de beber, a
partir da meia-noite até as duas da tarde, e os monges até o anoitecer.
E depois fazem um jantar muito leve, e nada de carne, nem manteiga ou
queijo, nada produzido com animais. Para os cristãos a quaresma são uns
47 dias, porque o domingo não conta como jejum.
ZENIT: Então, existe um significado muito semelhante?
- Padre Samir: Sim, é muito parecido, uma penitência que é feita para
purificar-se, e normalmente a tradição espiritual muçulmana convida os
fieis a utilizar a noite para meditar o Corão. Na verdade poucas pessoas
do povo o fazem, só alguns ímãs sufis, que correspondem aos místicos.
Para os muçulmanos e os cristãos, mas também para os judeus e outras
religiões, é um tempo para estar cada vez mais perto dos pobres e dos
sofredores. A diferença com o jejum cristão é que no Ramadã come-se mais
do que em qualquer outro período do ano, e é um período festivo. Em
certo sentido, pode-se dizer que de tarde se recupera o que não se pode
comer durante o dia, também quando vai dormir ou meia noite ou às duas
da manhã. Este é o costume normal dos muçulmanos nos países árabes que
conheço.
ZENIT: Os Muçulmanos veem a religião como uma mensagem de paz?
- Padre Samir: No Alcorão existem fragmentos que falam de paz e
outros que falam de guerra, contra os inimigos da fé. Contra os
incrédulos, o Alcorão diz: sejam rápidos e matem-nos onde os
encontrarem” "(Alcorão 4, 89) e"sejam rápidos e matem-nos no local onde
os encontrem” (Alcorão 4, 91).
Segundo a tradição, na segunda parte de sua vida, entre 622 e 632,
data de sua morte, Maomé fez uns sessenta ataques contra as caravanas,
de saques (a palavra vem do árabe Ghazwa) por várias razões. O Alcorão
também diz aos muçulmanos: "Vocês têm no Mensageiro de deus um modelo
perfeito (Uswatun hasanatun)" (33,21).
A razão para essa violência é variada: de um lado pode ser a de
garantir a sobrevivência, ou roubar, ou para comprar escravos e
escravas, etc. Em uma palavra: pela pilhagem. Portanto, foi ‘revelado’ a
Maomé o capítulo 8, chamado de "A pilhagem” (al-Anfal), pelo qual Deus
revela ao Seu mensageiro que tem direito ao quinto de todo o espólio na
primeira eleição! (Alcorão 8, 41). Os ataques podem ser destinados à
conversão das tribos árabes que não acreditaram no único Deus.
Temos duas biografias muçulmanas de Maomé escritas por volta do 750:
uma se intitula a biografia do Profeta (al-Sīrah al-Nabawiyyah) de Ibn
Ishaq, e a outra O Livro dos saques (Kitab al-Maghazi) de al-Waqidi,
onde descreve uns sessenta. Não é possível dizer que o Islã não conheça a
guerra e não convide para a guerra. Mas não é possível dizer que o Islã
seja somente guerra. Existe um e outro, de acordo com o momento da vida
de Maomé.
E este é um dos grandes problemas dos nossos irmãos muçulmanos.
Porque é fácil para alguns dizer que o Islã é uma religião de guerra,
para converter todos para a única e verdadeira religião dentre as três
reveladas (judaísmo, cristianismo e islamismo) e fazer a guerra em nome
disso. Infelizmente vemos com o ISIS, com o Boko Haram, com o Al-Qaeda, e
com muitos outros.
ZENIT: Mas o que a maioria dos muçulmanos acha?
- Padre Samir: Eu acho que a maioria dos muçulmanos não concorda com
esta guerra. Não que excluam qualquer guerra; alguns dirão que pode se
fazer somente uma guerra preventiva. Nunca os textos propõem também
guerras agressivas. De fato, o califa Abu Bakr, o primeiro sucessor de
Maomé, logo após sua morte, decidiu fazer as guerras que nós chamamos em
Árabe «ḥurūb ar-riddah», as guerras para trazer de volta aqueles que
tinham se distanciado do pacto com os muçulmanos dentro do Islã
Portanto, isso cria problemas, porque cada um pode reivindicar uma
citação baseada tanto no Alcorão, como nos fatos de Maomé, ou nos
provérbios (i Hadith) de Maomé.
ZENIT: Então?
- Padre Samir. O Islã precisa de uma reforma profunda, e isso é dito
por muitos muçulmanos. Recentemente, o presidente do Egito, Abd
al-Fattah al-Sissi, em seu famoso discurso do 28 de dezembro de 2014,
retomado mais fortemente o 11 de janeiro de 2015, no Cairo, pronunciou
na frente de centenas de ímãs da universidade islâmica mais famosa do
mundo, Al-Azhar, disse:: "Devemos fazer uma revolução no Islã para
interpretar corretamente o Corão e a tradição".
ZENIT: Ou seja, dar o contexto histórico ...
- Padre Samir. A guerra não resolverá nada, porque amanhã virão
outros para fazê-la. O problema é repensar o Islã e dizer: é verdade que
o profeta fez guerras, é verdade que o Corão tem passagens que são, não
só defensivas, mas também agressivas, é verdade que o Alcorão convida a
fazer a guerra contra aqueles que não acreditam no Deus verdadeiro. Mas
isso foi no século VII, em uma tradição beduína, onde os ataques a
caravanas e as guerras estavam muito generalizadas.
ZENIT: Para nós serve com a Bíblia...
- Padre Samir: No Antigo Testamento temos passagens nas quais Deus
incita a guerra através de Moisés, seu profeta, (Deuteronômio 20, 10-14)
ou a terrível passagem da conquista da Terra Santa, em Josué 11, 16-
20. Mas a maioria de nossos irmãos judeus não vê isso como ipsis
litteris, e dizem "este é um fato histórico de três mil anos atrás".
E Cristo, não só não retomou esses discursos bélicos, mas mandou o
contrário: “Ouvistes que foi dito: 'Amarás o seu próximo' e odiarás seu
inimigo. Mas eu vos digo: Amai os vossos inimigos, orai pelos que vos
perseguem; assim sereis filhos do Pai que está nos céus; porque ele faz
nascer o sol sobre maus e bons e faz cair a chuva sobre justos e
injustos. Se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa
mereceis? Não fazem o mesmo os publicanos? E se cumprimentais somente os
vossos irmãos, o que fazeis de extraordinário? Não fazem o mesmo os
pagãos? Portanto, sede perfeitos como é perfeito o Pai que está no céu”.
(Mateus 5, 43-48).
Ou: " Digo-vos a vós que me ouvis: amai os vossos inimigos, fazei bem
aos que vos odeiam, abençoai os que vos maldizem e orai pelos que vos
injuriam. Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra. E ao
que te tirar a capa, não impeças de levar também a túnica.
Dá a todo o que te pedir; e ao que tomar o que é teu, não lho
reclames. O que quereis que os homens vos façam, fazei-o também a
eles."(Lucas 6: 27-31). Existem dezenas de outros textos que convidam
não apenas para a violência, mas a destruir a violência aceitando-a.
ZENIT: Nota-se intenções de mudanças ou as declarações contra as violências são de ocasião?
- Padre Samir: Muitos muçulmanos enxergam e fazem um apelo em favor
dessa mudança profunda de atitude. Muitos dos intelectuais o dizem
abertamente, mas são vistos como influenciados pelo ocidente. Eu estou
convencido de que muitos muçulmanos são a favor de não usar a violência
em nome de Deus, mas não se atrevem a dizê-lo e os ímãs estão quase
bloqueados, não se atrevem a dizer uma palavra corajosa.
ZENIT: E nesta situação de violência e guerra no Oriente Médio?
- Padre Samir: Esta guerra horrenda é fundada sobre o fanatismo
religioso, e é apoiada e mantida graças aos petrodólares da Arábia e às
armas ocidentais. O dinheiro vem principalmente da Arábia Saudita e do
Qatar. As armas da Europa e dos Estados Unidos (e para os xiitas do
Irã), passando pela Turquia. O dinheiro é usado para adquirir armas e
para pagar e incentivar os jihadistas. Afinal de contas, muitas nações
estão se aproveitando dessa guerra que está destruindo o Oriente Médio
e, acima de tudo, estas guerras estão matando dezenas de milhares de
famílias.
A causa disso tudo é ideológica, uma forma ideológica islâmica,
radical, que decreta que quem não pensa e praica um certo tipo de
islâmico deve ser eliminado. Em árabe, se denomina takfir, ou seja,
declarar que o outro é kafir, incrédulo. Com base na tradição islâmica
(incluindo o Alcorão), o kafir deve ser eliminado. Este pensamento
remonta a 14 séculos atrás e tornou-se cada vez mais generalizado em
certos ambientes ao longo dos últimos 40 -50 anos (mesmo que remonte a
antes), tomando como modelo o pensamento da Arábia do século VII.
ZENIT: Qual ponto importante deveriam enfatizar?
- Padre Samir: Que os muçulmanos são nossos irmãos, como os judeus,
como os ateus ou descrentes. Todos, cada ser humano é meu irmão, mesmo
que eu não compartilhe sua visão. Vimos nos jornais estes dias que o
ISIS atacou uma mesquita do Iêmen do sul, onde morreram umas trinta
pessoas. Se matam também entre si, porque consideram que quem não pensa
como eles é um descrente e deve ser assassinado.
A única resposta a esta ideologia é a do Evangelho, a da fraternidade universal, em termos leigos, a do humanismo.
ZENIT: A oração organizada pelo Papa Francisco no Vaticano teve um impacto?
- Padre Samir: Teve essa finalidade, embora foi manipulada pelo ímã
que veio de Jerusalém e recitou um versículo do Alcorão interpretado
como um verso agressivo, que não estava previsto no texto.
Mahmoud Abbas e o presidente Shimon Peres, que estavam presentes,
certamente buscam a paz como muitas pessoas, tanto em Israel e quanto no
mundo árabe.
É hora de deixar a idéia de vingança e de guerra. A prova é que a
guerra e a violência não resolvem os problemas, mas, pelo contrário,
criam mais problemas e são fonte de novas violências.
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Fonte: Roma,
(ZENIT.org)
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