Luc-Ferry, ex-ministro da Educação da França e filósofo.
Crítico
da esquerda e da direita, o filósofo Luc Ferry é tão popular quanto controverso.
Carrega em sua biografia a autoria da lei que proibiu o seu uso do véu nas
escolas francesas, na época em que era ministro da Educação do governo de
Jaques Chirac, entre 2002 e 2004. Nos vários livros que publicou, na França e
no exterior, sua reflexão se estende a questões que vão do amor à sabedoria,
dos mitos gregos ao cristianismo.
Em
setembro, Ferry estará em Salvador para participar do seminário Fronteiras do
Pensamento, com palestra que terá por tema seu livro mais recente: “A Inovação
Destruidora – Ensaios Sobre a Lógica das Sociedades Modernas ( Ediora Objetiva,
120 páginas, R$ 29,90). Neste entrevista ao VALOR, ele fala das transformações
trazidas pela era da inovação acelerada.
Valor:
Além dos avanços tecnológicos, o senhor diz que a “inovação destruidora”, se
sente à transformação de valore familiares e ao casamento gay. No que mais ela
se exprime?
Luc
Ferry: A lógica do capitalismo é da
inovação permanente. Veja nossos “smartphones”, nossos carros e computadores.
Tudo é organizado para tornar tudo obsoleto e “démodé”. Mas não é só no domínio
econômico e das mercadorias que se aplica a lógica da inovação destruidora. A
própria ideia de casamento gay era impensável para nossos avós, assim como o
fato de que uma mulher fosse almirante da Marinha francesa. A mesma lógica se
estende à moda e à arte que nomeamos “contemporânea”. As estratégias de artistas como Jeff Koons ou
Damien Hirst são idênticas às de um Steve Jobs ( 1955-2011). Isso explica o
fato de os artistas serem “de esquerda” , apesar de os compradores – grandes
capitães da indústria, banqueiros e yuppies serem mais de direita, compatíveis
com a figura do “bobo”, que reconcilia burgueses e boêmios, sob a égide da
inovação destruidora. Enfim, a lógica tecnológica se desenvolve de forma
exponencial e muda o mundo nos domínios mais diversos: da medicina à
informática, dos e-turismo ao consumo de massas.
Valor:
O senhor diz que, diferentemente do discurso anticapitalista, foi a economia
liberal que tirou as massas da miséria. Atualmente, esse projeto não está
perdendo vigor?
Luc
Ferry: Não foi o capitalismo que mergulhou a humanidade na miséria, mas quem a
tirou. Além do mais, todos os países que estavam excluídos dele agora tentam
entrar e pegar sua fatia do bolo. Deixemos os capitalistas buscar e produzir a
riqueza e até mesmo a partilhar melhor. O problema da velha esquerda é que
nunca compreendeu que para dividir é preciso, primeiro produzir. Substituir
capitalistas por funcionários só servirá para espantar os ricos e apavorar os
pobres. O debate direita/esquerda reencontrará sua nobreza e legitimidade
quando republicanos de direita e de esquerda passarem a lutar por questões como
equidade, distribuição de riquezas, fiscalização e educação, em vez de
discutirem sobre a produção.
Valor:
Quanto menos cultivamos valores culturais e espirituais mais nos vivenciamos o
consumo? Se o mundo perdeu o sentido que lhe dávamos no curso da história, para
onde iremos?
Ferry:
As coisas não são tão simples como dizemos, nem as sociedades modernas sem espiritualidade
e voltadas apenas à lógica do consumo. O que vivemos não é a liquidação do
sagrado nem o eclipse dos valores, mas encarnação deles sob uma nova face.
Pergunta-se honestamente: o que você considera sagrado ou digno de sacrifício?
Resposta para a maioria de nós: o mais sagrado é o homem. Graças ao
liberalismo, tão criticado, vivemos uma nova face do humanismo que não é mais o
de Voltaire e Kant, dos direitos humanos e da razão, ou do Iluminismo, que foi
portador de um vasto projeto de emancipação, mas que, por contraste, também
levou ao imperialismo e à colonização. Agora se trata de um humanismo
pós-colonial, e pós-metafísico, do humanismo da transcendência e do amor.
Precisaremos de novas categorias filosóficas para pensar nas armadilhas e nas
esperanças.
Valor:
A velha Europa tem medo de tudo, pelo que o senhor diz. Medo do sexo, do álcool
e do fumo. Mas esses e muitos outros medos – com o da guerra – não são
ancestrais?
Ferry:
De fato, temos medo de tudo. Do sexo, do álcool, do tabaco, da velocidade dos
carros, do aquecimento climático, dos transgênicos, das micro-ondas, do islã,
da globalização, das nanotecnologias, do buraco na camada de ozônio, para citar
só os maiores. A novidade é que essa proliferação de medos vem acompanhada de
uma desculpabilização, embora ainda considerada vergonhosa e infantil. Na minha
infância, o medo era considerado um mau conselheiro. Na época, torna-se uma
“grande pessoa” era ter coragem de afrontar os temores. Hoje, sob a influência
da ideologias ecológicas e pacifistas oriundas do Norte da Europa, o medo mudou
de status. Não é mais considerado um sinal pueril, mas, ao contrário, como o
primeiro passo para a sabedoria e entendido como um princípio de precaução. Sejamos
claros: quando a fobia nos assola, não fazemos nada, toda a reflexão sensata se
esvai e dá lugar à estupidez. O sábio é o contrário. É aquele que, como
Ulysses, superou seus medos e se encontra em situação para amar e pensar
livremente, capaz de usar sua inteligência e de ser aberto.
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Reportagem Por Maria da Paz Trefaut/ para o Valor, de são Paulo.
Fonte:
Valor Econômico online, 12/06/2015
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