sexta-feira, 12 de junho de 2015

“GRAÇAS AO LIBERALISMO, VIVEMOS UM NOVO HUMANISMO”

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 Luc-Ferry, ex-ministro da Educação da França e filósofo.

Crítico da esquerda e da direita, o filósofo Luc Ferry é tão popular quanto controverso. Carrega em sua biografia a autoria da lei que proibiu o seu uso do véu nas escolas francesas, na época em que era ministro da Educação do governo de Jaques Chirac, entre 2002 e 2004. Nos vários livros que publicou, na França e no exterior, sua reflexão se estende a questões que vão do amor à sabedoria, dos mitos gregos ao cristianismo.

Em setembro, Ferry estará em Salvador para participar do seminário Fronteiras do Pensamento, com palestra que terá por tema seu livro mais recente: “A Inovação Destruidora – Ensaios Sobre a Lógica das Sociedades Modernas ( Ediora Objetiva, 120 páginas, R$ 29,90). Neste entrevista ao VALOR, ele fala das transformações trazidas pela era da inovação acelerada.

Valor: Além dos avanços tecnológicos, o senhor diz que a “inovação destruidora”, se sente à transformação de valore familiares e ao casamento gay. No que mais ela se exprime?
Luc Ferry:  A lógica do capitalismo é da inovação permanente. Veja nossos “smartphones”, nossos carros e computadores. Tudo é organizado para tornar tudo obsoleto e “démodé”. Mas não é só no domínio econômico e das mercadorias que se aplica a lógica da inovação destruidora. A própria ideia de casamento gay era impensável para nossos avós, assim como o fato de que uma mulher fosse almirante da Marinha francesa. A mesma lógica se estende à moda e à arte que nomeamos “contemporânea”.  As estratégias de artistas como Jeff Koons ou Damien Hirst são idênticas às de um Steve Jobs ( 1955-2011). Isso explica o fato de os artistas serem “de esquerda” , apesar de os compradores – grandes capitães da indústria, banqueiros e yuppies serem mais de direita, compatíveis com a figura do “bobo”, que reconcilia burgueses e boêmios, sob a égide da inovação destruidora. Enfim, a lógica tecnológica se desenvolve de forma exponencial e muda o mundo nos domínios mais diversos: da medicina à informática, dos e-turismo ao consumo de massas.

Valor: O senhor diz que, diferentemente do discurso anticapitalista, foi a economia liberal que tirou as massas da miséria. Atualmente, esse projeto não está perdendo vigor?
Luc Ferry: Não foi o capitalismo que mergulhou a humanidade na miséria, mas quem a tirou. Além do mais, todos os países que estavam excluídos dele agora tentam entrar e pegar sua fatia do bolo. Deixemos os capitalistas buscar e produzir a riqueza e até mesmo a partilhar melhor. O problema da velha esquerda é que nunca compreendeu que para dividir é preciso, primeiro produzir. Substituir capitalistas por funcionários só servirá para espantar os ricos e apavorar os pobres. O debate direita/esquerda reencontrará sua nobreza e legitimidade quando republicanos de direita e de esquerda passarem a lutar por questões como equidade, distribuição de riquezas, fiscalização e educação, em vez de discutirem sobre a produção.

Valor: Quanto menos cultivamos valores culturais e espirituais mais nos vivenciamos o consumo? Se o mundo perdeu o sentido que lhe dávamos no curso da história, para onde iremos?

Ferry: As coisas não são tão simples como dizemos, nem as sociedades modernas sem espiritualidade e voltadas apenas à lógica do consumo. O que vivemos não é a liquidação do sagrado nem o eclipse dos valores, mas encarnação deles sob uma nova face. Pergunta-se honestamente: o que você considera sagrado ou digno de sacrifício? Resposta para a maioria de nós: o mais sagrado é o homem. Graças ao liberalismo, tão criticado, vivemos uma nova face do humanismo que não é mais o de Voltaire e Kant, dos direitos humanos e da razão, ou do Iluminismo, que foi portador de um vasto projeto de emancipação, mas que, por contraste, também levou ao imperialismo e à colonização. Agora se trata de um humanismo pós-colonial, e pós-metafísico, do humanismo da transcendência e do amor. Precisaremos de novas categorias filosóficas para pensar nas armadilhas e nas esperanças.

Valor: A velha Europa tem medo de tudo, pelo que o senhor diz. Medo do sexo, do álcool e do fumo. Mas esses e muitos outros medos – com o da guerra – não são ancestrais?
Ferry: De fato, temos medo de tudo. Do sexo, do álcool, do tabaco, da velocidade dos carros, do aquecimento climático, dos transgênicos, das micro-ondas, do islã, da globalização, das nanotecnologias, do buraco na camada de ozônio, para citar só os maiores. A novidade é que essa proliferação de medos vem acompanhada de uma desculpabilização, embora ainda considerada vergonhosa e infantil. Na minha infância, o medo era considerado um mau conselheiro. Na época, torna-se uma “grande pessoa” era ter coragem de afrontar os temores. Hoje, sob a influência da ideologias ecológicas e pacifistas oriundas do Norte da Europa, o medo mudou de status. Não é mais considerado um sinal pueril, mas, ao contrário, como o primeiro passo para a sabedoria e entendido como um princípio de precaução. Sejamos claros: quando a fobia nos assola, não fazemos nada, toda a reflexão sensata se esvai e dá lugar à estupidez. O sábio é o contrário. É aquele que, como Ulysses, superou seus medos e se encontra em situação para amar e pensar livremente, capaz de usar sua inteligência e de ser aberto.
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Reportagem Por Maria da Paz Trefaut/ para o Valor, de são Paulo.

Fonte: Valor Econômico online, 12/06/2015

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