quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Calvino contra Obama

Voltaire Schilling*
“Deus eterno, que é conhecedor do escondido...
sabe absolutamente de antemão que os bons haverão
de ser bons por sua graça e...
haverão de receber os prêmios eternos e
previu que os maus haveriam de ser maus
por sua própria malícia e haveria de condená-los
com o castigo eterno da justiça.
-Concílio de Valence, 855-
Quem deveria habitar o Reino dos Céus? Para Cristo, a resposta era clara: “os pobres de espírito”, os até então deserdados da terra veriam que as portas celestiais se abririam para eles desde que, entre outros quesitos, reconhecessem a indiscutível soberania do Senhor. Os ricos, ao revés, estavam de antemão banidos. Como ele demonstrou na parábola do camelo e da agulha, era impossível a alguém endinheirado chegar ao patamar divino.
Foi exatamente contra isto que Jean Calvino, o famoso reformador de Genebra – cidade suíça na qual instaurou uma República teocrática em 1536 e cujo quinto centenário do nascimento registrou-se neste ano de 2009 –, se revoltou. Não lhe pareceu lógico que Deus concedesse a um indivíduo em vida todas as facilidade possíveis (bom posicionamento social, sucesso profissional, excelência matrimonial e bem-estar material) para depois jogar a alma dele nas profundezas perversas do inferno, condenando-a a suplícios atrozes. E como aceitar como pertinente a esta estranha lógica divina que indivíduos que nada contribuíam para a riqueza social, que em geral eram um estorvo, materialmente miseráveis vivendo de esmolas e da caridade pública, intelectualmente limitados, fossem herdar a melhor parte do céu? Havia algo de errado nesta proposição vinda dos Evangelhos.
Para Calvino, dava-se o contrário. Pela sua Doutrina da Predestinação, inserida no seu Instituto da Religião Cristã, livro que se tornou o catecismo do calvinismo militante, também de 1536, estar bem na vida, próspero e feliz, já era um sinal evidente de que Deus estava reservando para aquela pessoa uma situação melhor ainda no Além. Na teologia de Calvino, invertia-se o propósito de Jesus Cristo: quem alcançava o Reino dos Céus eram os bem situados.
Quando os “Pais Fundadores” dos Estados Unidos da América emigraram para o Novo Mundo nos começos do século 17, trouxeram com eles a Doutrina da Predestinação de Calvino e a concepção da divisão da sociedade entre os winners (os vencedores, isto é, os predestinados por Deus) e os losers (os perdedores, os que estavam marcados para o fracasso). Para eles, a pobreza era um estigma, um sinal evidente de que o Senhor havia abandonado os malsucedidos na vida, sendo um absurdo supor as almas deles, dos “perdedores”, bem acomodadas no Outro Mundo. De fato, o lugar deles estava reservado era no inferno.
*Historiador
Postado na ZH, 06/10/2009

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