quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O rei que não gostava de dançarinas

DAVID COIMBRA*


Tenho dois elevados motivos para escrever agora sobre o rei Ludwig II, além do de narrar sua singular história. Poderia discorrer sobre o avô dele, Ludwig I, e talvez até devesse. Era um pândego, o velho Ludwig. Apaixonou-se pela fogosa dançarina espanhola Lola Montez, e por ela perdeu sua fortuna e seu reino. Um homem que é arruinado por uma mulher merece respeito – trata-se de um homem movido por valores sólidos.
Ludwig II, como o avô, tornou-se rei da Baviera, abençoado estado da Alemanha que inventou a Oktoberfest e a cerveja Paulaner. Mas, ao contrário do avô, não era um apreciador de dançarinas, nem de bailarinas, nem de quaisquer fêmeas da espécie. O jovem Ludwig gostava era de rapagões espadaúdos. Um deles em especial, certo escudeiro com quem manteve relacionamento bastante amistoso por mais de duas décadas. Quando esse escudeiro se casou (com uma mulher), o rei confessou a amigos que o casamento estava-lhe sendo mais doloroso do que a Guerra Franco-Prussiana.
Mas ninguém recebeu tanto amor do rei quanto um homem mais velho: o compositor Richard Wagner. Ludwig protegeu Wagner, quitou-lhe as contas, deu-lhe uma casa onde morar, inaugurou um teatro para representar as óperas de sua autoria e escrevia-lhe cartas abrasadoras, como se estivesse se correspondendo com uma amante. Tipo:
“Inquebrantável é o laço que nos une. Firme, sagrado, eterno e profundamente encantador o amor que por ti arde na minha alma”.
O rei era homossexual, óbvio. Porém, é provável que não tenha perdido a virgindade durante seus parcos 41 anos de vida. Chegou a anunciar o casamento com uma linda priminha, mas desistiu pouco antes da cerimônia, alegando que preferia se afogar num lago dos Alpes a partilhar o leito com uma mulher.
Ludwig sublimou sua repressão sexual de uma forma que só um rei pode fazer: construindo castelos. Consumiu todos os marcos do tesouro real erguendo castelos em meio às nuvens do alto das montanhas da Baviera. São construções de questionável gosto arquitetônico, mas de inegável imaginação infantil, o que é um mérito, afinal, toda imaginação é infantil. Hoje, mais de 120 anos depois da morte de Ludwig, seus castelos encantam o mundo. Um deles tornou-se célebre ao servir de modelo para a Disney criar o castelo da bruxa arqui-inimiga da Cinderela.
Construir castelos nababescos não foi o suficiente para aplacar as angústias do rei. Aos poucos ele foi se isolando do mundo. Dormia durante o dia e acordava à meia-noite para cavalgar pelos campos reais. Abraçava ternamente certa coluna de certo castelo, conversava com determinada árvore de determinada floresta, ouvia vozes. Lideranças alemãs cogitaram de declará-lo impedido de governar, mas teriam que passar a coroa para seu irmão mais novo, Otto, e Otto vinha se comportando de maneira ainda mais estranha do que Ludwig nos últimos dias: vez em quando, o príncipe Otto latia para as visitas.
A solução foi transferir o governo para um tio de Ludwig que era mais velho, não falava com árvores e não latia nem rosnava. Um psiquiatra diagnosticou que o rei estava perturbado e Ludwig foi aprisionado em seu próprio castelo. Um dia, ele e o psiquiatra passeavam pelos jardins e não mais retornaram. Depois de horas de buscas, os corpos de ambos foram encontrados num lago das imediações. Ludwig morreu afogado; o psiquiatra tinha marcas de ter sido agredido. Ninguém jamais descobriu o que aconteceu. Ludwig foi um mistério até na hora da morte.
Eis o resumo da vida de Ludwig II. Fi-lo por dois motivos, como já disse. O primeiro é pelo imeil que recebi de uma leitora, e que reproduzo abaixo:
“Sou sua leitora, ou leitorinha, como costuma definir. Leio o blog, livros, adoro as historias da Jô. Hoje, dia 3 de outubro, assisti ao Café TVCOM. Me encantei com a história que tu tentaste contar sobre o rei Ludwig II, da Baviera. Peço, humildemente, que faças uma crônica sobre esse rei, pois achei interessante demais a história dele. Usando da psicologia benéfica, argumento que já morei no IAPI e foram os anos mais felizes da minha vida. Se não adiantar, confesso que estou partindo para uma jornada de radioterapia e quimioterapia, após a retirada de um nódulo na mama esquerda. Chantagem emocional maior que essa acho que não há.
Silvia Kuchta”
Sou sensível a chantagens emocionais, como se vê. Mas o segundo motivo pode ser comportado nas páginas esportivas. É que, como se percebe pela história de Ludwig, o problema não é o país ter dinheiro; o problema é como o gasta. Na Baviera de Ludwig não havia corrupção, mas o rei dissipava os fundos do tesouro em castelos de sonho. Antes que sejam dissipados em ginásios, estádios, metrôs, avenidas, estacionamentos e segurança pública. Sou a favor da realização da Olimpíada no Rio.
*Cronista da ZH. Postado em 06/10/2009

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