Editorial
É INUSITADA a comparação proposta pelo filósofo Daniel Dennett entre ateus e homossexuais nos Estados Unidos. Segundo o professor da Universidade Tufts, em algumas regiões de seu país é hoje tão difícil se declarar descrente quanto já foi, no passado, assumir uma identidade gay.
"Ainda há enormes áreas do país onde, se você disser que não acredita em Deus, vai perder seus amigos, seu negócio", afirmou o norte-americano em entrevista à Folha. "Os ateus estão mais ou menos na mesma posição em que estavam os homossexuais nos anos 50."
Aquilo que a princípio parece um exagero ganha contornos verossímeis quando se leva em conta a disputa particular entre ateus e criacionistas nos EUA.
Diferentemente da maioria dos países europeus e do Brasil, é expressiva -e militante- a parcela da população americana que toma as escrituras sagradas ao pé da letra. Estima-se em 45% a fração dos que repelem a explicação evolutiva proposta por Darwin para a existência de diferentes espécies biológicas.
O problema é que, na principal democracia do mundo, a beligerância de opiniões radicalize-se a ponto de cercear a livre manifestação de ideias.
Mas o fundamentalismo cristão não age sozinho contra a preservação do desejável clima de tolerância. Também a reação de alguns ateus, como Dennett, às vezes aproxima-se do dogmatismo religioso.
Militantes da descrença exageram ao negar a possibilidade de conciliação entre fé e razão científica -dimensões diferentes da consciência humana. Ao agir como seus antípodas, os fanáticos do ateísmo exigem do público a adesão irrestrita a um dos lados em disputa, sem margem para dúvidas ou ceticismo.
Parecem esquecer que a crença coletiva em verdades incontestáveis, sejam elas reveladas ou "descobertas", termina por marginalizar -quando não por oprimir- quem as questione.
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Fonte: Editorial - Folha online, 11/05/2010
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