Timothy Radcliffe*
Paradoxalmente, é o Diabo quem leva Jesus ao Templo! Deus se revela nas experiências humanas comuns do afeto e do prazer.
Na sua Piccola mistica del dialogo [Pequena mística do diálogo] (Ed. Castelvecchi, 108 páginas), Alberto Fabio Ambrosio,
dominicano estudioso do sufismo otomano, encontra Deus nas experiências
de vida comuns: quando caminha pela rua ouvindo o seu walkman, quando
está sentado no ônibus e observa os outros passageiros, quando se
encontra diante de um balão amarelo enquanto está correndo na rua,
quando fala com os amigos ou sente a sua falta.
Ele luta contra a tendência humana de conter Deus encerrando-o em um
mundo religioso, onde possa ser controlado. Quando, no batismo,
derrama-se o Espírito Santo sobre Jesus, isso não é realizado em um
lugar "sagrado", mas sim em um vale desolado.
Paradoxalmente, é o Diabo quem leva Jesus ao Templo! Deus se revela nas experiências humanas comuns do afeto e do prazer. O primeiro romance da escritora indiana Arundhati Roy intitulava-se O Deus das pequenas coisas.
Toda espiritualidade digna do seu nome nos liberta da tirania que nos
impõe impressionar e a sermos grandes, porque a grandeza de Deus
consiste justamente no cuidado que Ele dedica às coisas mais pequenas,
na sua presença nos detalhes menos significativos.
Ambrosio fala de uma mística das margens. As pessoas mais "espirituais" que eu já conheci sempre buscaram a Deus nas margens.
Jean Vanier, fundador da comunidade de L'Arche, buscava a Deus no mundo da deficiência; a Madre Teresa buscava a Deus entre os moribundos pelas ruas de Calcutá. Santa Teresa de Lisieux queria estar perto dos ateus e beber do seu cálice de dor.
Todos os grandes escritores espirituais de todas as tradições sabem que, em Deus, o centro e a margem são a mesma coisa. Quando Thomas Merton finalmente decidiu se tornar católico, ele escreveu, citando Alan de Lille:
"Deus, cujo centro está em toda parte e a circunferência em nenhum
lugar, está me buscando. E ele me chamou das suas imensas
profundidades".
Os cristãos veem isso na tentativa de Jesus de se
voltar a todos os marginalizados, aos rejeitados, aos pecadores, às
prostitutas e aos leprosos. São estes que Ele colocou no centro.
Ambrosio narra magnificamente a partir da margem
inter-religiosa. O seu amor pelo sufismo é radiante. Até a sua
celebração da Eucaristia é enriquecida pela tradição sufi da dança, com
os seus belos gestos e movimentos. Rûmi
nos convida a ouvir juntos, a compartilhar um silêncio em que esperamos
uma palavra de Deus que nós todos buscamos e que nos busca com infinita
paciência.
Alegramo-nos aqui em uma comunhão que não nega as diferenças, mas nos
envolve em um nível mais profundo, que transcende todas as palavras.
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*O comentário é do teólogo dominicano inglês Timothy Radcliffe, ex-mestre-geral da Ordem dos Pregadores, em artigo publicado no jornal Avvenire, 07-12-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU online, 09/12/2014
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