Juremir Machado da Siva*
Quando tudo passa a ter uma idade, comemorativa ou nostálgica, é que o tempo passou.
Tudo, no caso, é o que faz sentido para alguém. Sentido é o que
provoca saudades do que não se teve. O tempo, como ensinou ou sugeriu
Albert Einstein, é relativo. O cientista não se referiu, porém, à
relatividade afetiva do tempo. Quanto mais distante, mais perto. Quais
mais amarelado, mais vivo. Os jornais do mundo inteiro publicaram neste
ano manchetes como estas: “Brigitte Bardot faz 80 anos”, “Sophia Loren
chega aos 80 anos”, “E o vento levou completa 75 anos”.
Brigitte Bardot mandou recentemente uma carta ao prefeito de Búzios e
aos organizadores da mostra de cinema Búzios – França com uma frase
contundente: “Foi nessa pequena cidade perdida e desconhecida que eu fui
mais feliz”. O tempo tem dessas coisas. Faz pensar no momento exato em
que a felicidade esteve presente. Só os infelizes creem na possibilidade
da felicidade permanente. Há momentos estranhos de felicidade. Eu fui
muito feliz nos meus primeiros tempos de Porto Alegre. Morava com meus
primos no Sarandi. Não tinha dinheiro para coisa alguma. Mas guardo do
Sarandi uma lembrança suave e, cada vez mais, agradável. O Sarandi não é
Búzios? Não tinha percebido. Eu também não sou Bardot.
A eterna musa de uma época gosta do nosso país: “Tenho um grande amor
pelo Brasil e pelos brasileiros, sou como eles, gosto de dançar,
cantar, gosto do sol, do mar e mais que tudo gosto dos animais, não
esqueçam disso”. Não sou patriota. Tanto se me dá se Brigitte Bardot ama
o Brasil. O que me toca mesmo na sua declaração é o amor por dançar,
cantar, pelo sol, pelo mar e pelos animais. O que o vento leva é sempre o
tempo, a juventude, a beleza, os lindos dias de mar, dança e cantorias.
Como assim? O mar, o sol, as danças e canções estão sempre aí. Sim e
não. Começam a ficar para trás, que é uma maneira de não sair da frente.
Brigitte encontrou nos animais os amigos que sempre procurou e quase
nunca achou. Ela tem razão de dizer que os bichos são as grandes vítimas
dos homens.
O tempo, essa obsessão dos filósofos e dos poetas, finca as suas
garras num imaginário quando a gente entra na idade das coisas. Eu faço
parte dos que começaram a vida de jornalista na idade das máquinas de
escrever e chegaram a transmitir textos por telex. Sou tão novo e tão
velho. Uma criança, diante da máquina de escrever sendo usada para uma
demonstração, exclamou perplexa:
– Já vem com a impressora.
Era uma vez uma época em que Brigitte Bardot andava nua na costa
brasileira e um ar de bossa nova embalava o país apesar dos seus velhos e
autoritários fantasmas. A Bossa Nova já fez 50 anos. O golpe
midiático-civil-militar de 1964 completou seu meio século em 2014.
Coisas e homens sempre fizeram aniversário. Eu é que não notava. Era
jovem demais para pensar na passagem no tempo e na idade das coisas.
Tinha certeza de que minha Monark verde era eterna. A comédia musical
“Um americano em Paris”, que estreou na França há uma semana, me fez
acordar.
O célebre filme de Vincent Minelli vai fazer 64 anos.
---------------------
* Escritor. Sociólogo.
Fonte: Correio do Povo online, 07/12/2014
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário