sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Michel Houellebecq à espera do Nobel

JUREMIR MACHADO DA SILVA*

 

 “Sou um grande poeta, mas não há mais espaço para a poesia em nosso mundo”.

Fomos visitar Michel Houellebecq no seu apartamento num dos mais asiáticos bairros de Paris. Ele mora no 12º andar de um dos edifícios mais altos da cidade. Excêntrico, estranho e mordazmente irônico, Michel recebeu-nos, na companhia da sua jovem e bonita companheira, de pijama. Tido por muitos, apesar dos prêmios Nobel recentes de Jean-Marie Le Clézio e Patrick Modiano, como o mais importante e genial escritor francês das últimas décadas, Houellebecq não esconde que se considera o mais provável próximo Nobel da literatura do seu país. Só acha que isso pode demorar uns 20 anos. Enquanto isso não chega, vai lançar, em janeiro de 2015, o seu novo romance. “Vou botar fogo na França”, promete. Multimídia, ele encarnou a si mesmo no filme “O sequestro de Michel Houellebecq. Fotógrafo, chama a atenção com uma exposição no popularíssimo bairro de Ménilmontant. Cantor e poeta, ele não se faz do modesto: “Sou um grande poeta, mas não há mais espaço para a poesia em nosso mundo”. Ganhador do mais prestigioso prêmio francês, o Goncourt, por “A carta e o território” (publicado no Brasil pela Record), Houellebecq ficou famoso com “Extensão do domínio da luta” e “Partículas elementares” (Sulina).

Os franceses contam os dias para a chegada do livro que vai sacudir o inverno e aquecer mais polêmicas em torno do mais maldito e provocativo dos escritores do século XXI.

Caderno de Sábado – Ainda há um lugar para a literatura num mundo dominado pela imagem e pelos objetos?
Michel Houellebecq – Sim, ainda há espaço para a literatura. Ao menos, num país como a França. É claro que isso depende de cada país. Na França, a literatura vai bem. Huuummm… Não, aqui as pessoas ainda leem. Pode parecer até bizarro, mas há grande interesse por livros. Talvez seja culpa do inverno ou do nosso atraso em outros setores. A verdade é que escrever livros ainda dá prestígio, dinheiro e influência entre nós. Ainda bem.

CS – Quem lê? Para que serve a literatura num mundo materialista, consumista e sem grandes ideias?
Houellebecq – Huummm… A literatura serve para cada leitor ver o mundo expresso em palavras sem que cada um esteja diretamente implicado. É como ver o mundo de fora estando dentro dele. Pode-se mergulhar num turbilhão sem arriscar a própria vida. Dá uma sensação de vertigem e de conforto ao mesmo tempo. Quem lê? Boa pergunta. Principalmente as mulheres. Mas, de maneira geral, muita gente. Há pessoas que adoram narrativas e intrigas. Não podemos ver viver sem fabulação e sem nos projetar na ficção, que talvez seja a nossa mais profunda realidade.

CS – Tu te lanças cada vez mais na exploração de outros registros artísticos como cinema, música, teatro, fotografia. É pelo gosto de tudo explorar ou pela possibilidade de atingir um público que não lê?
Houellebecq – Meu público no cinema é menor. Se faço isso, é para não ficar parado. Não sou de escrever todo o tempo. Tenho curiosidade por outros registros. Escrever é uma aventura muito particular. Preciso de outras coisas. Por que não se tentar tudo aquilo que pode dar prazer e aguçar as sensações? A arte, como a vida, tem muitas entradas. O importante é não se sentir coagido pelas imposições dos outros. Faço o que desejo e me dá prazer.

CP – E a fotografia? Qual a especificidade da tua fotografia? Jean Baudrillard dizia ter escolhido a fotografia para encontrar algo que pudesse escapar da lógica da mercadoria e de todo valor de troca. E tu?
Houellebecq – Não é a mesma coisa. A fotografia também pode ter valor de mercadoria. No meu caso, ainda não tem, mas poderá ter. O esquisito é que, pela primeira vez, fiz alguma coisa que não é destinada ao grande público. Dirijo-me a um público que não conheço. Exprimo algo. Nada mais. Toda a minha obra, na literatura e no cinema, está voltada para o grande público. Trabalho para o consumidor comum de cultura. Agora, com a fotografia, não. Não se trata de ter sucesso ou de ser compreendido. A minha literatura é totalmente voltada para o grande público. Meus livros atingem vendas de milhares de exemplares. A França, insisto, é um país de leitores. Minha fotografia é um exercício de sensibilidade. Só.

CS – Dá mesmo para se falar em literatura de qualidade para um grande público? Existe esse grande público?
Houellebecq – Na França, sim. Em países de analfabetos, não. Também não em países dominados pela oralidade ou que saltaram diretamente do oral para as imagens da tevê. Precisamos parar com as lamentações. Para bons livros, e até para certos livros ruins, existem público e mídia. O que falta, muitas vezes, é talento e ousadia. Há um público que quer ser desafiado com novidades e outros que deseja apenas ser alimentado com mais do mesmo. Temos de saber a quem nos dirigir e ocupar os espaços existentes.

CS – No Brasil, grande público só Paulo Coelho. Leste?
Houellebecq – Tentei ler O Alquimista. Não gostei muito. Desisti. Mas sei que Paulo Coelho é um cara formidável. Os livros chatos são duros de ser lidos. Cada um com seus gostos. Na França, mesmo autores como eu podem encontrar uma enormidade de leitores. Não é preciso ser Coelho nem fazer qualquer tipo de concessão para encontrar leitores. Escrevo aquilo que quero, sinto e desejo exprimir. Funciona. Agora, tenho de suar a camisa para chegar lá.

CS – O livro impresso tem futuro?
Houellebecq – Sim. Isso é evidente. Eu não tenho uma grande biblioteca. Mas as pessoas adoram ter uma. Acham bonito. O livro impresso é um produto que se seduz por ser belo, ainda que as capas francesas sejam feias ou sempre iguais, e agradável de manusear. O fato de custar mais caro do que o livro eletrônico não é necessariamente um problema. Muitos produtos caros são bem vendidos. Há quem goste justamente do que é mais caro. O futuro do livro impresso está garantido. O livro, na casa de muita gente, funciona como decoração. Pode-se comprar por metro. Não há como decorar uma sala com livros digitais. O objeto livro é belo. Não temos com o que nos preocupar.

CS – Tu consegues ler livros inteiros em tablets?
Houellebecq – Não. É muito chato. Desisti disso. Mesmo as novas gerações, que também envelhecerão, vão comprar apartamentos e querer decorá-los com belas bibliotecas. Advogados e médicos compram livros por metro para decorar seus gabinetes. O livro tem um belo futuro pela frente.

CS – Dois escritores franceses – Jean-Marie Le Clézio e Patrick Modiano – ganharam o prêmio Nobel recentemente. Mereceram? Tu sonhas com o Nobel? Acreditas que ganhará?
Houellebecq – Le Clézio nunca me impressionou. De Modiano, eu gosto. Não sou de esconder o que eu penso. O próximo, tenho certeza disso, serei eu. O problema é que isso pode demorar uns 20 anos e eu já estar morto até lá. Se dois franceses receberam o Nobel em tão pouco tempo, o próximo não virá tão cedo. Ruim para mim. Mas deve vir.

CS – Há algo de político na atribuição do Nobel?
Houellebecq – O lado político do escritor pode ajudar em alguns casos, mas não sempre. É mais sutil. Ser politicamente correto, às vezes, facilita, mas não se resume a isso. A qualidade literária também conta muito. O Nobel também não quer dar a impressão de ser tão politicamente correto. Não fica bem como escolha artística e estética. Daí a necessidade de equilíbrio.

CS – A política francesa continua a te interessar?
Houellebecq – Muito. Como nunca. Ela é magnífica. Nada mais extraordinário do que um presidente da República tão insignificante quanto François Hollande. Ele é uma nulidade. Nunca tivemos nada igual. Por que isso? Em primeiro lugar, graças ao próprio Hollande, que é repugnante. Quando ligo a televisão e dou de cara com ele, quase vomito. Aí, desligo rapidamente. Todo mundo tem nojo dele. A rejeição a ele é até física. Não posso vê-lo. Na minha opinião, em 2022 a Frente Nacional de Marine Le Pen vai chegar ao poder, vai ganhar a presidência do país. Em 2017, a eleição será ganha pela direita tendo Alain Juppé como candidato. Nicolas Sarkozy não me parece em condições de entrar de novo no jogo. Depois, será a vez de Marine Le Pen. Pode apostar nisso.

CS – Será uma catástrofe?
Houellebecq – Já estamos vivendo na catástrofe política e econômica. Faz tempo. Nenhuma novidade quanto a isso.

CS – Será a vitória do racismo?
Houellebecq – Não. Marine Le Pen não é racista. Ela é patriota. Entende que a França deve proclamar a sua independência em relação a Europa. A obsessão dessa mulher é a autonomia da França. Quanto ao racismo, acho que essa não é a sua marca. Talvez seja mais do pai dela. Romper com a Europa conforme o projeto de Marine Le Pen seria uma catástrofe. Romper com a Europa de acordo com o que eu penso, embora ninguém me ouça, seria magnífico. Um país precisa de mais autonomia para gerir seus negócios. Talvez um dia eu tenha a paciência de mostrar meu plano.

CS – Pensas em te candidatar a algum cargo político?
Houellebecq – Não. Tenho coisas mais importantes a fazer na vida. Não nasci para ser político. Além do mais, as pessoas não me levariam a sério. Eu gosto de acompanhar o noticiário político. Vi, por exemplo, as manifestações que aconteceram no Brasil antes da Copa do Mundo. Depois, dei uma olhada na Copa do Mundo. Mas fiquei triste. Eu queria muito que a Argentina ganhasse. Adoro o Messi. Senti dó do Brasil contra a Alemanha: 7 a 1. Que horror. Mudei minha opinião sobre o Brasil. Hoje, vejo o Brasil como um país ambicioso, um dos BRICS. O problema é que Brasil e Rússia parecem estar prestes a afundar. Os BRICS vão se tornar apenas RICS? A questão é, de fato, séria.

CS – Bernard Maris lançou um livro chamado “Houellebecq economista”. Qual a relação da tua obra com a economia?
Houellebecq – Ele acha que critico o neoliberalismo. Não deixa de ser verdade que a economia perpassa minha obra.

CS – Tu conheces o francês Thomas Piketty, autor de O Capital do Século XXI”, que está visto como guru mundial?
Houellebecq – Não. As minhas leituras são outras. De vez em quando, faço comentários sobre economia que surpreende algumas pessoas. Há muito disso nos meus romances. Uma visão sobre a mercadoria, a mercantilização da vida.

CS – Vais publicar um novo romance em breve?
Houellebecq – Sim, em janeiro, pela Flammarion. Mas não posso revelar o título. Vou botar fogo na França, modéstia à parte, com muita polêmica. Já estou na correção das provas. Foram quase dois anos de trabalho. Há dias que não escrevo uma linha. Em outros, escrevo muito. Reescrevo enormemente. É tudo muito laborioso. Pode ser que alguns escritores exagerem o tempo que levam para escrever um livro, pois dizer que se fez em três meses não pegaria bem, mas eu levo realmente de um a dois anos. A ironia só me vem quando estou escrevendo. Não consigo ter nada pronto na cabeça antes. A primeira versão do que escrevo é sempre muito ruim. O melhor vem com muito trabalho. A espontaneidade não me traz qualidade. Tenho de refazer. Eu jamais quis ser romancista. Eu queria ser poeta. No começo, eu fazia poesia. Eu tinha muito talento. A poesia me vinha espontaneamente. Com o romance é diferente. Na verdade, sou o único bom poeta francês do século XX. Sou naturalmente vocacionado para a poesia. O romance, que me dá mais reconhecimento, é fruto de muito trabalho. Mas não escrevo mais poemas. Não consigo. Não me vem mais. É muito raro surgir um bom poeta. Gostaria que lembrassem de mim como poeta. Não há, infelizmente, interesse pela poesia. Nada a ver com a vulgaridade da nossa época. A verdade é que a poesia sempre foi para poucos. E acabou. O romance sobrevive por ser mais interessante até que os filmes. Existem lacunas que o leitor deve preencher e histórias para acompanhar. A poesia não tem isso. O romance, ao contrário do que se pensa, é algo popular. Na França, os livros de ficção são produtos de consumo de massa. O mesmo não se dá com a poesia. Está em extinção.

CS – Gostaste da experiência como ator de cinema?
Houellebecq – Foi prazeroso. O pessoal que trabalhou comigo gostou. O resultado deve ser analisado pelo público e pelos críticos. Eu me senti muito bem atuando.

CS – Eu me lembro que, na Patagônia, as tuas fotos eram perfeitas do ponto de vista do enquadramento, da luz e de certa sensibilidade para captar ângulos originais. O que tu procuras nas fotos em exposição em Ménilmontant?
Houellebecq – Algo que eu mesmo não defino. São objetos visuais acompanhados, muitas vezes, de legendas. Hummm… Seria, talvez, adequado falar em explorações experimentais da visão sobre objetos presentes no mundo.

CS – Na Patagônia, tua cantavas Charles Trenet…
Houellebecq – Trenet é maravilhoso. O melhor de uma época. Muito superior a Brassens, Charles Aznavour e a Serge Gainsbourg, que é fraco. Trenet tem uma swing, uma leveza, uma poesia, algo que só alguns artistas brasileiros da Bossa Nova têm. Pena que Trenet esteja tão esquecido. É lindo o que ele canta. Singelo e profundo.
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* Escritor. Prof. Universitário.
Fonte: Correio do Povo online, 05/12/2014
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