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Algumas pessoas perguntam aos deístas por que estes continuam usando o
termo "Deus", tão comum às religiões, para designarem o Princípio
Primeiro do ser - Princípio este entendido de modo metafísico e não em
termos antropomórficos como fazem-no tantos religiosos. Para responder a
essa questão, achamos uma citação de Martin Buber que, embora
imperfeita - porque mais poética do que precisa -, vem a calhar. Martin
Buber (1878-1965) foi um filósofo existencialista judeu, portador de um
pensamento em alguns pontos pelo menos próximo do Deísmo. Rodrigo.
"Quando
censurado por ter usado o termo 'Deus' para afirmar o tu eterno, pelo
fato de a palavra ter sido tão abusada através dos séculos, a tal ponto
de seu uso ser quase uma blasfêmia, Buber replica:
"Sim, é a mais sobrecarregada das palavras humanas. Nenhuma outra palavra tem se tornado tão suja, tão mutilada. É exatamente por esse motivo que não posso abandoná-la.
Gerações de homens colocaram a carga das suas vidas atormentadas sobre
essa palavra e a sobrecarregaram até o chão; encontra-se no pó e leva as
cicatrizes do peso do homem. Todos os povos, com as suas facções
religiosas, rasgaram essa palavra em pedaços; mataram-se por causa dela e
morreram por ela; esta palavra leva as impressões digitais e o sangue
do homem. Onde poderia encontrar uma palavra semelhante para descrever o
Altíssimo! Se tomássemos o conceito mais puro, mais cintilante do
tesouro dos filósofos, alcançaríamos, apenas, um produto transitório do
pensamento. Não conseguiríamos captar a presença daquele que as gerações
humanas honraram e degradaram com sua vida e sua morte. Deveras, falar
daquele que as gerações atormentadas e angustiadas querem significar é o
que pretendo. Certamente, uns designam caricaturas e lhes dão a
etiqueta de 'Deus'. Mas, quando todas as loucuras e desilusões se tornam
pó, quando os homens se colocam face a face com Ele no escuro e não
dizem mais Ele, Ele, mas sim suspiram Tu, gritam Tu, todos eles a mesma
palavra, e quando acrescentam Deus, não é o Deus real que todos
imploram, o único Deus vivo, o Deus dos filhos do homem? Não é Ele que
os escuta? E por este motivo não é a palavra 'Deus' a palavra de apelo, a
palavra que se tornou nome, consagrado em todas as línguas, por todos
os tempos?"
(Trecho de História do Existencialismo e da Fenomenologia, de Thomas Ransom Giles, E.P.U., São Paulo: 1989, páginas 192-3)
Martin Buber (1878-1965) |
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