A Boitempo e a Editora UFSC acabam de lançar Pilatos e jesus, novo livro de Giorgio Agamben. Por
três meses o filósofo italiano se viu na urgência de interromper todas
suas atividades acadêmicas para mergulhar intensamente no enigma do
julgamento de Jesus Cristo, sob a figura misteriosa de Pilatos. É a
figura de Pilatos, lembra, que assegura o caráter histórico da paixão de
cristo: trata-se de um personagem de carne e osso – talvez o único
verdadeiro dos Evangelhos. Mas, Agamben prossegue, Pilatos é também algo
menos e, ao mesmo tempo, muito mais que isso: um homem do qual
conhecemos as hesitações, o medo, o ressentimento, o sarcasmo, as
suscetibilidades, a hipocrisia…
Neste breve e contundente ensaio Agamben
mostra como, no encontro fugaz entre Pilatos e Jesus estava em jogo um
evento enorme e inédito, para além do drama da paixão e da redenção.
Neste encontro irreconciliável entre o “mundo dos fatos” e o “mundo da
verdade”, provoca Agamben, como nunca em outro lugar na história do
mundo, a eternidade cruzou a história em um ponto exemplar. O temporal
foi atravessado pelo eterno.
Leia abaixo a orelha do livro, escrita por Douglas F. Barros
Em Pilatos e Jesus
o filósofo Giorgio Agamben procura mostrar em que sentido o processo de
julgamento daquele que “veio ao mundo para nos salvar” pode ser visto
como uma “alegoria do nosso tempo”. Jesus é levado ao julgamento e
condenado sem que lhe tenha sido proferida qualquer sentença definitiva.
No credo, os
cristãos recordam que Jesus padeceu sob Pôncio Pilatos. O destaque
conferido ao prefeito romano da província da Judeia expõe o caráter
mundano desse momento-chave da história da humanidade. No entanto, a
morte do filho de Deus é acontecimento que não se encerra neste plano
histórico. Seu desdobramento possibilita aos homens um novo vínculo,
renova-lhes a aliança com o que está além deste mundo e é a-histórico.
Em grego, o ato de julgar denomina-se krisis.
O termo comporta tanto o significado jurídico quanto o médico (“julgar”
se e em que momento o paciente morrerá) e o teológico (o Juízo final). O
processo da entrega de Jesus por Pilatos constitui uma krisis
porque expõe o confronto de dois mundos inconciliáveis: o reino temporal
vai julgar o Reino eterno. Perguntado sobre os crimes que teria
cometido, se era o Rei dos judeus, Jesus responde: “O meu reino não é
deste mundo”.
A krisis
também se expressa no fato de o processo contra Jesus não constituir um
julgamento em senso estrito. Pilatos – personagem histórico –
desenvolve também uma função teológica ao desencadear o processo
jurídico pelo qual sabemos que Jesus pertence a outro mundo. No entanto,
o ato de julgamento não se consuma, o processo que os envolve não chega
a uma conclusão. O processo sem julgamento comporta uma contradição
profunda nos termos do direito: “que haja um processo, mas não um
julgamento, é, na realidade, a mais severa objeção que se possa levantar
contra o direito”.
A história
desse processo sem conclusão descreve a trajetória de um julgamento que
instaura uma crise. Insolúvel, o embate entre dois mundos, Pilatos face a
face com Jesus, comprovaria duas ideias da modernidade: “que a história
seja um ‘processo’ e que esse processo, enquanto não se concluir em um
juízo, esteja em permanente estado de crise”. Pilatos e Jesus
se debruça sobre o que para os cristãos é o absurdo da crucificação de
Jesus. Ao mesmo tempo, joga luz sobre uma das marcas do nosso presente
histórico: momento atravessado por um processo cuja irresolução instaura
a crise permanente.
— Douglas F. Barros
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Fonte: Blog da Boitempo, 08/12/2014
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