segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Pilatos e Jesus, de Giorgio Agamben

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A Boitempo e a Editora UFSC acabam de lançar Pilatos e jesus, novo livro de Giorgio Agamben. Por três meses o filósofo italiano se viu na urgência de interromper todas suas atividades acadêmicas para mergulhar intensamente no enigma do julgamento de Jesus Cristo, sob a figura misteriosa de Pilatos. É a figura de Pilatos, lembra, que assegura o caráter histórico da paixão de cristo: trata-se de um personagem de carne e osso – talvez o único verdadeiro dos Evangelhos. Mas, Agamben prossegue, Pilatos é também algo menos e, ao mesmo tempo, muito mais que isso: um homem do qual conhecemos as hesitações, o medo, o ressentimento, o sarcasmo, as suscetibilidades, a hipocrisia…

Neste breve e contundente ensaio Agamben mostra como, no encontro fugaz entre Pilatos e Jesus estava em jogo um evento enorme e inédito, para além do drama da paixão e da redenção. Neste encontro irreconciliável entre o “mundo dos fatos” e o “mundo da verdade”, provoca Agamben, como nunca em outro lugar na história do mundo, a eternidade cruzou a história em um ponto exemplar. O temporal foi atravessado pelo eterno.

Leia abaixo a orelha do livro, escrita por Douglas F. Barros

Em Pilatos e Jesus o filósofo Giorgio Agamben procura mostrar em que sentido o processo de julgamento daquele que “veio ao mundo para nos salvar” pode ser visto como uma “alegoria do nosso tempo”. Jesus é levado ao julgamento e condenado sem que lhe tenha sido proferida qualquer sentença definitiva.

No credo, os cristãos recordam que Jesus padeceu sob Pôncio Pilatos. O destaque conferido ao prefeito romano da província da Judeia expõe o caráter mundano desse momento-chave da história da humanidade. No entanto, a morte do filho de Deus é acontecimento que não se encerra neste plano histórico. Seu desdobramento possibilita aos homens um novo vínculo, renova-lhes a aliança com o que está além deste mundo e é a-histórico.

Em grego, o ato de julgar denomina-se krisis. O termo comporta tanto o significado jurídico quanto o médico (“julgar” se e em que momento o paciente morrerá) e o teológico (o Juízo final). O processo da entrega de Jesus por Pilatos constitui uma krisis porque expõe o confronto de dois mundos inconciliáveis: o reino temporal vai julgar o Reino eterno. Perguntado sobre os crimes que teria cometido, se era o Rei dos judeus, Jesus responde: “O meu reino não é deste mundo”.

A krisis também se expressa no fato de o processo contra Jesus não constituir um julgamento em senso estrito. Pilatos – personagem histórico – desenvolve também uma função teológica ao desencadear o processo jurídico pelo qual sabemos que Jesus pertence a outro mundo. No entanto, o ato de julgamento não se consuma, o processo que os envolve não chega a uma conclusão. O processo sem julgamento comporta uma contradição profunda nos termos do direito: “que haja um processo, mas não um julgamento, é, na realidade, a mais severa objeção que se possa levantar contra o direito”.

A história desse processo sem conclusão descreve a trajetória de um julgamento que instaura uma crise. Insolúvel, o embate entre dois mundos, Pilatos face a face com Jesus, comprovaria duas ideias da modernidade: “que a história seja um ‘processo’ e que esse processo, enquanto não se concluir em um juízo, esteja em permanente estado de crise”. Pilatos e Jesus se debruça sobre o que para os cristãos é o absurdo da crucificação de Jesus. Ao mesmo tempo, joga luz sobre uma das marcas do nosso presente histórico: momento atravessado por um processo cuja irresolução instaura a crise permanente.
— Douglas F. Barros
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Fonte: Blog da Boitempo, 08/12/2014

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