Por estes dias, milhares de portugueses andam a correr para comprar
as últimas prendas. Mas há também quem passe ao lado da euforia e não
troque prendas, nem coma bacalhau no dia 24 de dezembro.
– E presépio? “Muito
menos”
– Mas há troca de
prendas na véspera de Natal? “Não há, nem nunca houve”
Fernanda Marques tem
51 anos e não comemora o Natal. Já em pequena questionava o
porquê de ter de comer bacalhau na noite de 24 de dezembro. E à medida
que foi crescendo foi associando esta quadra festiva à “hipocrisia humana”.
Assim que saiu de casa dos pais deixou de celebrar o Natal. Corria o ano de
1981.
“Para mim é
uma noite e um dia igual aos outros. Passa-me tudo ao lado”,
garante Fernanda. Casada há 33 anos, nunca mais comemorou o Natal desde
então, e nem mesmo o nascimento dos filhos, já com 32 e 27 anos, a fizeram
mudar os costumes. “Eles cresceram assim, por isso também não ligam”, adianta.
Afinal de contas, “onde está escrito que Jesus Cristo nasceu neste dia? Para
mais, nesta altura do ano em Israel estava muito frio, era impossível os pastores
andarem de noite a pastar as ovelhas. Até que me provem o contrário,
mantenho a minha ideia”.
Além
disso, Fernanda sempre associou o Natal à “hipocrisia”. Exemplo? “Na
televisão é só gente a dar alimentos aos sem-abrigo, mas é só nesta altura do
ano que se lembram deles. Para mim é hipocrisia”.
A esta “aversão” ao
Natal, como a mesma a classifica, junta-se o facto de Fernanda ter perdido dois
irmãos no mês de dezembro: um a 6 de dezembro de 2000, o outro a 11 de dezembro
de 1992. “Este mês tornou-se para mim também um mês de dor”, remata.
Perda de alguém próximo acaba com
vontade de festejar
E é
precisamente a dor da perda de alguém próximo, e as memórias tristes dessa
perda, que levam muita gente a deixar de festejar o Natal.
“A maior parte das pessoas que não gosta do Natal – tirando as que não gostam
por um motivo religioso – tem muito a ver com a perda de alguém nesta altura”,
confirma a psicóloga clínica, Margarida Alegria, que aponta ainda para os
casos das pessoas divorciadas e daquelas que “não têm uma boa relação
familiar”.
“Aqueles que cada vez
gostam menos do Natal são os divorciados. O primeiro e segundo anos depois do
divórcio são muito complicados. Quando há filhos pior ainda. Tenho uma pessoa
que vai estar o dia 24 com o filho e está toda contente, mas no dia 25 o filho
vai passar o dia com o pai e ela já disse que vai vestir o robe e acaba o Natal
para ela”, conta a psicóloga.
Foi a morte
dos “patriarcas da família” que acabou com o espírito natalício de Sofia Silva
Reis. Com a partida dos avós, “a união foi-se e o convívio idem
idem, aspas aspas. Os jantares de Natal tornaram-se diferentes. Consumismo
puro. De 20 passámos a três, de três a dois”, explica Sofia,
com 31 anos, que há sete anos decidiu deixar de fazer árvore e desde
então não comemora o Natal. “É aquela época em que a solidariedade se
tornou numa obrigação e a generosidade se transforma na espera do que se vai
receber em troca”, resume.
“Simplesmente
deixei de ligar e acabou por se tornar num dia comum a tantos outros.
Troca de prendas? Normalmente vamos dando prendas durante o ano sem dia
específico”, relata ao Observador.
“Incomoda-me imenso
esta euforia. O cúmulo dos cúmulos é chegar ao mês de outubro e já termos
montras com coisinhas do Natal. Ou querer ir fazer compras ao hipermercado e o
mesmo estar um caos. Querer ir à baixa da cidade, um percurso que demora 10
minutos, e nesta altura do ano demorar mais de 1h30. A loucura das pessoas, o
consumismo”, explica Sofia Silva Reis.
Ao fim de sete anos,
este Natal, a estrela voltou a brilhar no topo da árvore na casa de Sofia. “Os
meus sobrinhos pediram imenso que queriam fazer a árvore na casa da
tia e tia que é tia não consegue negar”, explicou, acrescentando que nada
mudou para já na sua forma de encarar estes dois dias.
Sofia acredita que
quando tiver filhos o seu espírito possa “ser bem diferente”. “Aliás,
quero incutir-lhes o espírito natalício tal e qual como os meus avós me
incutiram a mim em criança”, antecipa.
Mesmo não gostando, maioria comemora o
Natal
E são os filhos,
ou as crianças na família, que levam muita gente que não gosta do Natal a
comemorar. Aliás, são poucos os que, como
Fernanda e Sofia – esta última durante sete anos -, não celebram o nascimento
de Jesus Cristo, com jantar e troca de presentes na noite de 24 para 25 de
dezembro. Mesmo que não gostem. “Muito dizem que é uma fantochada e
estão desejosos que passe”, atesta a psicóloga Margarida Alegria.
É esse o caso de
Cristina Sousa. Filha de emigrantes, cresceu com os avós que não
festejavam o Natal. Anos mais tarde foi a vez de ela própria emigrar e
durante os 15 anos que esteve na Bélgica apenas um ano veio a Portugal no
Natal. “Às vezes nem bacalhau havia, comíamos salmão fumado e foie gras,
as coisas que os belgas comiam. Jantávamos como num dia normal, comíamos um
tronco de natal, pois era o que se encontrava mais à venda e pronto… cama. Isso
quando o patrão não pedia para trabalharmos e aí até jantávamos em pé”, conta.
Com o nascimento dos
filhos, e já em Portugal, as coisas mudaram e passou a “tentar jogar o jogo do
Natal”, fazendo tudo aquilo que é suposto neste ritual de comemoração. Mas
o sentimento não mudou. “Comemoro por obrigação. Quando chega esta época do
ano só quero que passe o mais rápido possível. É um stress para mim, mas acho
que ninguém repara”, garante Cristina, que considera “parva esta mania
de comprar presentes por obrigação”.
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