João Pereira Coutinho*
Pergunto se um planeta que perde tempo com a camiseta de um cientista merece mesmo ser salvo
1. O Real Madrid apagou a cruz de Cristo do seu distintivo. Razões
comerciais: o clube espera receber financiamento árabe e não pretende
ofender as sensibilidades dos torcedores muçulmanos.
A ideia parece-me excelente e, mais ainda, o início de uma parceria
entre a Espanha e o Oriente Médio que poderá ser aprofundada.
Depois do distintivo do Real Madrid, não vejo por que motivo os dois
países não incrementariam as suas relações --comerciais, culturais,
paranormais-- destruindo na Espanha todos os símbolos cristãos que
sobreviveram na paisagem.
Claro que, tratando-se da Espanha, o apagamento de símbolos cristãos
pode significar o apagamento de todo o país, ou quase, isso se
excetuarmos a arte muçulmana mais ao sul.
Mas até isso pode ser positivo: se a Espanha se transformar em um
deserto, com alguns minaretes pelo meio, tenho a certeza de que os
investidores árabes irão se sentir ainda mais em casa.
2. A humanidade conseguiu enviar uma sonda para um cometa. Feito único,
sem dúvida, embora ensombrado pelo caso do Dr. Matt Taylor. Melhor: pela
camiseta que o Dr. Taylor, um conceituado astrofísico inglês, exibiu
perante as câmeras.
Na dita cuja, era possível observar várias mulheres pin-up, com poses
sensuais e trajes idem, o que provocou reações histéricas entre as
histéricas --feministas que são rápidas a ver "machismo" em todo o lado,
mas obviamente incapazes de realizar uma equação de primeiro grau.
O cientista, aturdido com as críticas, pediu desculpas e --imperdoável!-- choramingou em público.
Já tudo foi dito sobre o caso: quando o mundo deveria estar a olhar para
os céus, o interesse das feministas estava na camiseta de um cientista
terráqueo.
Com a devida vênia, eu gostaria de ir ainda mais longe: a sonda do Dr.
Taylor pode permitir --um dia, quem sabe-- rebentar com um cometa
assassino a caminho da Terra. Mas pergunto, com honestidade, se um
planeta que perde tempo com a camiseta de um cientista merece mesmo ser
salvo.
Dúvidas, muitas dúvidas.
3. Dois fanáticos israelenses entraram numa mesquita e mataram quatro
pessoas. Três delas eram imãs em oração. Em várias cidades israelenses, a
população judaica saiu à rua para festejar o ataque e agradecer a Deus.
Se esse filme tivesse acontecido, o que diria o leitor?
Simples: a selvajaria não tem perdão; os festejos são imorais; os israelenses são os novos nazistas; e etc. etc.
Agora, troque: "fanáticos israelenses" por "fanáticos palestinos";
"mesquita" por "sinagoga"; "imãs" por "rabinos"; e "ruas israelenses"
por "ruas palestinas". Foi o que aconteceu depois do ataque em
Jerusalém. Algum comentário?
Precisamente, leitor: uma forma desesperada, mas perfeitamente justificável, de combater a ocupação sionista; e etc. etc.
4. Brendan O'Neill escreve na "The Spectator" artigo sobre as "Stepford
Students" (uma referência às "Stepford Wives" do romance de Ira Levin,
criaturas robóticas e tiranizadas pela ditadura "falocêntrica"). E que
nos diz O'Neill? O horror, o horror: os estudantes ingleses estão mais
intolerantes do que nunca.
Ele sentiu nos ossos esse clima de intimidação ideológica: convidado a
falar sobre o aborto no Christ Church, em Oxford, o pobre O'Neill nem
abriu a boca: as suas posições pró-vida despertaram a ira das feministas
locais e de outros anões semelhantes, que por todo o lado reclamam "o
direito ao conforto".
"Conforto", entenda-se, significa nunca questionar nenhuma posição
progressista que possa perturbar as "ideias" que as meninas e os meninos
colaram na cabeça.
Perder um minuto a tentar explicar que essa blindagem epistemológica
representa um atraso cognitivo e até social (o que teria acontecido se
os escravocratas também tivessem silenciado os abolicionistas do século
19 em nome do "direito ao conforto"?) é pura perda de tempo.
O caso de Brendan O'Neill é apenas um vislumbre do que será o futuro:
uma espécie de nova Idade Média, em que os bárbaros politicamente
corretos têm rédea solta para destruir qualquer processo de conhecimento
válido --e, escondidos dentro de portas, alguns monges tudo farão para o
salvar.
Razão tinha o outro: primeiro, a história é tragédia; depois, repete-se como farsa.
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* Jornalista. Escritor.
Fonte: Folha online, 02/12/2014
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