Depois de publicar a resenha sobre o livro "A batalha do vinho e do amor ou como salvei o mundo da parkerização" de Alice Feiring, me senti na obrigação de entrevistar a jornalista do New York Times e outros periódicos americanos. A conversa segue o ritmo do livro e não deixa rolha sobre rolha. Aproveitei para pedir uma dicas para os leitores treinarem o paladar, que acredito serão úteis.
Alice não mede palavras e vai direto ao ponto ao ser perguntada.(Foto de Andrew French)
RR - Na entrevista que fiz com David Biraud (ver post de janeiro), melhor sommelier da França em 2009 e candidato francês ao mundial de sommellerie, este afirmou que Robert Parker tinha um "paladar americano". Parker é o típico gosto americano? Podemos dizer que existe um paladar americano?
AF - A América é um país grande, não posso dizer que há um 'paladar americano' mais do que eu posso afirmar que os americanos gostam de refrigerante mais do que em outros países. Posso dizer que há um "paladar de massa", um paladar mediano. Acho que Parker tem o tipo de paladar que tem apelo de massa, facilmente identificável, que significa o maior e mais escuro é o melhor, não muito sensível às nuanças.
"O paladar de Parker tem apelo de massa"
RR - Por outro lado Biraut disse que por causa de Parker alguns produtores estavam realizando a colheita mais tardiamente para obter uvas mais maduras em Bordeaux e que isto era positivo. Qual sua opinião?
AF - Eu não vejo isso como positivo. Eu sinto que os vinhos de Bordeaux estão demasiadamente maduros e como resultado perderam sua complexidade. Claro que o fato de haver poucas propriedades produzindo vinhos orgânicos e o fato de que muitos usam tecnologia em excesso para seus vinhos faz com que não tenham qualquer interesse para mim.
RR - Parker tem algo de positivo para você?
AF -Claro, ele deu origem a muitos novos consumidores de vinho. Ele ajudou a criar o embrião de uma cultura do vinho nos Estados Unidos.
Evito os vinhos do Chile
RR - Qual sua opinião sobre vinhos do Chile e Argentina, os principais exportadores para o Brasil?
AF - Fico triste em dizê-lo existem apenas uns dois vinhos que eu encontrei da Argentina que me agradaram. Há dez anos costumavam ser mais. Não há vinhos do Chile que eu beba. Evito-os. Estou certa de que há algumas exceções. Mas eu vejo esses dois grandes países cortejando os vinhos grandes, escuros, de sabores maduros e nenhuma expressão de nuanças.
RR - Somente vinhos naturais (orgânicos e biodinâmicos) podem ser bons?
AF - Isso é um bom ponto para começar. Mas eu acho que os melhores vinhos são a partir de uvas plantadas em solos que são interessantes, complexos, não tem nada acrescentado ou retirado, e feito por alguém com talento! Eu conheci alguns vinhos muito bons que não são a partir de uvas orgânicas ou biodinâmicas, no entanto, eu nunca tive um grande vinho de uvas cultivadas com a agricultura convencional.
RR - Algumas opções de vinhos abaixo de US$20 (menos de 75 reais no Brasil - RR) que você gosta vindo do Loire, Sul da França e Borgonha.
AF - Os de uva gamay e cabernet franc do Loire como o Clos Roche Blanche, em Chinon Domaine Baudry, em Bourgeuil Domaine Guion, quase todos os grandes produtores de Muscadet como Marc Olivier, Bossard e Jo Landrom.
Há alguns bons e baratos de Bordeaux na Côte de Bourg como o Château La Grolet e Côtes de Blaye como o Château Peybonhomme Les Tours. O Domaine de Deux Ânes no Corbières, os vinhos de Eric Texier no Côtes du Rhône, Chermette e Ducroux no Beaujolais. Na Borgonha é mais difícil, mas olhe para as regiões de Maranges ou Côte Chalonnaise (possuem preços mais acessíveis - RR).
Detalhe da capa do livro de Alice Feiring
AF - Provar é a coisa mais importante. Provar às cegas também ajuda a afiar o paladar. Degustar muito, duas garrafas por dia no mínimo. Chame os amigos para ajudar! É a única maneira de descobrir do que você gosta e saber onde se encontra seu próprio gosto. É o passo mais importante. Além disso, não é preciso muito dinheiro para começar a construir uma adega. Vinhos antigos são um maravilhoso prazer, e a única maneira de fazer com que você tenha alguns é comprar agora para beber mais tarde. Existe uma abundância de vinhos que suportam o envelhecimento e custam menos de US$ 25 (no Brasil menos de 100 reais - RR). Pense em guardar por cinco ou dez anos, ao invés de vinte cinco. Pense em um Cru Beaujolais e nos tintos do Loire. Em vez de Borgonha branco, tente envelhecer alguns Muscadet dos melhores produtores, bem como das uvas chenin blanc do Anjou, ou ainda cabernet franc, e comprar pelo menos, quatro garrafas ao mesmo tempo, seis garrafas melhor ainda.
_____________________________
*Enviado por: Rogerio Reboucas
Fonte: Jornal do Brasil online, 09/03/2010 - http://www.jblog.com.br/conexaofrancesa.php
Nenhum comentário:
Postar um comentário