A cantora americana Lady Gaga pode estar mais interessada em revolucionar a imagem do pop atual. Mas ouvir algumas vezes a canção “Bad romance”, de sua autoria, faz qualquer um ficar com seus grunhidos estranhos – como Rah-rah-ah-ah-ah/Roma, Roma-ma/Gaga, ooh lala – ecoando na cabeça. Seria uma maldição repetitiva da diva Gaga? Ou uma ideia tão genial que gruda no cérebro para sempre? Nada disso. Segundo cientistas que pesquisam a memória humana, ter uma melodia presa na mente é um fenômeno recorrente chamado earworms (literalmente, larvas de ouvido). Apesar do nome, que vem da palavra alemã “ohrwurm”, não são vermes nem minhocas que causam os pensamentos musicais repetitivos. Tais pragas melódicas se alimentam da própria memória para infectar o pensamento de cerca de 99% da população.
“Metade do problema é as pessoas não quererem pensar na canção”, diz o psicólogo Philip Beaman, pesquisador da Universidade de Reading, na Inglaterra, que estuda o fenômeno. “Desse modo, é mais comum que músicas irritantes empaquem em nossas mentes.” Assim, fica mais fácil entender o sucesso de “Bad romance” e de tantas outras canções pop. A música brasileira é especialmente pródiga em refrões e melodias pegajosos. No ano passado, a banda cearense Calcinha Preta fez sucesso com o refrão Você não vale nada, mas eu gosto de você. Se a canção parou de tocar no rádio, ela continua a ecoar no ouvido de muita gente (leia mais vermes no quadro abaixo) .
Os earworms começaram a ser estudados no fim do século XIX. “Naquele tempo, o fenômeno não era tão frequente como nos dias atuais”, afirma Beaman. Isso porque o cotidiano não era tão exposto à música. Atualmente, mesmo que involuntariamente, escutamos música que vem da televisão, de lojas, da internet, do rádio do carro etc. E a repetição de uma canção é fundamental para que ela possa se tornar um earworm, o que pode explicar muito do funcionamento da indústria fonográfica. “Um sucesso só existe se ele tiver uma execução maciça”, diz o empresário da área e ex-compositor Tom Gomes, que foi parceiro de Roberto Carlos nos anos 60. “A cantora Maria Gadu não teria feito sucesso tão rapidamente se sua música ‘Shimbalaiê’ não tivesse virado tema de novela.”
A repetição também está relacionada ao fenômeno de forma técnica. Melodias repetitivas e simples tendem a colar melhor à mente. Outro fator que aumenta o grau de “aderência” é o uso de letras.
Não é possível precisar o que gera os grudes auditivos. O fenômeno pode ser ativado de diversas maneiras: uma palavra, um pensamento, uma lembrança ligada de alguma maneira a uma canção. Ouvir as primeiras notas de uma melodia conhecida também pode ser um pretexto, já que o cérebro tende a completá-la automaticamente.
O fenômeno das canções que grudam na mente é chamado de earworms (larvas de ouvido)
Pesquisas realizadas na Universidade de Cincinnati, nos Estados Unidos, revelaram que as mulheres tendem a sofrer mais do que os homens com esse tipo de coceira mental. Fazem parte ainda dos mais vulneráveis à verminose sonora pessoas com tendências neuróticas, além de músicos e fãs de música. Os estudiosos americanos descobriram que algumas circunstâncias tendem a aumentar as chances de pegar um verme de ouvido: ao acordar, antes de dormir e em situações de estafa.
Há formas de se livrar dos earworms. Se você está cansado de acordar com a melodia de “Bate o sino” na cabeça mesmo estando a meses do próximo Natal ou não consegue se livrar do tema de Missão impossível toda vez que alguém menciona o filme, há algumas táticas que podem ajudar a exterminar essas pragas. Para Philip Beaman, há uma regra básica. “Tente não pensar no assunto”, diz. Parece um conselho óbvio, mas os earworms são como chiclete e a definição dada por uma piada: quanto mais você pisa, mais gruda. É como tentar não pensar na cor vermelha. A própria intenção de negar a cor já faz com que o cérebro produza sua imagem.
Outro método é colocar para tocar outra música. Cantar uma canção diferente também pode neutralizar o efeito virótico, mas há aí o risco de contrair uma nova larva sonora com a segunda melodia. Outra estratégia que tem efeitos colaterais é compartilhar a canção com um amigo, pois ele pode ficar bravo por se contaminar também. Caso o problema seja lembrar apenas uma parte da letra ou da melodia, ouvir a canção inteira ajuda. Como último recurso, tente movimentar a musculatura bucal de alguma maneira: falando ou mastigando. “Há uma relação entre a percepção auditiva e os mecanismos de produção do som”, afirma Beaman. “Não é tão fácil imaginar sons quando usamos nossa boca em outras atividades.”
Se nenhuma dessas técnicas funcionar – ainda não se encontrou a cura total para o earworm –, há alguns consolos. Na pesquisa de Beaman, ele descobriu que o fenômeno tem duração média de 27 minutos. Se as larvas sonoras voltarem a seu ouvido, devem ter recorrência por apenas um dia. Mas não se anime demais. Se depender da capacidade da indústria musical de produzir pestes sonoras, todos voltaremos a sofrer com as minhocas melódicas em breve.
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Reportagem :Mariana ShiraiFonte: Revista ÉPOCA onlins, 25/03/2010
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