quarta-feira, 31 de março de 2010

Família: Papel do homem mudou mais do que o da mãe


Confira entrevista com psicanalista especializado no tema paternidade

De maternidade, todo mundo fala. Uma profusão de artigos e reportagens é publicada todos os meses em revistas femininas e, diariamente, em jornais. Mulher, é fato, gosta mais de discutir a relação, seja ela qual for, com quem for. Talvez por isso se fale tão pouco sobre paternidade.

– Há muito pouco conhecimento sobre paternidade – atesta o psicanalista Rubens de Aguiar Maciel, da USP e do Hospital das Clínicas, um dos poucos especialistas do país. – Quando comecei o doutorado, em 2006, havia só uma tese sobre o tema. Quatro anos depois, era só aquela e mais a minha. O tema é escasso inclusive em publicações internacionais.
No entanto, sustenta, o pai é uma figura fundamental na estruturação da personalidade da criança e seu papel, diferentemente do da mãe, mudou radicalmente nos últimos 100 anos.
Nesta entrevista, Maciel fala sobre seu estudo inédito com homens prestes a se tornarem pais pela primeira vez, os anseios e inseguranças que os acometem. E também sobre as suas próprias incertezas como pai de duas filhas. "Eu fiz o possível para ser um bom pai, mas acho que a minha filha de 17 anos não concorda com isso."

DA CAVERNA PARA O APARTAMENTO

A MUTAÇÃO DO PAI

"Há 100 anos, o papel do homem era o de provedor financeiro da família. Ele se relacionava com o filho na transmissão do ofício em alguns outros aspectos da educação. Mas se limitava a isso. Os cuidados e a educação do dia a dia eram função da mãe. Hoje, há outro tipo de participação, há mais intimidade. O papel do pai autoritário, dominador, que ditava normas de procedimento e comportamento vem sendo abandonado."

A FAMÍLIA CRESCE

"Quando uma criança chega numa família em que é bem-vinda, ela cria uma experiência interna de que o mundo a aceita. Isso é fundamental porque, nos primeiros anos de vida, a criança cria sua estrutura emocional, adquire confiança em si própria e no mundo. Pais inseguros, ansiosos, imaturos, ambivalentes em relação ao filho, geram uma criança com dúvidas, inseguranças, necessidade de ser e agir de acordo com expectativa dos pais. Isso gera na criança um medo de que o mundo não vai recebê-la bem, de que é preciso ficar preocupada em agradar ou não será bem recebida."

O PRIMEIRO FILHO

"A chegada do primeiro filho tem um impacto emocional muito grande. Gera fantasias e expectativas únicas que, a partir do segundo, são diferentes."

PAPEL X FUNÇÃO

"Temos que distinguir entre o papel e a função de pai. O papel é mais normativo, tem a ver com as obrigações morais que ele deve ter diante de sua família. A função é algo mais profundo, diz respeito ao mundo interno da criança, à sua personalidade, seu lado emocional."

FUNÇÃO DE PAI

"É função do pai estabelecer limites à criança, passar a ideia de que existem limites na vida. Por sua natureza, a criança vai desejar exclusividade da mãe, tê-la à sua disposição o tempo todo, ser o centro das atenções. Essa é uma postura apropriada para um bebê, mas precisa amadurecer e entender que não pode ser tão egoísta e egocêntrico ou não vai funcionar no mundo. O pai surge como aquele que deve intervir, que vai dizer "não vai dar para ficar com a mamãe o tempo todo porque ela é minha mulher e temos nossas necessidades".

Essa é uma das principais funções do pai, mostrar os limites. No começo, a criança vai espernear, mas depois começa a aceitar que, embora não tenha a mãe o tempo todo, tem a boneca, a amiga, o namorado e assim por diante, ao longo da vida. A função do pai é justamente estabelecer essa noção de que a criança não é o centro do Universo, que ela convive em sociedade. É o pai quem, amorosamente, vai dizer, "olha, fica na tua, aguenta um pouco a tua frustração que daqui a pouco seus pais estarão junto contigo de novo".
________________________
Reportagem: Roberta Jansen
Fonte: ZH DONNA online, 30/03/2010
AGÊNCIA O GLOBO

Nenhum comentário:

Postar um comentário