Roberto Romano*
Na semana passada ocorreu um espetáculo produzido por agentes da mídia. O fato é a violência física contra o defensor do casal Nardoni, Roberto Podval. Ele foi agredido diante do Fórum, recebeu vaias e insultos: “advogado de assassino”. Certo manifestante lhe aplicou um soco no estômago e fugiu. Antes, o chamou de “psicopata, monstro e demônio”, afirmando ser ele defensor de “um monstro”. Analisei tal comportamento desprezível em meu livro Moral e Ciência, a monstruosidade no século 18 (Editora Senac, parte do livro pode ser lido no Google Acadêmico).
Cito um jurista cujo texto é lúcido e sólido em doutrina. Trata-se do professor João Paulo Orsini Martinelli, da PUC-Campinas. O escrito se intitula Presunção de inocência e direito a ampla defesa (Jus Navigandi, 2000). Vamos ao Dr. Martinelli: “A presunção de inocência é uma das mais importantes garantias constitucionais, pois, através dela, o acusado deixa de ser um mero objeto do processo, passando a ser sujeito de direitos dentro da relação processual. (...) Trata-se de uma prerrogativa conferida constitucionalmente ao acusado de não ser tido como culpado até que a sentença penal condenatória transite em julgado (...), evitando, assim, qualquer consequência que a lei prevê como sanção punitiva (...) antes da decisão final. Diz o texto da Constituição Brasileira de 1988 em seu artigo 5, inciso LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Dessa forma, o acusado de ato ilícito tem o direito de ser tratado com dignidade enquanto não se solidificam as acusações, já que se pode chegar a uma conclusão de que o mesmo é inocente. Pode-se notar, facilmente, que a presunção de inocência encontra-se implícita, pois o texto constitucional não coloca claramente o pressuposto de ser o réu inocente, mas tão somente que este não carrega consigo a culpa pelo fato que lhe é imputado pela acusação. Deste princípio emergem outros de mesmo crédito: o direito à ampla defesa, o direito de recorrer em liberdade, o duplo grau de jurisdição, o contraditório, entre outros. Em síntese, todos esses princípios constitucionais exercem função de alicerce do sistema democrático, pois no centro de todos os procedimentos judiciais o réu mantém sua integridade, sendo-lhe assegurado o devido processo legal e os riscos de uma decisão precipitada do magistrado são menores”.
Termino a reflexão do jurista e passo à indignação. O agressor fugiu. Prova evidente de que ele mesmo dependeria de um advogado. Imaginemos: um soco mais forte traria danos à vida de Roberto Podval. O justiceiro, em metamorfose que pode ocorrer com todo ser humano, seria “réu”, “monstro”, “demônio. E seu defensor receberia apupos, socos, ferimentos. Tal é o absurdo gerado por jornalistas que ousam interpelar advogados, “por defenderem bandidos”. Jornalistas pagos para incentivar o linchamento, espalham fedor de sangue. Depois da Escola de Base, eles deviam assumir prudência. Não, e basta seguir o rádio e a TV para ouvir o contrário.
A massa que, por sua vez, apupou Podval, elege ladrões públicos, certamente assassinos — bilhões são desviados das políticas públicas de saúde, segurança, educação, controle do trânsito — e assiste programas pornográficos no pior estilo voyeur. A massa é covarde ao ponto de pedir favores a narcotraficantes. Ela os premia como “beneméritos da comunidade”. A massa emudece diante dos espancamentos, aos milhares, de esposas e filhos, por covardes que vão ao Fórum bater em advogados. Silencia a massa diante da morte de dissidentes políticos em Cuba.
A massa acha que seus integrantes jamais sofrerão acusações, justas ou injustas. Incêndio do edifício Andraus. De repente surge a voz do inferno. Era a massa: “pula, pula, pula!!!”. Corpos tombavam para horror dos seres humanos, minoria na reunião de hienas. Spinoza, diante de fatos assim, saiu pelas ruas desafiando os bichos da massa os chamando “Ultimi barbarorum”. Infelizmente, esta é uma parte considerável do nosso povo, movida por irresponsáveis ignorantes do direito conquistado contra a ditadura de 31/3/1964. Apoiada pela massa.
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*Roberto Romano é professor de Ética e Filosofia Política na Unicamp
Fonte: Correio Popular online, 31/03/2010
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