quarta-feira, 17 de março de 2010

Guns N’ Roses atiram o pau no gato

MARTHA MEDEIROS*

Achei que a discussão em torno da mudança das letras de cantigas infantis estivesse encerrada, mas, segundo matéria de ZH, algumas escolas seguem insistindo nessa bobagem, ensinando seus alunos a cantarem “Não atirei o pau no ga-tô-tô”, como se isso fosse fazer diferença nas estatísticas sobre violência.

Hoje crianças bem criadas gostam de funk, hip hop e rock’n’roll. As letras são umas porcarias, mas ajudam a extravasar, a divertir e servem como catarse para uma rebeldia que elas naturalmente trazem dentro, e que soltam nas pistas de dança e nas plateias dos shows. Quando eram menores ainda, ouviam canções sobre cravos que brigavam com rosas e sobre um amor que era pouco e se acabou, e quando anoitecia, fechavam os olhinhos e dormiam feito anjos. Simplesmente porque não prestavam atenção nessas letras, e sim no que diziam seus pais. Se a música tinha uma melodia agradável, bastava. O que estava sendo cantado podia ser qualquer coisa. Como, aliás, era.

Isso me faz lembrar da minha música predileta do Guns N’ Roses, I Used to Love Her, que não entrou no setlist do show de ontem (me corrijam se eu estiver enganada, não estava lá). Gosto da música não só pelo seu ritmo dançante, mas porque a letra é de um humor negro compatível com o politicamente incorreto que sempre norteou o velho rock. Hoje está tudo muito emo, o rock aderiu à dor de cotovelo e parece música sertaneja tocada em guitarra, baixo e bateria. O Guns ainda mantém aquela certa “sujeira” que caracteriza o gênero, sem falar que Axl Rose tem o atrevimento de cantar coisas como “I used to love her/ But I had to kill her”. A letra conta a história de um cara que não aguentava mais a mulher, só lhe restou matá-la. Ela o deixava louco, que outra solução? A letra conclui: estamos mais felizes desse jeito.

Quem não tem, às vezes, vontade de esganar o marido, estrangular a esposa? Sorriam, seus pensamentos secretos não estão sendo filmados. No máximo, viram músicas, viram filmes, viram quadros e viram piada.

No entanto, este tem sido dos crimes mais recorrentes e hediondos: homens seguem matando suas ex-esposas e ex-namoradas na vida real, porque elas tiveram a audácia de se separarem deles. “Se não for minha, não será de mais ninguém.” Bang!

Será que são as letras de música que formam assassinos? Eu apostaria numa educação bruta ou inexistente, na falta de aprendizado para lidar com frustrações e rejeições, na patética valorização do machismo (aliado ao mais alto grau de ignorância), e, por que não especular, apostaria também na burrice de alguns em não saber aproveitar as purgações que as manifestações artísticas proporcionam e que ajudam a desenvolver o humor, que é o único salva-vidas quando nosso mundo cai.

Logo, deixe que atirem o pau no gato. Eu passei a vida escutando isso e nunca atirei nem uma casca de amendoim num gato. Por que nunca fiz isso? Porque nunca vi meus pais fazendo. E neles eu prestava atenção.
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*Escritora e cronista da ZH.
Fonte: ZH online, 17/03/2010

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