terça-feira, 30 de março de 2010

A Última Ceia: a mudança de imagem

MOACYR SCLIAR*
O que foi servido na Última Ceia? O Novo Testamento só menciona o pão e o vinho, que a Jesus inspiraram as pungentes metáforas (“Este é meu corpo, este é meu sangue”). Sabemos que mais alimentos deveriam estar sobre a mesa, pois se tratava da Páscoa judaica, uma comemoração em que a refeição costuma ser abundante, até como forma de apagar as penosas recordações da miséria resultante da escravidão no Egito e da travessia do deserto. Por outro lado, certamente não teria sido um banquete: Jesus e seus discípulos eram pobres, faltava-lhes dinheiro para os víveres. De qualquer modo, a dúvida ficou e, através dos séculos, artistas usaram a imaginação para dar uma resposta a esta questão através dos pratos que aparecem em quadros retratando a Última Ceia: obras não raro famosas, como as de Leonardo da Vinci, Lucas Cranach, Peter Paul Rubens.

Graças a este acervo artístico, surge agora uma nova e original abordagem do tema divulgada em artigo publicado no International Journal of Obesity. Especialistas em nutrição da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, estudaram 52 das pinturas mais famosas tendo como tema a Santa Ceia. Constataram que o conteúdo dos pratos cresceu 66% entre o quadro mais antigo analisado (datando de cerca do ano 1000) e a pintura mais recente (século 18). O tamanho do pão, segundo estas análises, teve um acréscimo de cerca de 23%.

Os aumentos maiores foram vistos em pinturas criadas depois de 1500. O que é muito significativo: esta é a época que marca o advento da modernidade. A disponibilidade de alimentos aumentou muito, graças à melhora nas técnicas agrícolas e ao incremento no comércio internacional de alimentos. Havia mais dinheiro para comprar comida. E, sobretudo, o ascetismo que tinha sido a regra na Idade Média desapareceu; a busca do prazer, seja do prazer sexual, seja do prazer da mesa, era uma constante, sobretudo entre os ricos. Nascia uma nova era. E, com ela, nascia a obesidade, que até hoje nos acompanha.

O aumento das porções, sobretudo em alimentos industrializados, geralmente muito gordurosos e calóricos, é uma realidade. Comentando o trabalho, uma nutricionista inglesa observou que há 20 anos batatas fritas vinham em pacotes de 20 gramas. Agora vêm em pacotes de 30 , 50 ou 60 gramas. E, como sabemos, o pacote inteiro é ingerido. Resultado: a epidêmica obesidade de nosso mundo. A Última Ceia lembra que uma celebração também pode ser feita com porções modestas de alimento.

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A cancha de basquete é um bom lugar para conhecer as pessoas que, no calor da peleja, muitas vezes revelam seu lado oculto. Mas o José Fortunati com quem joguei basquete na Associação Cristã de Moços mostrou-se um grande ser humano: companheiro leal, pessoa amável e gentil. Verdade que, apesar da altura, nunca foi exatamente um craque: havia uma certa incompatibilidade entre ele e a cesta. O que, pensando bem, foi benéfico para Porto Alegre. Se Fortunati fizesse carreira no esporte, nós não o teríamos como prefeito de nossa cidade. E garanto que aqui ele vai marcar muito mais pontos do que em qualquer quadra, nacional ou internacional.
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*Médico. Escritor. Cronista.
Fonte: ZH online, 30/03/2010

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