segunda-feira, 22 de março de 2010

Deus e a tecnologia

Fábio Toledo*


Lembro-me de uma frase de um professor do então colegial que foi suficiente para abalar a fé, ao menos de um imaturo aluno do Ensino Médio. Dizia ele: “Deus é uma fuga. O cientista aprofunda na busca do conhecimento até que, quando chega ao seu limite e não consegue explicar algum fenômeno, diz simplesmente que isso ou aquilo é assim porque Deus quis”. Mas será mesmo que a fé e a ciência são coisas incompatíveis e inconciliáveis? Pior ainda, é a fé um entrave para a ciência e a ciência um obstáculo para a propagação da fé religiosa?

A frase, ao menos numa análise superficial, é sedutora. Com efeito, explicar que o mundo, as pessoas e o Universo são como são porque Deus quis pode justificar uma postura desleixada do cientista. Mas pode também, se encarada de outra forma, ser um estímulo para o próprio progresso da ciência. É que, quanto mais se descobrem as perfeições do universo e dos seres criados, tanto mais se ressalta a perfeição de quem os criou. E então o bom cientista busca cada vez mais aprimorar os conhecimentos para o bem da humanidade, sem perder a perspectiva de que, quanto mais avança, mais se desenha e se faz evidente a sabedoria do Criador.

Isso nos remete, porém, para outra indagação: haverá limites éticos nessa corrida pelo conhecimento? É evidente que sim. E o limite está, essencialmente, na dignidade da pessoa humana. Não contribuem para fazer uma humanidade melhor os inventores das bombas químicas e de outros equipamentos de destruição em massa, como igualmente não promove a dignidade humana as pesquisas e a manipulação das células embrionárias humanas. E a razão disso é muito simples. É que a vida humana é um valor absoluto, perene e universal, de modo que não é verdadeira ciência a que é feita para destruí-la, ainda que com o falso pretexto de salvar outras vidas.

A dicotomia entre a fé e a ciência talvez assuma modernamente uma tensão mais dramática na postura com que as pessoas em geral encaram as adversidades e a doença. Os avanços tecnológicos são sensíveis em toda parte. Maravilhamo-nos com eles no setor de transportes, nas telecomunicações e especialmente na medicina. Com isso, muitas pessoas passam a confiar na tecnologia como o único recurso para a sua cura e também para as livrarem de toda sorte de dor e sofrimento. Mas também aqui a contradição entre Deus e a ciência é apenas aparente, embora muito se insista — em minha opinião, de má-fé — em sustentar o contrário.

É fantástico que a medicina tenha evoluído e a tecnologia muito contribua não apenas para salvar milhares de vida, mas também para permitir que se viva com dignidade por mais tempo. Contudo, a tecnologia não conseguirá jamais eliminar o sofrimento das pessoas nem impedir o que é absolutamente inevitável: a morte. Qual seria, então, o equilíbrio?

Penso que o vice-presidente da República, José de Alencar, deu-nos uma lição fantástica que merece ser meditada. Evidentemente que ele foi tratado de sua doença com o que há de mais moderno na medicina e ansiamos pelo momento em que isso esteja disponível a todo cidadão brasileiro. Mas depois de se valer de todos esses recursos tecnológicos, disse ele de si para si em voz alta, para que todos nós pudéssemos aprender do seu exemplo de fé bem vivida: “Se Deus quiser me levar, Ele não precisa de câncer. Se Ele não quiser que eu vá, não há câncer que me leve”. Alguém já imaginou alguma quimioterapia mais maravilhosa para curar as doenças da alma?
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Fábio Henrique Prado de Toledo é juiz de Direito em Campinas
E-mail: fabiotoledo@apamagis.com.br
Fonte: Correio Popular online, 22/03/2010

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