segunda-feira, 8 de março de 2010

Os tempo da Revolução Feminina

Editorial, Jornal do Brasil

RIO - É provável que nos últimos 50 anos tenha se passado uma das maiores revoluções da história da humanidade. É recentíssima, diante da trajetória de milênios do que podemos começar a chamar de existência humana na Terra, o fenômeno da emancipação feminina. A nova posição da mulher na sociedade já está de tal forma naturalizada que, às vezes, se esquece como em meados do século passado a condição feminina pouco se diferenciava da existente em eras longínquas, quando o patriarcalismo reinava absoluto.
Desde os tempos remotos, a força física fez com que os homens tivessem, a partir da divisão social do trabalho, uma preponderância sobre a mulher. No mundo hostil dos antepassados, aos homens cabiam as atividades mais arriscadas – a caça, a proteção da comunidade contra tribos inimigas – enquanto as mulheres cuidavam da prole e das tarefas domésticas. Tal divisão do trabalho, com repercussões políticas nas relações de gênero, esteve tão arraigada nos fundamentos da civilização ocidental que se transformou em ensinamento religioso expresso. “Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor; porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da Igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo. De sorte que, assim como a Igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos”, ordena a Bíblia (Efésios, 5, 22-24).
Nas Escrituras Sagradas, logo, o machismo não só é tolerado como recomendado como mecanismo para o estabelecimento da ordem. Legitimava o mundo das hierarquias rígidas, do Antigo Regime. Seguidas revoluções – políticas, econômicas, culturais, tecnológicas – derrubaram ao longo do tempo as bases desta estrutura social. A questão feminina, ainda que talvez tenha sido a mais postergada de todas as mudanças, é a que obteve a mais profunda alteração de comportamento em relação ao passado – ao lado da ascensão da juventude e da quebra do respeito automático aos mais velhos.
Algumas revoluções, como a Industrial, tiveram impacto direto e criaram novas funções para as mulheres, que não deixaram de exercer as anteriores. O capitalismo, ao não abrir mão da força de trabalho sequer das crianças, pôs a mulher para fora de casa e lhe deu lugar no mercado. A mulher começava a competir com os homens. Vem desta época, com a maior conscientização adquirida com os movimentos operários e com a difusão da igualdade como bandeira dos movimentos socialistas, o vigor mais acentuado das demandas levadas a cabo pelas mulheres. O Dia Internacional da Mulher, que se comemora hoje, é uma lembrança da trágica data em que 130 mulheres morreram queimadas, numa fábrica de Nova York, em 1857, após reivindicarem melhores condições de trabalho e equiparação salarial com os homens.
No entanto, embora profunda e acelerada nas últimas décadas, a Revolução Feminina é desigual. Em muitas partes do mundo, a situação das mulheres não mudou um milímetro. Ainda são apedrejadas em praça pública e sofrem mutilação genital em práticas brutais em sociedades tradicionais. Mesmo em culturas modernas, enfrenta problemas como a violência doméstica, as diferenças salariais em relação aos homens, o acúmulo das funções domésticas com as profissionais e a falta de representatividade no mundo político. Resta o consolo de que a Revolução Feminina, por onde passa, não combina com retrocesso.
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Jornal do Brasil - 08/03/2010

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