quinta-feira, 4 de março de 2010

Michel Maffesoli - Entrevista

Abaixo o progreso

Maffesoli defende comprometimento com o mundo no aqui-agora


A visão do futuro como um tempo melhor do que o presente, traduzida como progressismo, está fadada a se enfraquecer na Pós-Modernidade, segundo o intelectual francês Michel Maffesoli, 65 anos. À revista PUCRS Informação, ele adianta um termo que passará a fazer parte do seu repertório de expressões da Sociologia Compreensiva e do Cotidiano: progressividade. “Naturalmente, as pessoas sempre esperam que existam o projeto, o futuro. A energia dessas novas gerações não é projetiva, progressista. É um desafio viver esse presente, essa energia sem esse projeto.” Em vez de uma linha reta, a progressividade de Maffesoli é pensada em espiral, comprometendo a todos nos rumos do planeta.
Vestido com a toga da Universidade Paris Descartes – Sorbonne e exibindo condecorações como a Legião de Honra do Estado francês, o sociólogo se tornou Doutor Honoris Causa da PUCRS (na foto com o Reitor Joaquim Clotet), quando exaltou o papel das universidades na formação de sentidos, no compartilhamento do saber e contra os dogmatismos desde o século 13. “Recebo este título como um empréstimo que transmitirei àqueles que me sucederem na bela ideia de troca. O pensamento livre da universidade nos convoca à audácia intelectual.” A maior honraria concedida pela Instituição reafirma a sua contribuição para a formação de doutores e pós-doutores de Norte a Sul do Brasil e o estreito vínculo com a Faculdade de Comunicação Social (Famecos), onde participou mais uma vez do Seminário Internacional da Comunicação como o conferencista-destaque, lotando o auditório do Centro de Eventos.

Na cerimônia de concessão da honraria, o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, Juremir Machado da Silva, que foi orientado por Maffesoli no mestrado e doutorado realizados na França, afirmou que a Sociologia Compreensiva é capaz de “conciliar inconciliáveis, valorizar a diferença e celebrar a vida no cotidiano”. Comentou que o intelectual não precisa odiar o mundo, pode ser aquele que descobre, provoca, desvela, faz a vocação de algo aparecer. “Vivemos tentações egoístas, mas estamos no tribalismo, em busca da vibração do comum”, disse Juremir, lembrando o conceito cunhado por Maffesoli e mais aplicado do que nunca em tempos de internet. Na Pós-Modernidade, prossegue o professor da PUCRS, onde os outros veem isolamento, ele enxerga o encontro. Para o sociólogo francês, pós-moderno é unir o arcaico com a tecnologia de ponta.

Na entrevista, com a habitual gravata borboleta e uma chamativa meia cor-de-rosa, Maffesoli defende a retomada da ideia original de universidade e comenta sobre as redes sociais, diferenças entre Brasil e França, tribalismo, individualismo e reespiritualização do mundo. Juremir Machado colabora como tradutor.

O senhor pode comentar a aparente contradição entre as universidades se fazerem de certezas e verdades e ao mesmo tempo conviverem com a tolerância e a abertura ao novo?
Existem diversas concepções da verdade. A concepção moderna de verdade é a ideia de verdade com “v” maiúsculo. A verdadeira atitude científica é aquela em que as coisas são discutidas, discutíveis. Edgar Morin mostrou bem que existem verdades aproximativas, nos dois sentidos da palavra, que não são gerais e algo que permite uma aproximação.
A gente permanece, até certo ponto, no modelo dogmático da verdade, que eu chamaria de cientificismo, enquanto acho importante recuperar uma noção mais modesta de uma verdade pluralista. O filósofo Gianni Vattimo já tinha andado nesse sentido, o que chamou de um pensamento débil, fraco. Não é um paradoxo, se trata de voltar às fontes, às origens daquilo que era a verdadeira preocupação universitária.

O senhor fala em respiritualização do mundo. O que entende por espiritual?
É sempre difícil empregar a palavra espiritual. Não sei o que se passa no Brasil, mas na França sempre que se fala dá uma ideia de ultrapassado, velhusco. Acho que é uma palavra boa, importante porque mostra que a vida social não é apenas quantitativa e materialista, mas tem aquilo que faz a especificidade da espécie humana – justamente a força do espírito. Uma das características da Pós-Modernidade é a redescoberta do espiritual. Essa dimensão no sentido amplo da expressão. É interessante ver como as novas gerações conseguem integrar essa dimensão espiritual. Apesar de serem apegadas às questões corporais, materialistas, têm uma forte dimensão espiritual. Chamo de corpo místico e ao mesmo tempo materialismo espiritual.

Como alguém que conhece o Brasil, o que tem a ensinar à França e vice -versa?
Uma coisa é certa: isso não funciona num sentido único. A gente talvez tenha que usar a expressão reversibilidade, vai-e-volta, inverte. Não tem uma regra geral. Mas são importantes os intercâmbios. O que vivemos é isso: tem uma sensibilidade brasileira, uma sensibilidade francesa e elas estão em contato. Na França, por exemplo, há uma grande resistência aos meios de comunicação interativos, enquanto no Brasil é o contrário: existe uma reflexão forte sobre isso. A França pode entrar com o seu enquadramento teórico, sua sensibilidade cartesiana rigorosa, mas o Brasil conta com essa disposição para o empírico, interesse pelos novos meios.

O senhor sabe que está no Twitter , com um perfil fake (falso)?
(Risos.) Não sabia.

O jornalista Marcelo Tas falou sobre o impacto dos comentários do Twitter no programa CQC, da TV Bandeirantes . Ele ressaltou a transparência possibilitada por esse meio. Isso combina com o que o senhor chama de avanço das redes sociais?
Não conheço especificamente, mas sei como funciona em termos gerais o Twitter. Para mim, com essas novas ferramentas da internet, está em jogo o novo laço da sociedade, vínculo. Sempre insisto nisso: quando algo está nascendo sempre pode produzir o melhor e o pior. Não se deve ter medo do novo. Certamente deverá acontecer uma certa regulamentação de tudo isso. Em todo caso, é o que posso chamar de uma nova ordem simbólica.

É uma ordem que se caracteriza pela construção de um conhecimento em conjunto, um conhecimento comum, como o senhor fala.
Esse é um conhecimento que vem de baixo, todo mundo fazendo junto. Não é mais o saber vertical, mas horizontal.

Enquanto a Pós-Modernidade enfatiza o presenteísmo (o viver o presente ), nossa culturaainda prega o progresso, a ideia de que o amanhã ser á melhor do que o hoje . Não é desesperador viver sem pensar que existe essa ascensão?
Esse é o grande desafio epistemológico do momento. Naturalmente, as pessoas sempre esperam que existam o projeto, o futuro. A energia dessas novas gerações não é projetiva, progressista. Pode existir uma forma de energia nesse querer viver o presente. É um desafio viver esse presente, essa energia sem esse projeto. Faço uma distinção entre o progressismo e a progressividade. Isso será o capítulo de um livro que publicarei na França: Do Progressismo à Progressividade. O primeiro é uma espécie de tensão na direção do futuro, “ordem e progresso”, uma marca, desde o século 18, da ideologia Moderna. A progressividade não é na linha reta, é em espiral. Mostra o quanto se está implicado nas coisas da Terra. O que leva à devastação é o progressismo. Basta pensar nas questões ecológicas. A progressividade, como há um comprometimento com esse mundo, vai mostrar que a gente precisa preocupar-se, cuidar do mundo. A gente não pode mais utilizar a Terra como se fosse um objeto. Temos que parar com esse encantamento progressista. O presenteísmo é viver o aqui-agora o menos mal possível.

A era do individualismo contrasta com o que o senhor chama de tribalismo. Há uma contradição nisso? Isso é por que as coisas mudam aos poucos ou esses aspectos convivem?
Penso em relação ao individualismo o mesmo do progressismo. Enquanto as evidências são outras. Você falava de Twitter, de rede: é comunitário. A inteligentsia francesa fala de individualismo, mas no dia a dia as pessoas estão envolvidas em sites de relacionamento. Essa é uma ideia obsessiva para mim. O individualismo é uma maneira falsa de encarar a verdadeira questão da Pós-Modernidade. No primeiro capítulo de O tempo das tribos, faço uma distinção entre indivíduo e pessoa. O indivíduo, em latim, é indivisível; a pessoa é plural, múltipla. Está ocorrendo um deslocamento do indivíduo para a pessoa. Na Modernidade, o importante era o indivíduo do contrato social. Na França, cada vez mais se fala de pacto, aquilo que é feito não por indivíduos, mas por pessoas, quando se leva em consideração aspectos como emoção, afetos no pacto, diferentemente do contrato social, que era apenas racional.
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Reportagem: Por ANA PAULA ACAUAN
Fonte: Revista PUCRS INFORMAÇÃO Nº 148 - março/abril 2010 pg.24-25.

Um comentário:

  1. E interessante a nova idea de Pos-modernidade na entrevista. Com a aparicao da Internet a sociedade esta voltandose mais para as cuestoes sociais, nao tanto para as individuais. A espiritualidade vai se voltanto uma caracteristica comunitaria global e nao uma propiedade especial de pequenos grupos privilegiados.
    Alejandro Camacho.Lima-Peru

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