ARNALDO JABOR*
Ontem foi o Dia Internacional da Mulher. Sempre me espanto nessa data. Como, "Dia da Mulher"? Não haverá nessa generalização um desejo masculino de fazê-las compreensíveis, por medo de sua diversidade? O psicanalista Lacan disse que "a Mulher" não existe, pois não há alguma coisa que as unifique em uma identidade só.
Por que não há o Dia do Homem? Os homens são mais classificáveis do que as mulheres. É um preconceito também essa mania de dizermos que elas são "incompreensíveis" (até tu, Freud?...) Mas essa confusão na cabeça das mulheres não é maluquice; nessas dinâmicas almas há uma verdade indeterminada mais profunda do que as ilusões das certezas masculinas.
Sempre que chega esse Dia Internacional, nós, machistas elogiamos o lado "abstrato" das fêmeas, sua delicadeza, sua capacidade de perdão (sic), sua coragem, sua beleza, em suma, textos de hipocrisia paternalista, como se falássemos de pobres, de crianças ou de vítimas de alguma coisa. Claro que, na História, as mulheres foram oprimidas, estupradas na alma e no corpo.
Mas a importância das mulheres vai muito além de sua condição de "negras dos homens"; não é como vítimas que devemos lamentá-las ou louvá-las. Sua importância é afirmativa, pois elas estão muito mais próximas que nós da realidade do mundo, aberto, sem futuro ou significado. Elas não caminham em busca de um "sentido" único, de uma vitória pura, de um poder brutal. Não falo das "convertidas" de terninhos a um mundo machista, pela necessidade da produção e do mercado; falo de uma espécie de "essência" que as une como uma metáfora sem-fim ? as mulheres são imprevisíveis como a natureza. O homem se crê acima da "fisis"; mas as mulheres estão dentro.
Elas ventam, chovem, sangram, elas têm inverno, verão, "TPMs", raiam com a luz da manhã ou brilham à noite, elas derrubam homens com terremotos, elas nos fazem apaixonados porque nelas buscamos um sentido que não chega jamais. Na realidade, elas querem ser decifradas por nós, mas nunca acertamos no alvo, pois não há alvo, nem mosca.
Hoje, as mulheres da mídia fingem que sabem quem são; falo das nuas, das gostosas, das famosas que ostentam uma "objetividade" apenas aparente. Faz parte do tempo atual, onde reina a política correta, a aceitação de tudo ? sem preconceitos. Já as viram em entrevistas? São todas claras, falam sem dúvidas, contam intimidades com tranquilo e doce descaro ("sim, me prostitui sim, numa boa..."), fingem uma discrição, um autoconhecimento que na realidade não têm. Vistas de mais perto, com lentes macroscópicas, vemos que são impalpáveis como a realidade que o homem "pensa" que controla. Mulher abre-se num horizonte com múltiplos sentidos e está sempre nos equivocando; não porque sejam "móbiles", frívolas, mas porque funcionam assim, como raízes buscando vida em várias direções.
A mulher não é um enigma. Nós é que somos, disfarçados de sólidos. Os homens são óbvios, fálicos. Homem é ciência. Mulher é arte.
Daí o pânico que sentimos diante dessas forças da natureza mais fortes que nós, com nossas gravatas da cultura, daí o ódio que os primitivos cultivam contra elas, daí os boçais assassinos do Islã castrando-as ou mantendo-as em cativeiro ou apedrejando-as até a morte.
As mulheres são sempre várias. Isso não as faz traidoras; nós é que nos achamos "unos". Só os autoconfiantes são traídos. Esta é uma das razões do sucesso das putas. O que buscamos nelas? Os homens pagam para que elas não existam, para que sejam úteis, com uma tarefa precisa, sem vida interior. A prostituta finge ser linear e definida. Pagamos a prostituta para que nos dê uma trégua, para que não nos confunda. Nós nos deixamos enganar e ela finge que não nos engana. Ela nos despreza, claro, mas muitos preferem essa humilhação consentida, em vez de um amor puro e perigoso. A prostituta só ama o cafetão porque ele a esbofeteia e lhe dá o alívio de se sentir misteriosa e injustiçada.
Eu nunca conheci a Mulher. Eu já amei e odiei "mulheres". Então, por que esse título genérico? Não existe a Mulher. Existe a mulher de burca, a strip-teaser, a mulher sem clitóris, existe a freira, existe a perua, a modelo, a bondosa, a malvada (tão cantada em verso e prosa), existe Eva e Virgem Maria, existe a feia, a bela, a histérica, a obsessiva. Mulheres. A "Mulher" é invenção dos machos.
O maior mistério que vivemos é a diferença entre sexos. Talvez o único mistério. Por mais que queiramos, nunca chegaremos lá. Lá, aonde? Lá onde mora o "outro", a diferença.
Há alguns exploradores: os veados, sapatões, travestis, que mergulham nesse mar e voltam de mãos vazias, pois nunca saberemos quem é aquele ser com útero, seios, vagina, aquele ser maternal, bom, terrível quando contrariado no "ponto g" da alma. Por outro lado, elas nunca saberão o que é um pênis pendurado, um bigodão, a porrada num jogo do Flamengo, um puteiro visitado de porre, nunca saberão do desamparo do macho em sua frágil grossura. Elas jamais saberão como somos.
O amor é a tentativa de pular esse abismo. O amor é a patética falta de recursos de seres querendo ser absolutos, quando não passam de bichos relativos.
Eu sou hoje o que as mulheres fizeram comigo ou o que eu aprendi com elas, no amor ou no sofrimento. A cada mulher, eu descobri defeitos e qualidades que me formam hoje, como acidentes que me foram desfigurando. O que aprendi com elas? Bem... minha mãe me fez sofrer quando percebi que não era o "único". Outras mulheres me fascinaram pela impossibilidade de atingi-las, as "Carmens" me enlouqueceram uma época e fiquei atraído pelo charme infinito das histéricas. Eram como quebra-cabeças: ao tentar armá-los, eu achava que sabia tudo, mas entrava em novos labirintos. Com elas, loucas, sóbrias, boas e más, descobri que não tenho forma nem lógica e que sempre me faltará uma peça na charada.
__________________________________________
*Arnaldo Jabor (Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 1940) é um cineasta, crítico e escritor brasileiro.
Fonte: Estadão online, 09/03/2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário