José Catalán Deus (foto) é um companheiro. Veio apresentar um livro muito interessante, e talvez polêmico, porque não só propõe quem é Ratzinger e como é o seu pontificado, mas também, como diz o título do livro, o que ele fará depois. "Después de Ratzinger, ¿qué?" é um balanço de qual é a Igreja de hoje e qual pode ser a de amanhã, que começa afirmando que João Paulo II e Joseph Ratzinger "decidiram pela continuidade".
Em sua análise do papado de Bento XVI, José Catalán Deus observa que "ele continua sem controlar a Cúria como deveria" e opina que "alguns de seus famosos equívocos podem ser provocações feitas de propósito".
Além disso, José pensa que o ecumenismo não dará, ainda, "grandes gestos, nem grandes manchetes", e que o laicismo avançava em nossas sociedades já no tempo do Papa Wojtyla: "Quando ele saía entre as massas de jovens, parecia que a Igreja era uma coisa extraordinária. Agora, sabemos que era tudo simbólico".
Por último, ele aventura um possível futuro Papa: o cardeal Óscar Rodriguez Maradiaga [arcebispo de Tegucigalpa, em Honduras, e presidente da Cáritas Internacional], pois acredita que "ele é a figura mestiça, de cruzamento de raças, não branca europeia, que está sendo esperada na Igreja Católica".
Eis a entrevista.
O que haverá depois de Ratzinger?
É difícil de responder em uma só frase. Custou-me 600 páginas e quatro anos de trabalho. Aqui no sítio Religión Digital, o blog que eu fazia, "Papado Ratzinger", me permitiu e obrigou a acompanhar seu pontificado dia a dia. Essa é a base do livro.
O pontificado de Ratzinger se parece ao de João Paulo II?
Eu diria que sim. Principalmente nos conteúdos, como já podemos ver depois dessa "legislatura" de quatro ano. Bento XVI é muito continuista. Ele mesmo diz que o que ele que é cumprir e levar o pensamento de Wojtyla à prática. Em muitos aspectos formais, também se pode ver a continuidade, porque ele se esforçou em não chamar muito a atenção, viajou mais do que se esperava, mostrou-se mais acessível do que se esperava... Por isso, em geral, sim, eles se parecem, mesmo que a disposição de Ratzinger seja a de um catedrático, um teólogo "distante do ruído mundano", e a de Wojtyla, a de um ator estupendo e comunicativo.
E no pensamento de Wojtyla, quanto havia de Ratzinger? Porque você sabe que se comentava que, na prática, era Ratzinger quem "gobernava", ou quase. Principalmente em termos de doutrina.
Sim, isso é absolutamente verdade. Há quem diga que não se sabe quem influenciava mais no outro. Eram quase uma coisa só, e por isso eu sempre pensei que eles se decidiram pela continuidade. E que, em vista de que não havia outra figura, Ratzinger se sacrificou para estar na brecha (embora também deva ter suas compensações) e que agora está cumprindo um programa comum. Ele sempre lembra o Papa anterior de uma maneira muito especial.
Provavelmente, ele vai beatificá-lo...
Sim, parece que vai ser em abril próximo.
Que aspectos positivos e negativos você destacaria do seu pontificado?
Como os Papas não têm programa, é um pouco difícil. Mas, acompanhando todos os seus documentos, suas declarações e sua prática, eu diria que tem um aspectos intramuros e outros extramuros. As questões de índole interna, como por exemplo uma reforma estrutural ou um aperfeiçoamento da espiritualidade do clero, estão um pouco mais atrasadas, porque são muito difíceis.
O fato da Cúria foi um fracasso bastante notável. Bento XVI continua sem controlá-la como deveria e poderia. E o mesmo acontece com várias Conferências Episcopais, que são abertamente contrárias a algumas das coisas que o Papa está fazendo. Ele foi muito valente com a sua Reforma Litúrgica e com sua hermenêutica da continuidade, com relação ao Concílio Vaticano II, mudando a concepção de rupturista por continuista. Essas duas coisas estão começando a mudar, mas ele ainda tem muitas resistências.
Por outra parte, o mundo externo, eu diria, é uma batalha bastante perdida. Apesar de seus esforços, de ter dominado o touro pelos chifres, de ter proposto o diálogo fé-razão em tons positivos, o mundo avança aceleradamente por um caminho diferente. Parece que essa sociedade já não precisa de Deus. E esse é um perigo grave, muito difícil de combater.
Suponho que, depois do discurso em Regensburg, ele se deu conta de que sua forma de aparecer diante do público não era a mais certa. Discutiu-se muito sobre esse discurso, disse mais do que ele era, mas se chegou à conclusão de que o modo de apresentar essa verdade foi "muito intelectual", que Ratzinger tem muitas dificuldades para convergir com a cultura midiática atual. Nesse sentido, João Paulo II era um mestre das pequenas e das grandes distâncias.
Sim, mas João Paulo II não abordou muitos problemas. E isso pode ser notado no atraso em que a Igreja está no combate, por exemplo, do fenômeno da pedofilia, que foi combatido muito tarde, o da melhoria intelectual e pessoal do clero, que é muito necessária...
No mecanismo intelectual desse Papa, pode-se inclusive pensar que alguns famosos equívocos podem ser provocações feitos de propósito, porque já repetiu-os várias vezes, e não é possível acreditar que ele possa se equivocar tanto. Parece que ele gosta de jogar uma pedra de vez em quando, para criar ondas quando as águas estão muito quietas.
De fato, temos que reconhecer que, no final, o episódio de Regensburg lhe saiu bem, porque nunca havia ocorrido um diálogo mais estreito com os muçulmanos. É histórica a aproximação que houve. Vamos ver o que acontece com a questão lefebvriana e com a de Pio XII.
O novo missal, o diálogo com os lefebvrianos, esse cambalacho que foi feito com a volta de algum grupo anglicano... O Papa não tinha programa, mas em sua missa de entronização deu alguma das chaves. E uma delas era o ecumenismo, a busca da unidade. Estão sendo dados passos com a Igreja Ortodoxa russa... Agora isso é mais factível do que nunca, ou ainda estamos falando de hipóteses?
Eu acredito que, como ele mesmo sempre lembra, já não é uma questão de conversas de alto nível. É questão de rezar, de pôr o coração nisso, e que o Espírito Santo intervenha e una. Porque as diferenças de tipo doutrinal, e principalmente as antigas, de comunicação e beligerância entre as religiões, estão desaparecendo. E as religiões estão começando a precisar umas das outras. Os cristãos estão começando a ver que não podem se permitir certos luxos, porque a questão está difícil para todos. Acredito que haja fatores no mundo que contribuem para isso.
E, evidentemente, a Igreja de hoje não é a de antes. Seu ecumenismo é mais confiável e mais profundo. Agora, grandes novidades surpreenderiam a todos. Não acredito que seja um processo de grandes gestos, nem de grandes manchetes. Será pouco a pouco, uma aproximação na oração, nas cerimônias, na concepção da sociedade... Haverá organismos bilaterais de colaboração. Ativos, não como agora.
João Paulo II foi um pastor globalizado, Ratzinger não é. Depois desse pontificado, a Igreja perderá parte da influência real que tem?
É muito difícil calcular o que está acontecendo, porque o processo que elegeu esse Papa é o de ir às raízes, às essências, em vez de corrigir aspectos formais. Com João Paulo II, quando ele saía entre as massas dos jovens, parecia que a Igreja era uma coisa extraordinária. Agora, sabemos que era tudo simbólico, e que as igrejas se esvaziavam.
Bento XVI está na metade do caminho entre se reafirmar nas essências da Igreja e de transmiti-las com voz nova às pessoas. Um processo difícil, porque parece que o mundo secular não quer arranjos, e o laicismo vai se radicalizando cada vez mais em todo o mundo. As posições abertamente ateias, que há algum tempo nem eram propostas, estão tomando força. As livrarias estão cheias. Aparentemente, houve mais reação do que ação. À pequena ação da Igreja de entrar na sociedade mais profundamente houve uma reação contrária muito mais forte.
Você analisou no livro esses quatro anos de pontificado de Bento XVI. Fazendo uma espécie de balanço, você acredita que o Espírito, os cardeais, ou ambos acertaram naquela tarde de abril?
Eu acredito que sim, por mais que ninguém imaginava que iriam eleger uma figura tão continuísta, tão óbvia, tão aparentemente carente de impulso e de emoção. Parecia impossível que a Igreja elegesse alguém assim. Mas parece que não havia outra alternativa em nenhum dos dois campos, das duas alas em que se divide praticamente todo o coletivo humano: os que querem libertar e avançar, e os que querem conservar a tradição. Acredita-se que não havia mais quem eleger, porque havia figuras de referência, mas nenhuma comparável a ele. Para continuar com o pensamento wojtyliano, ninguém como ele. Nesse sentido, talvez o que se fez foi protelar os problemas, e talvez será no próximo conclave que serão enfrentados, desta vez sem um Joseph Ratzinger.
E depois de Ratzinger, para onde? Você poderia nos dizer "quem"?
Bom, para evitar o personalismo que tanto é criticado, digo que este livro começou para analisar os desafios que estão pendentes. Os perfis de possíveis candidatos.
Dê um perfil.
Sempre estamos no mesmo problema: existem dois. Se a Igreja considera que o que Wojtyla introduziu deve ser continuado, ela terá que optar por um conservador. Mas um conservador mais jovem, que, dentro do mesmo pensamento, possa contribuir com mudanças um pouco mais drásticas. Não faltam nomes. Se ela optar por uma solução parecida à de Ratzinger, poderia ser [o cardeal Angelo] Scola [patriarca de Veneza], que tem 70 anos e é uma pessoa muito preparada. Mas se a Igreja decide que é preciso voltar a equilibrar o pêndulo, dar um passo adiante e enfrentar os problemas pendentes, será uma aventura muito mais difícil. Talvez o próximo Papa ainda esteja esperando ser nomeado cardeal nos próximos consistórios. Talvez é um desses brilhantes bispos e arcebispos que estão aparecendo por todo o mundo. Na Cúria Romana, na África, na América Latina... Ali continua o candidato Óscar Rodríguez Maradiaga.
A crise Honduras não lhe afetou?
Pode ser que sim. Mas, na realidade, ele foi muito valente intervindo. Ele se colocou em um verdadeiro vespeiro, do qual se costuma sair escaldado. Se Honduras não deslizar de novo para o caminho do enfrentamento, será um ponto importante que irá demonstrar que Maradiaga pode lidar com os problemas globais e internacionais. Sabemos que sua preocupação é totalmente diferente da do atual Papa. Não lhe preocupam muito a teologia nem a liturgia, mas sim o estado do mundo, que ele vê todos os dias através da Cáritas Internacional. Ele amadureceu, e eu acredito que ele tem bastante apoio e respaldo nos EUA. É a figura mestiça, de cruzamento de raças, não branca europeia, que está sendo esperada na Igreja Católica. Essa questão simbólica tem muito valor. Vemos isso com Obama, que também não é muita coisa, mas seu símbolo fala, e também sobre a Igreja. Poderia ser o momento de Maradiaga.
_________________________________________________________________A reportagem é de Jesús Bastante, publicada no sítio Religión Digital, 08-03-2010.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU online, 10/03/2010
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