sexta-feira, 19 de março de 2010

Guillermo Fariñas Hernández - greve de fome em Cuba


Leito número 8 da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Provincial Arnaldo Millian Castro, na cidade de Santa Clara — capital da província de Villa Clara —, a 268km de Havana. O jornalista e psicólogo cubano Guillermo Fariñas Hernández, 49 anos, sabe que lhe resta pouco tempo e que sua vida está nas mãos do regime de Raúl Castro. Já se passaram 24 dias desde que o dissidente político parou de beber e de comer. Nesse prazo, perdeu 18kg dos 81kg que tinha antes de começar seu protesto.
Com fortes dores de cabeça e praticamente cego, Guillermo recebe um coquetel de soro, glicose, aminoácidos e minerais na veia, por recomendação médica. Seu estado de saúde é considerado grave, porém estável. Em entrevista exclusiva ao Correio, por telefone, ele revelou que sua família se opõe à greve de fome — um gesto extremado para forçar a libertação de 26 prisioneiros políticos de consciência — e avisou: “Estamos dispostos a levar esse protesto até as últimas consequências”.
Guillermo Fariñas fez fortes críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O jornalista acusou o mandatário brasileiro de ser “terrorista” e de ter responsabilidade na morte de Orlando Zapata Tamayo, preso político que sucumbiu à greve de fome em 24 de fevereiro. Naquele dia, Lula desembarcou na ilha caribenha para se encontrar com Raúl e Fidel Castro e condenou a greve de fome.
O dissidente pediu ao povo brasileiro que não vote na candidata Dilma Rousseff, nas eleições de outubro. Apesar de disposto a morrer, Guillermo acredita em resquícios de liberdade em Cuba. Ele cita as “irmãs” do movimento Damas de Branco, que têm saído às ruas de Havana para exigir a libertação de seus maridos, pais e filhos. Na manhã de ontem, as ativistas marcharam em silêncio pela Havana Velha, levando ramos de gladíolos rosas, no sétimo aniversário da prisão de seus 75 familiares.

“Lula é tão assassino quanto Raúl e Fidel”

Qual é a situação de sua saúde?
Bom... A situação de minha saúde... Os doutores que estão me atendendo a consideram grave e estável. Estou com a pressão de 110 por 70. É uma pressão para uma situação de saúde muito debilitada. Também tenho muita dor de cabeça e perdi a visão. Estou recebendo nutrição parenteral por meio intravenoso. Estou recebendo gorduras essenciais, aminoácidos, plasma, minerais e glicose concentrada e uma mistura de água e sal. Comecei a greve de fome em 24 de fevereiro passado. Na verdade, estou em greve de fome e de sede.

Até quando pretende levar essa greve de fome? O senhor pretende realmente morrer em protesto contra o regime de Raúl Castro?
Nós pretendemos que o governo cubano liberte os 26 prisioneiros políticos de consciência investigados pelos médicos militares e do Ministério do Interior, os quais afirmaram que a saúde deles é muito precária. Eles mesmos recomendaram que esses presos sejam postos em liberdade, pois a vida deles corre perigo dentro das prisões. Esse é nosso principal objetivo. Encerraremos a greve de fome se o governo cubano fizer esse gesto de boa vontade ou como queira dizer. É preciso lembrar... Esse governante cubano, Raúl Castro, não foi hipócrita e cínico ao dizer que lamentava a morte de um preso político cubano, quando recorria às impressões brasileiras? Eu lhe digo essas palavras: para que o senhor não precise lamentar outra vez, por favor, ponha em liberdade essas 26 pessoas que estão a ponto de morrer. Do contrário, estamos dispostos a levar esse protesto até as últimas consequências. Isso significa que poderia haver um desfecho fatal. E, dessa forma, assumimos isso.

Sua mulher e sua mãe (1)o apoiam completamente nesse gesto extremo?
Elas não estão de acordo com o que estou fazendo, tampouco meus irmãos de luta e de ideias. Elas respeitam o que realizo. Minha mãe e meu pai falecido me ensinaram que, acima de qualquer afeição, está o amor à pátria. Isso é o mais importante para qualquer cidadão que se considere patriota e que deseje o bem da sua pátria.

Mas é possível ter uma pátria com amplas liberdades civis, sob a tutela de Raúl Castro e do socialismo?
Indiscutivelmente, é impossível ter liberdades políticas, sociais e econômicas com o regime encabeçado por Raúl Castro nesse instante. Raúl e Fidel Castro consideram que Cuba e os cubanos são sua fazenda particular e tratam as pessoas que se opõem a eles de maneira pública como delinquentes comuns. Eles não aceitem que alguém que os enfrente seja uma pessoa correta. Para eles, todas as pessoas que não estão de acordo com suas ideias políticas são desprezíveis e indignas de serem respeitadas.

Sua morte não pode ser vista como um triunfo do regime cubano, já que suas demandas não teriam sido atendidas?
Não, não. Para nós, nossa morte seria um triunfo moral sobre o regime. O regime nos acusa de sermos mercenários. Um “departamento de mercenários” é formado por soldados capazes de morrer em um conflito, motivados por dinheiro. Que eu saiba, nenhum mercenário é capaz de morrer por suas próprias ideias, por aquilo que ele defende. Aqui, eu quero reivindicar a memória de nosso irmão de luta, Orlando Zapata Tamayo, que foi capaz de entregar sua vida. Seríamos capazes também de fazê-lo, para mostrar ao mundo que o que ocorreu a Orlando Zapata Tamayo não foi uma casualidade, mas uma generalização, que ocorre há 52 anos, nos regimes de Fidel Castro e de Raúl Castro.

Como o senhor analisa o papel do Brasil em relação a Cuba? Logo depois da morte de Zapata, o presidente Lula esteve em Havana e se reuniu com Fidel Castro...
Não analiso o papel do Brasil em relação a Cuba, mas o papel do presidente José (sic) Inácio Lula da Silva. Eu considero que Lula é tão assassino de Orlando Zapata Tamayo como são Raúl Castro e Fidel Castro. Consideramos que há uma série de cumplicidades entre a esquerda radical latino-americana e que Lula não é um verdadeiro democrata. Ele é um terrorista solapado que, devido à conjuntura histórica — não existe, nesse momento, uma Guerra Fria —, ascendeu ao poder por meio da democracia presidencialista. No entanto, Lula demonstrou que suas afinidades ideológicas estão acima da vida dos seres humanos. Lula poderia, perfeitamente, ter cancelado sua visita. Faltou-lhe respeito a um defunto, como Orlando Zapata Tamayo, ao compará-lo com os delinquentes de São Paulo.

E o que o Brasil precisa fazer para ajudar Cuba a encontrar o caminho da democracia?
O governo do Brasil precisa respeitar a dor do povo cubano, de Reina Luisa Tamayo — mãe de Orlando Zapata Tamayo — e não ser cúmplice do assassinato. Não tenho nada para pedir a Lula. Para mim, ele é um assassino, um cúmplice. O que peço ao Congresso brasileiro é que faça uma moção de censura ao presidente Lula. Peço ao povo brasileiro que não vote na candidata do Partido dos Trabalhadores (Dilma Rousseff). Se querem render homenagens a Orlando Zapata Tamayo nas próximas eleições, pedimos a vocês que não votem nela. A candidata representa o mesmo engano, hipocrisia e cumplicidade.

Existe algum indício de liberdade em Cuba? O que é ser cubano sob o atual regime?
Penso que sim... Há um resquício de liberdade, posto que por esses dias nossas irmãs, as Damas de Branco, estão tomando as ruas, apesar dos atos de repúdio (do governo) e apesar da repressão de ontem. Hoje elas também estão realizando atividades para que seus maridos e filhos ou irmãos sejam colocados em liberdade, porque são prisioneiros de consciência e somente estão presos por se oporem ao pensamento do regime. É importante recordar aos brasileiros que, quando os familiares de Fidel e Raúl Castro cometeram um ato terrorista, ao assaltar o Quartel Moncada, em 1953, suas irmãs e mães, que realizavam protestos e caminhadas, nunca foram agredidas pelo regime de Fulgencio Batista. Nunca foram repudiadas, golpeadas, sequestradas ou ameaçadas. Foram respeitados seus direitos e seus familiares foram libertados. Aqui vemos a intolerância da dinastia dos irmãos Castro. Fidel, Raúl e seus familiares puderam lutar naquela época. Agora, não permitem e golpeiam quem trata de fazer o mesmo por seus familiares.

Que mensagem sua morte representaria para o povo cubano?
Nossa morte, para o povo de Cuba, representaria um símbolo de que não tememos o terror e estamos dispostos a oferecer nossas vidas pelo bem da pátria, pelo bem da democracia e pelo bem da Cuba e para o bem de todos. Incluindo os castristas e os anticastristas, os cubanos que vivem na diáspora e os cubanos que vivem dentro de Cuba.

Os médicos fizeram algum comentário sobre sua expectativa de sobrevida?
Nós nos encontramos sendo tratados diretamente pelo doutor Elias Béquer García, especialista em terapia intensiva de grande renome e por toda a equipe de especialistas deste hospital. A grande preocupação é o trato intestinal. Segundo o médico Béquer García, meu intestino delgado apresenta várias bactérias que estão comendo umas às outras. Entre 30 e 60 dias, elas começarão a invadir todo meu organismo e a criar toda uma série de infecções em meu corpo. Não há um prazo determinado. Isso depende de fatores biológicos e clínicos, inclusive de minha condição espiritual.

Muitas pessoas vão considerá-lo um mártir, caso morra nos próximos dias. O senhor aceitaria esse título?
Se me consideram um mártir ou não, isso se encarregarão os historiadores de definir. Creio que não serei eu. Eu simplesmente estou cumprindo com o que a minha consciência, como patriota cubano e democrata, me ordena. Estou fazendo o que considero que devo fazer neste momento.

1 - Sofrimento resignado
Durante a tarde de ontem, Alicia Hernández esteve ao lado do leito do filho, no hospital de Santa Clara. Em entrevista ao Correio, por telefone, ela afirmou: “Como mãe, não posso estar de acordo com a greve que ele está fazendo, pois eu prefiro meu filho vivo do que morto”. Segundo ela, não resta nada a fazer a não ser atender aos desejos de Guillermo Fariñas. “Eu o apoio, mas o apoio para tratar de sair disso. E, se houver qualquer outra situação, que ele lute para obter o tratamento indicado”, comentou.
Minha mãe e meu pai falecido me ensinaram que, acima de qualquer afeição, está o amor à pátria”
Lula demonstrou que suas afinidades ideológicas estão acima da vida dos seres humanos”
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Reportagem: Rodrigo Craveiro
Fonte: http://www.correiobraziliense.com.br/impresso/ 19/03/2010

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